O dia 1 de julho é de festa para o Sporting, que celebra o seu 119.º aniversário esta terça-feira, pelo que o Desporto ao Minuto decidiu divulgar mais uma parte da entrevista exclusiva com Bruno de Carvalho, antigo presidente dos leões, que aceitou ser o convidado da 1.ª edição da rubrica mensal 'Eu "show" de bola'.
Apesar de ter sido derrotado nas eleições presidenciais de 2011 (vencidas por Godinho Lopes), Bruno de Carvalho não deitou a toalha ao chão e não só se recandidatou em 2013, como cumpriu o sonho de se tornar presidente do clube do qual se tornou sócio desde que nasceu.
Destemido e carismático, o atual DJ e produtor musical enalteceu a importância pelas revoluções internas que provocou em Alvalade, evitando que o clube leonino caísse na falência, para além do crescimento nos resultados desportivos, não só no futebol, como nas modalidades.
Orgulhoso pelo contributo na construção do Pavilhão João Rocha, Bruno de Carvalho deparou-se com diversos momentos de tensão - sempre em defesa dos interesses do Sporting, como o próprio reiterou -, mas o mais mediático de todos foi o ataque à academia de Alcochete, em maio de 2018. Tal polémica ditou a destituição de presidente e só depois a expulsão de sócio, sendo que o ex-líder leonino nunca se conformou com nenhuma das decisões, pedindo mesmo que "a justiça seja reposta".
Em cinco anos de presidência, muita coisa aconteceu ao antecessor de Frederico Varandas, atual presidente do Sporting, a quem Bruno de Carvalho desejou sucesso, mas sem deixar nada por dizer, com uma 'onda' de revelações.
Fico feliz que haja esse reconhecimento para aquilo que o Sporting é hoje e que era o caminho que estávamos a levar
Qual é a sensação de, após ter saído do Sporting ao fim de tantos anos, ainda continuar a ser idolatrado por muitos adeptos?
Eu fico contente que as pessoas reconheçam que foi feito um trabalho importante. Não se trata de medir situações, mas sim de perceber a realidade que vivíamos, em que o Sporting estava numa situação caótica, a todos os níveis. Em Portugal, as pessoas olhavam para nós como o clube grande que não ganhava. Passávamos ao lado de tudo o que era a vontade de centralizar ou não direitos desportivos, de alterações de regras no futebol, de reuniões da Liga e da Federação, de parcerias no mundo do futebol. Toda a gente falava que era muito importante o Sporting voltar a renascer, mas tudo nos passava ao lado.
Uma coisa que me deixou verdadeiramente chocado foi quando eu fui ao Mónaco, no sorteio da Liga dos Campeões, logo após o meu primeiro ano de campeonato completo [na presidência], em que percebi que ninguém nos conhecia. Foi um choque de realidade terrível. As pessoas olhavam para nós e diziam: 'Pois, não devem vir cá há muito tempo'. Reconheciam mais depressa o símbolo do Maribor - por muito respeito que tenho - do que o do Sporting. Percebi realmente a dificuldade com que o Sporting estava dentro e fora de portas. Para além de estarmos numa realidade de salários com três meses de atraso, o que dava justa causa para os jogadores poderem rescindir, não tínhamos dinheiro para pagar nenhuma fatura.
As pessoas reconhecem um trabalho muito difícil que foi feito. Foram 24 sobre 24, sobre 24 horas. Eu era capaz de acordar às 4 da manhã e começava a ligar às pessoas com uma série de coisas que me vinham à minha cabeça. Havia tanto problema, tanto assunto e tanta negociação para resolver. Alguns tinham 20 anos de atraso. Só para não ficar no ar, havia assuntos com a Câmara e com a Galp, outro assunto que envolvia cinco milhões de euros, também com 20 anos. Tenho de agradecer a essas pessoas que reconhecem esse trabalho. Fico feliz que haja esse reconhecimento para aquilo que o Sporting é hoje e que era o caminho que estávamos a levar.
Chegámos a um clube falido e saímos lá com todas as infraestruturas. Diziam que eu era populista, mas afinal tinha razão e voltámos a ter a hegemonia do futebol portuguêsFace àquela que foi a sua transição entre Godinho Lopes e Frederico Varandas, na presidência do Sporting, qual o peso que o trabalho da sua direção tem para aquele que é o sucesso atual do Sporting?
Vou tentar ter um palavreado não populista, até porque as pessoas chamavam-me populista. Eu farto-me de rir com essas pessoas, que ainda são comentadores de televisão. Eu sempre fui a antítese do populista. Os populistas dizem aquilo que as pessoas querem ouvir. Eu sempre disse o que as pessoas não queriam ouvir. Vou utilizar uma linguagem popular, que é muito diferente do populista. Quem não tem dinheiro, vira a mesa. Quem tem dinheiro é fácil, paga. Quando eu cheguei ao Sporting, eu tinha de virar a mesa. Tinha de utilizar aquilo que era o meu carisma também. Só na primeira época foram quase 200 e tal milhões [de euros] em vendas. Quando cheguei, o único jogador do plantel que tinha valor era o Rui Patrício, com 10 milhões. Nunca chegou uma proposta formal ao clube. Se pegarmos em 515 milhões num contrato, mais quase 300 milhões em vendas, só aí estávamos a valar de 800 milhões. Se eu tivesse chegado ao Sporting com esse valor à minha disposição, tinha apontado para outros voos. Não tive isso, mas ainda tive a capacidade de formar esses plantéis.
Cheguei ao Sporting quando estávamos em 12.º ou em 13.º lugar, numa das piores épocas de sempre, e logo no ano a seguir ficámos em segundo e fomos à Liga dos Campeões. Faço um pavilhão [João Rocha], reduzo a dívida de 500 milhões para 200, tivemos sempre saldo positivo no clube e na SAD. É um papel absolutamente fulcral para aquilo que é o Sporting, até porque eu sempre disse que o Benfica e o FC Porto iriam atingir naturalmente aquilo que aconteceu, com problemas graves de gestão e financeiros. Disse isso várias vezes. Encaminhei o Sporting para um sentido de o estabelecer enquanto potência financeira e desportiva. Enquanto economista e gestor, acabou por acontecer o que a minha intuição previa. Foram investidos muitos milhões na academia. Parece que as pessoas se esquecem, mas nem as luzes acertavam nos campos. Chegava uma certa altura do dia em que as equipas de formação tinham de treinar só num terço dos campos. Foi essa a maravilha da construção da academia. Nós mudámos os relevados, construímos outros, alterámos toda a instalação elétrica e fizemos obras nos balneários.
Diferenciado dos demais, Bruno de Carvalho chegou a surpreender tudo e todos ao assistir, a partir do setor visitante, a um dérbi do Sporting frente ao Benfica, no Estádio da Luz.© Getty Images
Houve obras importantíssimas de manutenção do estádio, que nunca tinham sido feitas. Não estamos a falar só de cadeiras. Investimos milhões na estrutura do estádio. Fizemos uma cidade desportiva à volta do estádio, que depois eu vi a ser reinaugurada uma vez segunda vez. É engraçado... A única coisa que mudou foram os nomes, mas tudo aquilo estava feito. Quero que esta direção, ou outra qualquer no Sporting, tenha sempre sucesso, seja campeã e ganhe em todas as modalidades, todos os títulos que haja para disputar, todos os anos. Agora, não quero que refaçam a história porque é injusto. O único bem que o Sporting tem, dos seus associados, é o pavilhão. Foi comigo que foi construído. Ainda estamos a pagar a academia e o estádio aos bancos e iremos pagar durante décadas. O pavilhão é 100% dos associados do Sporting. Não foi só pela 'Missão Pavilhão'. Isso foi um milhão e o pavilhão custou cerca de 7/8. Foi por uma gestão em que chegámos a um clube falido e de lá saímos com todas estas infraestruturas. Diziam que eu era populista, mas afinal tinha razão e voltámos a ter a hegemonia do futebol português. Assim a estamos a ter.
Havia um pré-acordo com os bancos para acabar com tudo, menos o futebol. As contas eram simples. Não era para desinvestir, era para acabar [com as modalidades]Houve então uma espécie de presença indireta do Bruno de Carvalho nestes três campeonatos conquistados pelo Sporting em cinco anos?
Podem chamar-me arrogante ou não. Começo a estar um bocadinho farto das falsas hipocrisias das pessoas. Para aquilo que eu sou hoje, os meus pais tiveram influência ou não? Eu posso ser um verdadeiro imbecil e dizer que a educação dos meus pais não teve importância nenhuma. Por acaso só estive em casa deles até aos 21, mas agora há pessoas que estão até aos 40. Vamos imaginar que tinha estado também e agora dizia que não [houve influência]. Sou daqueles que olha para as coisas e gosta de perceber a influência que as pessoas têm, positiva ou negativa. Quando eu cheguei, o Sporting vinha de uma época em que teve um prejuízo de 100 milhões. Desde que a SAD existe, creio que o Sporting só tinha tido saldo positivo uma vez, creio que com o [Filipe] Soares Franco. De resto, atingimos a módica quantia de 500 milhões de dívida. O clube tinha um défice anual médio de quatro milhões. Para os bancos, era simples. As modalidades custavam quatro milhões, o défice normal também. Como quatro menos quatro dá zero, acabava-se com as modalidades. Esta era a realidade que estava em cima da mesa quando cheguei ao Sporting. Havia um pré-acordo com os bancos para acabar com tudo, menos o futebol. As contas eram simples. Não era para desinvestir, era para acabar. Tanto que ficou acordado que os bancos não davam um tostão para a construção do pavilhão. Tive de arranjar o dinheiro todo.
Temos ainda o exemplo da formação. Agora é muito bom vermos o Nuno Mendes, que estava lá na minha altura, bem como o Quaresma. As pessoas esquecem-se de uma coisa. Eu chego ao Sporting e não se pagava um tostão aos observadores há dois anos. Paguei. Dizem: 'Ah, mas foi para isso que foi eleito'. Não, as pessoas estão enganadas. Não foi para isso que eu fui eleito. Eu fiz isso porque amo o Sporting. Ninguém é eleito para trabalhar 24 sobre 24 horas. Não venham com coisas. Pela SAD eu recebia 60 mil euros limpos por ano. Isto não existe no futebol. Não custa nada às pessoas reconhecer este trabalho hercúleo. Ninguém queria saber do Sporting. O clube, de repente, tornou-se muito apetecível. Naquela altura, lembro-me de entrevistas de pessoas como Dias da Cunha, em que diziam: 'Este louco ainda não percebeu que o Sporting vai fechar as portas e falir'.
Estas pessoas que nos fizeram chegar até ali andavam a negociar nas costas dos sportinguistas a insolvência e uma série de planos de recuperação com os bancos. O Sporting iria passar uma vergonha monumental. As pessoas têm memória curta, mas nós conseguimos responder à época dos 100 milhões negativos com 52 positivos no ano a seguir, com o segundo lugar. Conseguimos chegar à FIFA sem ter nenhum castigo. Houve trabalho desde o primeiro dia. É algo que deve orgulhar o Sporting. Tornou-se um caso de estudo dentro da própria UEFA, em termos daquilo que é os cumprimentos do fairplay. Se formos fazer as contas, ainda não cumpre. Mas o que fazer com um clube que dá uma amostra de transição de 180 graus? Isto alterou o raciocínio deles. Não podia ser uma mera conta matemática, em que a coisa não iria funcionar bem a favor do Sporting. Eles tiveram de olhar e perceber como se tinha transformado o próprio clube. Quando eu saio, não por vontade própria, mas expulso, deixo 515 milhões num contrato e 300 milhões só das primeiras vendas em jogadores. Se isto é uma situação caótica, então devo ter perdido algumas lições na faculdade e no mestrado sobre gestão do cálculo.
Alcochete? Fiquei sentido e magoado quando sempre fiz tudo para dar a cara e dar o peito em defesa de tudo e de todosFocando-nos agora nessa saída polémica. De que forma é que as acusações que ouviu em torno do polémico ataque à Academia de Alcochete o transformaram naquilo que Bruno de Carvalho é hoje?
Se estamos a falar da minha parte pessoal, com a depressão, mudou muito. Eu tenho uma força descomunal, mas sou daquelas pessoas que quando comete uma injustiça, não consegue dormir. Tenho de pedir desculpa… Nem compreendo pessoas que não lhes acontece o mesmo. Cometo uma injustiça e, mesmo que tenha sido uma coisa muito pequenina, não consigo descansar até falar com a pessoa ou até pedir desculpa à pessoa. Há algo dentro da minha cabeça que não me deixa descansar. De facto, nunca me tinham chamado criminoso. Aquilo não foi fácil... Internamente, não foi fácil. Ainda pior, quando eu estava a passar por uma situação gravíssima familiar. Fiquei triste pelos jogadores. Eles sabiam o que estava a acontecer, tinha o perigo de perder uma filha. As pessoas dos órgãos sociais também [sabiam]. Fizeram as coisas propositadamente. Se eu sei que a pessoa tem um problema desta dimensão... Não era um problema comum ou uma unha do dedo encravada. Podia morrer uma filha… Já achei isso de um mau gosto total. Não se faz isto.
Há momentos em que não se ataca. Por muito que queiramos, há momentos em que, se nós tivermos o mínimo de empatia, enquanto seres humanos, os nossos valores morais não nos permitem sequer. E a eles permitiram. Quando fui para saber se a minha filha nascia ou não, entrei no táxi com a minha mulher da altura e estava a dar um programa na rádio. O Jaime Marta Soares estava a pedir a minha demissão, mesmo sabendo eles que eu estava a ir para o hospital. O taxista ficou de todas as cores. Isto é do mais baixo que eu alguma vez senti na minha pele. Não digo que é do mais baixo no mundo porque vemos coisas tão más, que há muito pior. Ia saber se a minha filha nascia ou morria e estavam a pedir a minha demissão, com jogadores a fazer comunicados… É de ficar de boca aberta. Fiquei sentido e magoado quando sempre fiz tudo para dar a cara e dar o peito em defesa de tudo e de todos. Independentemente de um post aqui e de um post ali, de ter sido mais ou de ter sido menos incisivo, sempre defendi as pessoas nos momentos que tive necessidade de defender.
Lembro-me perfeitamente de um jogo em Portimão que não nos correu bem, onde tive uma faca encostada à minha barriga. As pessoas queriam chegar aos jogadores e eu impedi. Eu disse: 'Não, não chegam'. Havia ali televisões ao lado. Sempre os defendi. Temos ainda os adeptos anónimos…. Dou 24 horas por dia da minha vida [ao Sporting] e acham que eu podia ser um criminoso? A pessoa que reergueu o clube, fez das tripas coração, transformou nada em dinheiro e voltou a tornar o Sporting a ser um clube respeitado, de repente tornava-se um criminoso. Eu, Bruno, que não deixei que o Sporting ficasse nas mãos dos bancos e dos patrocinadores, ia deixar ficar nas mãos das claques? Isto não lembra a ninguém. Percebi que havia pessoas más. Olhei para sócios e adeptos do Sporting e percebi que podia dar a vida por uma causa, mas que quando lhes apetecesse, metem-me num buraco e tapam-te com uma rapidez e uma frieza, explicando simplesmente 'Epá, é doído'.
Bruno de Carvalho despediu-se com dezenas de títulos nas modalidades, destacando-se uma Taça de Portugal e uma Supertaça no futebol masculino sénior.© Getty Images
Aquela percentagem de sócios que o destituiu em 2018 - sendo que uma parte até o terá elegido em 2013 - traduz-se em ingratidão para si?
Primeiro, não acredito muito naquela Assembleia Geral. Lá vem outra vez o Bruno com as questões das cabalas, mas, independentemente das cabalas serem questões sempre relacionadas com pessoas mal resolvidas, a verdade é que os assuntos são sempre mal resolvidos. Eu e Assembleia Gerais temos aqui um relacionamento estranho. Há uma Assembleia Geral em 2011, onde apareceram 400 pessoas, que até ao dia de hoje nunca ninguém soube quem eram. Nunca mostraram lista nenhuma e só descansaram quando queimaram todos os boletins de voto passados uns anos. Aliás, tem muita lógica ter sido mandado queimar especificamente isso com as dúvidas que havia… Depois houve essa AG específica. Nem me deixaram defender.
Quando temos um presidente da AG, Rogério Alves, que chegou a bastonário da Ordem dos Advogados e, logo por aí, não se pode esperar muito da justiça portuguesa. Acha muito bem que em Assembleias Gerias as pessoas acusadas não se vão defender, não me parece que esteja a prestar um grande serviço a uma democracia. Talvez em alguns países de leste isso possa acontecer, com pessoas a serem condenadas antes de serem ouvidas. Houve sacos a sair pelas portas do fundo com votações. Houve uma pressa em não sermos nós a fazer a AG. Eu disse que ia fazer uma AG de destituição. O resultado daria o que desse e eu acataria sem problema absolutamente nenhum. Aquilo foi tudo muito estranho. Não quero dizer mais palavras indelicadas para com os sportinguistas.
Só relembro que há um discurso meu numa AG, creio que no segundo ano do mandato, em que eu disse que já se passou meio mandato, em que tinha de escolher ou os interesses, ou a vocês. Disse-lhes que os escolhi e que no dia que me virassem as costas, eles matavam-me. Isto no futebol não é preciso ser-se muito inteligente. Basta estar acordado. Não me considero a sumidade das sumidades, mas é fácil de perceber que, para o Sporting chegar onde chegou, precisaria sempre de muito apoio do associado anónimo. Fui muito contra o associado privilegiado. Quis regressar ao Sporting popular e que o Sporting se tornasse um clube do povo, de massas. Quando o povo achou que a falácia dos privilegiados era a correta, aconteceu o que aconteceu. Nunca tinha visto em Portugal alguém ser condenado sem falar. Tive de ver e ser eu próprio. É a vida…
O que as pessoas fizeram, em sentido figurado, foi dar-me um tiro na cabeça. Os associados do Sporting têm de meter a mão na consciênciaDentro dessa injustiça que sentiu, ainda tem esperança de poder voltar a ser sócio do Sporting?
Isso tem de partir das pessoas que permitiram essa situação. Houve uma altura em que eu fiquei muito indignado. Nós temos de perceber os processos mentais de cada um de nós, não é? Nós ficamos zangados. Quando as pessoas dizem :'Ah, vocês chamam-nos burros'... Bem, só chamar burro já foi uma sorte descomunal. O que as pessoas fizeram, em sentido figurado, foi dar-me um tiro na cabeça. Mentalmente, só ter dito isso [o termo "burros"] foi uma sorte, depois do que ouvi e de tudo o que me fizeram. Passamos por momentos de raiva, frustração, tristeza profunda e de abandono. Não foi fácil. Nunca tive um bando preparado para repor as forças do poder. O meu poder estava nas pessoas e no meu relacionamento com as pessoas.
Digo aos meus pais que a culpa foi deles. Quando me fizeram, enquanto faziam o amor, em vez de estarem a ver o 'Quo Vadis' e os '10 mandamentos', deviam estar a ver o 'Scarface' ou ' O Padrinho', mas cheio de regras morais. Eu não tinha nada disso preparado, que é o normal. Esta malta do futebol já tem tudo preparado, até para uma segunda vaga. Só tinha arregaçado as mangas para trabalhar. Têm de ser os associados do Sporting a meter a mão na consciência. Vamos imaginar que havia um Presidente da República qualquer e eu não gostava dele... Tirá-lo de presidente, como impeachment [destituição], ainda percebo. Agora tirá-lo de cidadão português… Tirarem-me de sócio do Sporting? [risos]. Eu que sou sócio desde o dia que nasci… Para o comum dos mortais, se calhar isto não é nada.
Aquele grupo designado por Comissão de Gestão era a comissão de fuzilamento. Fizeram de propósito. Sabiam perfeitamente que, para alguém que ama um clube, obrigar a não ser sócio é um fuzilamento. Se eu tenho esperança? Não tenho, nem deixo de ter. No dia em que acharem que devem repor a história e a justiça, que me reponham, mas como se isto não tivesse acontecido. Não é a partir de 2025, 2026 ou 2027. Nasci em 8 de fevereiro de 1972. Que me reponham com os mesmos direitos e regalias que sempre tive! Foi um dos atos mais injustos e mais pequeninos da história do Sporting.
Voltar a ser presidente do Sporting? É melhor responder que não...Caso isso se concretize, imagina-se a lutar novamente pelo cargo de presidente do Sporting?
É melhor eu responder que não, senão isso nunca vai acontecer… Esse é o medo deles e isso é que é injusto. Ao contrário do que muita gente julga, eu não sou extremista de nada, só pelo que já passei na vida. Não sou, mas não me consigo admirar com algumas coisas que estão a acontecer na sociedade. Já começa a ser uma prática demasiado recorrente, nós, como sociedade, utilizarmos estratagemas foleiros para que as pessoas não consigam concorrer seja para aquilo que for. Não pode acontecer, por via de um punhado de pessoas que se acham diferenciadas, que a pessoa A, B, C ou D não pode concorrer a um clube ou a outras eleições. Têm de ser as pessoas, nas urnas, a definir o caminho que querem para o seu país, o clube ou a Câmara. O contrário não beneficia os não-radicalistas ou os não-extremistas. Isso beneficia o discurso daqueles que se acham os coitadinhos.
O Sporting chegou ao cúmulo de ter o Rogério Alves a dizer: "Sim, houve coisas dos estatutos que não cumprimos". Há coisas que não aceito e não cumpro. Pronto, aí está. Estamos a falar de alguém que foi bastonário da Ordem dos Advogados. Atenção, em nada estou a minimizar o que aconteceu em Alcochete. O próprio Ministério Público que me acusou pediu a minha absolvição Aquilo foi tão, mas tão evidente, que o próprio acusador pediu a minha absolvição. Se muita gente me queria fora do Sporting por causa de Alcochete, devia ter a consciência pesada. Tudo bem, acontece, todos erramos. Agora fora de sócio do Sporting…
Não tenho dúvida nenhuma que fui muito bom no trabalho que fiz e o futuro a Deus pertence. Tem de passar por uma vontade muito grande das pessoas a da reposição da justiça. Se algum dia me apetecesse recandidatar, as pessoas até podiam dizer que eu já tinha tido o meu tempo e que não queriam, mas acho que era elementar repor essa justiça. Por tudo aquilo que usufruem atualmente, pelo pavilhão, pela cidade desportiva, pela Sporting TV, por ainda haver modalidades, por ainda haver clube. Tanta coisa… Eu fico absolutamente louco quando este assunto do sócio não está mais do que resolvido, quando já passaram sete anos.
Entre aplausos e críticas, Bruno de Carvalho marcou um legado no Sporting, precisamente antes da atual senda vitoriosa da direção encabeçada por Frederico Varandas.© Getty Images
Leia AQUI a primeira parte da entrevista exclusiva de Bruno de Carvalho ao Desporto ao Minuto.
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