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"Medalhas? Se soubessem os sacrifícios que fazemos não falavam assim"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, José Carvalho lamenta a reação dos portugueses aos resultados conseguidos nos Jogos Olímpicos, mas acredita que, com melhores condições, o slalom luso poderá conseguir lutar por medalhas no futuro.

"Medalhas? Se soubessem os sacrifícios que fazemos não falavam assim"
Notícias ao Minuto

10:00 - 01/09/16 por Carlos Pereira Fernandes

Desporto José Carvalho

José Carvalho era um completo estreante nos Jogos Olímpicos, numa modalidade – o slalom – onde Portugal não tinha um atleta olímpico desde 2000.

No entanto, não se deixou intimidar e, à primeira tentativa, conseguiu o apuramento para a final, onde alcançou o nono lugar.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o canoísta português natural de Amarante fala das dificuldades que enfrentou para chegar ao Rio de Janeiro e pede condições para que possa treinar no país que o viu nascer.

“Estive longe da família, fora da cidade, a treinar só com um colega durante quase dois anos…”

Como entrou no slalom, num país onde o futebol é o desporto dominante?

Eu também joguei futebol, aqui no Amarante. Mas, durante o verão, praticamente não há futebol. Aqui na minha rua tinha uns amigos com quem me juntava no verão e havia umas férias desportivas no Água Bravas Clube. Pensámos ‘Vamos experimentar aquilo, deve ser porreiro’. Comecei assim. Lá fui no verão, ganhei mais gosto pela modalidade e comecei a fazer aquilo praticamente a tempo inteiro. 20 anos depois cá continuo.

Como foi a preparação nos últimos anos?

Foi muito difícil. Tive que me ausentar do país para conseguir competir ao mais alto nível. Tive que ir para Espanha. Estive nos últimos três anos em La Seu d'Urgell, onde temos uma base de treino, para conseguir preparar o apuramento olímpico.

Tudo isso envolveu um grande esforço a nível financeiro?

Nós tínhamos uma casa paga pela Federação, assim como todas as despesas que tivessem a ver com alimentação. Tudo o resto tivemos de pagar do nosso bolso. Deram-nos essas condições, mas é claro que não chega. Tive que pôr muito dinheiro da minha parte.

Teve de fazer muitos sacrifícios para chegar a este nível?

Estive longe da família, fora da cidade, a treinar só com um colega durante quase dois anos… É um sacrifício enorme. Saímos para Espanha, treinámos com dez graus negativos entre dezembro e fevereiro. É um sacrifício enorme.

O que é que o levou a seguir em frente apesar das dificuldades?

Desde os oito anos que faço canoagem slalom, sempre quis chegar aos Jogos. Tenho uma grande paixão pelo slalom e queria mostrar-me capaz de, quando me dessem as condições mínimas para lutar com os outros atletas, chegar aos Jogos Olímpicos e fazer um bom resultado.

Nunca lhe passou pela cabeça desistir?

Não. Tinha o meu objetivo. Sou uma pessoa de ideias claras e queria chegar aos Jogos. Claro que temos sempre altos e baixos, mas desistir nunca fez parte das minhas opções.

“Chegar à final já foi bastante bom para o slalom português”

Foi apanhado de surpresa quando, a um mês do início dos Jogos Olímpicos, foi repescado?

Desde setembro (de 2015) que sabia que ia haver essa possibilidade. Claro que podiam haver outros fatores, como uma lesão de um outro atleta, que pudesse deitar isso por água abaixo. Mas pensei sempre que a vaga já não me fugia.

Como recebeu a notícia de que ia, pela primeira vez, participar nos Jogos Olímpicos?

Recebi com enorme alegria, claro. Uma participação nos Jogos Olímpicos é sempre fantástica.

Na altura, que objetivos traçou para a prova?

Em cada prova onde compito, o objetivo passa sempre por chegar à final. Claro que num Campeonato do Mundo ou num Campeonato da Europa é sempre mais difícil, porque participamos com três pessoas por país, enquanto que, nos Jogos Olímpicos, é um atleta por país.

Logo na sua primeira participação conseguiu o apuramento para a final. O balanço é positivo?

Sim, claro. O meu objetivo era entrar na final, tudo o que viesse a mais era excelente. Consegui cumprir o meu principal objetivo.

Ficou com um sabor amargo por acabar a apenas um lugar do diploma olímpico?

Não, não ia a pensar no diploma olímpico. Se calhar, se pensasse nisso ou noutras coisas, não tinha entrado na final. Fui para dar o meu melhor e consegui a final, o que já foi bastante bom para o slalom português.

Foi um bom regresso para Portugal ao slalom, onde já não tinha um representante olímpico há 16 anos?

Penso que sim. Costumo dizer que nós, com pouco, fazemos muito. Deram-nos um bocadinho de condições para chegar aos Jogos Olímpicos e, mesmo com pouco apoio, conseguimos estar na final.

Apesar de tudo, quando chegou aos Jogos Olímpicos, sentiu que era possível igualar o nível dos melhores?

Já estou habituado a competir com eles noutras competições. Já sabia o que esperar. Sabia que, depois te ter treinado durante três anos, podia estar muito bem, mas que me faltava algo para chegar aos lugares cimeiros. Tinha a consciência de que era muito difícil chegar ao topo. Enquanto que eles levam esse trabalho desde os oito ou nove anos, eu só levei nos últimos três, por isso ia sempre ser difícil. Ainda assim sabia das minhas capacidades e que podia chegar muito bem à final. Nem sempre tudo corre como queremos, mas foi bom.

Como encarou a reação dos portugueses à falta de medalhas nos Jogos Olímpicos?

Isto acontece em todos os desportos, as pessoas só pensam nas medalhas, não pensam no trabalho que tem de ser feito, nas condições que temos de ter para treinar… Claro que, chegar dos Jogos Olímpicos e ver as pessoas a falar desta maneira, deixou-me um bocado triste, porque muitas vezes não sabem os sacrifícios que um atleta faz para competir com os melhores. As pessoas falam sentadas no sofá, dizem ‘Ah, este gajo nem uma medalha ganhou’, mas, se soubessem o trabalho que temos e os sacrifícios que temos de fazer, não falavam assim. Muitos falam sem nunca passar por isto. Nunca estiveram em alta competição, nunca treinaram todos os dias, nunca estiveram longe da família. Não sabem o sacrifício enorme que fazemos para estar nos Jogos Olímpicos.

“Se não me apoiarem não vou andar a perder o meu tempo”

Já começou a pensar em Tóquio?

Claro, os Jogos do Rio já passaram. Se todas as entidades responsáveis quiserem, vamos começar a montar uma preparação melhor para Tóquio. Tudo vai depender das condições que nos derem. Era bom conseguirmo-nos preparar aqui, na nossa terra, mas, se me derem as condições no estrangeiro, não vou baixar os braços.

O objetivo passa por melhorar o nono lugar conseguido no Rio de Janeiro?

Tenho dois braços, sou um atleta como os outros. Se me derem as mesmas condições que os outros têm, claro que posso lutar ao nível deles.

Espera que até lá sejam criadas as condições para que possa treinar em Portugal?

Tudo depende da vontade e de o querer fazer. Se houver vontade, penso que sim. Mas se, como é costume, só pensarmos em tudo isto nas vésperas dos Jogos Olímpicos, não vai ser possível.

Vê-se a praticar slalom durante muitos anos?

Tudo depende dos apoios que tivermos. Claro que não vou andar a investir sozinho para chegar aos Jogos Olímpicos. Isto traz muitas despesas. Não vou andar a perder tempo. Tenho que trabalhar e ganhar a minha vida. Se não me apoiarem, não vou andar aqui anos a tentar lutar por uma coisa que só é valorizada quando chegam os Jogos Olímpicos.

Caso esses apoios não surjam, já pensou no que vai fazer?

Faço isto porque gosto, porque tenho amor pela canoagem e, até este momento, tive possibilidade de o fazer. Quando não o puder fazer, tenho que me agarrar ao meu trabalho e continuar a minha vida. Tenho a minha empresa em Amarante, na área das ferragens, não estou muito preocupado. O meu padrinho deixou-me a empresa quando faleceu, queria que desse seguimento. Aí tive que deixar os estudos e tomar conta da empresa.

Quer aproveitar para deixar um apelo às entidades competentes?

Queria que nos tentassem dar condições para que pudéssemos treinar no nosso próprio país, pelo menos na altura do inverno. Esta é uma modalidade em que se tem que andar pelo mundo. Temos cinco Taças do Mundo e são semanais, pelo que temos de andar fora do país. Mas, se nos dessem condições para treinar o básico em Portugal, para fazermos uma espécie de pré-época, era muito bom. Acredito que, se assim for, em vez de termos um atleta do slalom nos Jogos Olímpicos, podemos ter uma equipa e, ao longo dos anos, lutar por uma medalha.

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