O ambiente é de fim de festa: no último ano do contrato de concessão da prova à Podium Events, há uma letargia latente na caravana, com a 86.ª edição, que foi apresentada menos de três semanas antes de ir para a estrada, a ficar marcada por uma sucessão de decisões polémicas, nomeadamente do colégio de comissários, e por um 'fracasso' de adesão de público.
A Volta perdeu a magia e para isso muito contribuiu o caos organizativo em que mergulhou: falha a comunicação à caravana, muitas vezes informada em direto pela RTP, a verdadeira 'dona' da prova, falha o respeito pelos ciclistas, como aconteceu na neutralização da quarta etapa, em que simplesmente não foram ouvidos, ou como acontece no permanente atraso no pagamento de prémios, e falha até o acesso dos outros jornalistas que não os do canal público aos corredores no final das tiradas.
A organização tem muita gente -- demasiada talvez -, mas ninguém parece preocupado com a evidente desvalorização do 'produto' Volta, percetível sobretudo no desinteresse do público, que este ano deixou, inclusive, 'despida' a Senhora da Graça, outrora a mais emblemática das subidas da prova em termos de adesão de adeptos.
"Todos os dias noto bastante menos público do que noutros anos e noutros tempos. Não sei bem o fator", disse Rui Sousa, em declarações à agência Lusa.
O mais provável, para o vice-campeão da Volta2014 -- foi também terceiro em 2013, 2012, 2011 e 2002 -, é faltarem "alguns ciclistas que nos últimos anos tenham sido uma referência portuguesa" na prova 'rainha' do calendário nacional.
"Se houvesse referências portuguesas que nos últimos anos tivessem andado na discussão da Volta... E quando falo de discussão, não falo só da discussão da geral, mas de serem protagonistas todos os dias, andarem ao ataque e estarem sempre a tentar o melhor e a mostrarem-se. O que tem acontecido é isso: não haver portugueses que de forma constante e sucessiva, ano após ano, criem uma certa imagem social que traga mais pessoas à estrada", notou.
Para o antigo ciclista, que foi talvez o último 'superpopular' do pelotão nacional e se retirou em 2017, "falta alguém que crie esperança de vencer a Volta" ao público nacional, que prefere que seja um dos 'seus' a ganhar, o que não acontece desde que Amaro Antunes venceu em 2021 -- o algarvio foi posteriormente desclassificado por doping, outro 'flagelo' que 'apanhou' os principais nomes lusos e pode explicar o divórcio entre o público e a corrida.
"Os líderes das equipas portuguesas são praticamente todos estrangeiros. Isso acaba por fazer com que o interesse das pessoas morra muito", reforçou.
Já Manuel Correia acredita que "há uma série de circunstâncias que vão afastando as pessoas" da Volta a Portugal.
"A qualidade da Volta, o número de ciclistas, as equipas. Se bem que continuo a achar que os portugueses gostam de ver os portugueses. Mas acho que em termos de valorização dos media, e até do produto Volta a Portugal, é preciso fazer alguma coisa", alertou o diretor desportivo da Gi Group-Simoldes-UDO.
Com tantos anos de Volta a Portugal que nem consegue contar, nos papéis de ciclista, condutor do carro-médico ou de convidados, mecânico e agora responsável da equipa de Oliveira de Azeméis, Correia aponta também a "um trabalho não tão bem feito de quem organiza".
"Acho que temos de apontar que tem de se fazer alguma coisa diferente, principalmente à federação e à organização. Acho que são eles os impulsionadores da Volta a Portugal. Um porque tem a patente da Volta e o outro porque organiza. Acho que devem se juntar os dois, até porque é um ano de renovação e pensar o que é que se pode fazer melhor", defende Hernâni Brôco.
Embora reconheça que "faz falta uma grande referência nacional" e que a qualidade do pelotão não é a de outros anos, o diretor desportivo da Credibom-LA Alumínios-MarcosCar nota que, nesta edição, as equipas estrangeiras presentes até estão a dar "bastante luta".
"Por isso, acho que não é pela falta do espetáculo que os ciclistas têm dado", pontuou.
Assim, Brôco insiste que a única solução será que o organizador da Volta e a federação presidida por Cândido Barbosa se unam e pensem em "reformular o ciclismo nacional".