Natural das Lajes do Pico, nos Açores, Renato Goulart, de 52 anos, desde cedo sucumbiu ao "charme da montanha", que constitui o ponto mais alto do país (2.351 metros), e aos 19 anos enveredou pela profissão de guia.
"O facto de estar a viver no Pico e estar a olhar para ela [montanha] cá de baixo é uma sensação de atração e aguça a curiosidade do que se passa lá em cima, independentemente do clima", diz à Lusa aquele que é considerado o "embaixador da montanha", já condecorado pela Região Autónoma dos Açores.
Renato Goulart seguiu "o instinto e o chamamento da montanha", tendo tudo "acontecido de uma forma natural", abdicando do seu emprego para ser guia.
Quando escalou pela primeira vez a montanha com os primos e amigos, passou a noite na montanha com "muito frio", porque "antigamente não havia equipamento" e "dormia-se nos tubos lávicos".
Enquanto os mais velhos levavam aguardente para aquecer, os mais miúdos "não tinham outra solução senão agasalharem-se num cobertor e no que restava de roupa" numa noite "praticamente sem dormir", narra.
Renato Goulart confessa que "a relação com a montanha é muito intimista", é "quase como uma mãe que protege o filho, independentemente da distância e da situação em que está".
Acometido de um cancro há um ano e meio, Renato Goulart não se sente limitado e deixa uma mensagem aos colegas doentes do Hospital de Ponta Delgada e a todas as pessoas com a mesma doença para "não baixarem os braços".
"Nós não somos pessoas que estão no fim da linha. Eu senti quando aconteceu que deveria parar, a médica decidiu também que era bom parar para fortalecer o meu sistema humanitário, ficar forte. Os doentes oncológicos, apesar da situação, são pessoas válidas que entram numa família oncológica, e somos muito resilientes", afirma o guia.
A subida 3000 marcou-o "imenso, porque no último ano e meio foi uma luta", para além de ter perdido o sobrinho.
"Tinha prometido a mim próprio que iria tentar fazer as três mil subidas por ele, pela família de doentes oncológicos de todo o mundo para que não baixem os braços", afirma o guia.
Renato Goulart frisa que, "antes da doença, a montanha já estava dentro" dele e "é com ela" que está "a silenciar e a combater" a patologia.
Já viveu muitos episódios na montanha do Pico, mas marcou-o de forma particular uma senhora de 83 anos que, em 2016, fez a escalada "com um ritmo extremamente alto", para além de pessoas que fizeram no topo pedidos de casamento, celebraram bodas de prata e anunciaram gravidezes.
Questionado sobre celebridades que levou ao topo do Pico, Renato Goulart recusa-se a fazê-lo, porque "a montanha trata todos por igual, independentemente do 'status social'", mas confessa que foram vários políticos e artistas nacionais e internacionais.
Questionado sobre eventuais desgastes geológicos da montanha face à pressão turística, apesar da capacidade de carga definida para subir com guia e de forma autónoma, Renato Goulart considera que "não é tão impactante como se quer fazer passar".
Mas defende que se deve abandonar a subida autónoma e que esta se passe a fazer apenas com guias.
E deixa a promessa de que vai continuar a escalar o Pico, embora abrandando o ritmo.