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"Gostava de voltar a trabalhar em Portugal. É um país extraordinário"

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Julio Velázquez aborda as passagens por Vitória FC e Belenenses SAD, recorda alguns dos 'miúdos' que ajudou a lançar no futebol profissional e explica o que procura na hora de dar o próximo passo na carreira.

"Gostava de voltar a trabalhar em Portugal. É um país extraordinário"

A nova temporada do campeonato nacional arranca já esta sexta-feira, mas sem uma das figuras mais marcantes da passada edição: Julio Velázquez, treinador que ajudou o Vitória FC a assegurar a manutenção matemática, antes do 'descalabro' administrativo que resultou na despromoção ao Campeonato Portugal.

O técnico natural de Salamanca encontra-se, neste momento, livre de contrato, mas, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, assegura que se trata de uma opção própria, uma vez que já recebeu diversos convites, entre eles de Portugal.

O espanhol de 38 anos faz balanços claramente positivos dos trabalhos levados a cabo, quer no Bonfim (na temporada 2019/20), quer no Belenenses SAD (nas épocas 2015/16 e 2016/17) e deixa a porta aberta ao regresso à I Liga.

Uma entrevista na qual aborda, ainda, a propensão a apostar nos jovens talentos, algo que ficou à vista, não só em Portugal, como também em Espanha, onde lançou diversos craques, como foi o caso de Dani Ceballos, jogador que está cedido pelo Real Madrid ao Arsenal.

Tive algumas propostas de Espanha, de Portugal e de outros países, mas as achei que as opções não eram as adequadas

Os campeonatos estão a começar, mas não está a trabalhar. Foi uma opção sua?

Tive algumas propostas de Espanha, de Portugal e de outros países, mas as achei que as opções que tinha não eram as adequadas para construir um projeto. Por isso, decidi que era melhor esperar pelo projeto adequado para começar a trabalhar. Tenho uma grande vontade, mas quero tomar a melhor decisão, e, neste momento, aguardo o projeto ideal para começar a trabalhar o mais cedo possível. 

O que é, para si, um projeto adequado nesta altura?

Estou à espera de um projeto do qual goste e, mais importante, demonstre a vontade de fazer as coisas bem feitas no dia-a-dia. Tenho vontade de começar a trabalhar, mas é importante não me precipitar. Estamos a analisar tudo, com o desejo de começar o mais cedo possível, mas com a escolha adequada. Portugal pode ser uma possibilidade, porque gosto muito do país e do campeonato. Veremos se surge alguma opção.

Há algum patamar específico ao qual gostaria de chegar no campeonato português ao nível de objetivos?

Gostaria de voltar a trabalhar em Portugal. É um país extraordinário com um campeonato de grande potencial, mas não me fixo num ou noutro objetivo. O importante é apanhar uma equipa com pessoas trabalhadoras e um clube organizado. A partir daí, pensaremos se lutamos por um título, pela Europa ou pela manutenção.

Sente-se um treinador reconhecido por cá?

Não sei se sou reconhecido… O que posso dizer é que noto um grande respeito da parte do futebol português para comigo. É um motivo de orgulho e fico tremendamente agradecido a todas as pessoas do futebol português. Quando estou em Portugal, sinto-me mais um português, e isso é extraordinário.

O que tem feito durante este período em que aguarda por um novo projeto?

Tenho visto muito futebol, através da televisão e do computador, e analisado os campeonatos que já começaram. Vejo, mais ou menos, três jogos por dia, mas também aproveito para ler e para me continuar a desenvolver a todos os níveis, de processo de treino, de liderança… Claro que também aproveito para estar um pouco com a família, porque, com o período de isolamento, estivemos muito tempo afastados.

Esta é uma situação de maior ansiedade para si?

Não, não. Estou tranquilo e procuro aproveitar o tempo para evoluir, para analisar situações de jogo, de treino… Nestas fases, é muito importante continuar calmo e equilibrado, porque, se assim for, tomas as melhores decisões. Se ficas nervoso ou ansioso, não é bom.

Agora que tem visto mais futebol, há algum modelo de jogo que o tenha inspirado mais?

Durante a fase final da Liga dos Campeões, gostei da Atalanta, do Bayern Munique… Mas ainda é muito cedo para dizer se se gosta ou não de uma equipa. Quero muito ver o recomeço do campeonato português, que acredito que vai continuar a evoluir em todos os sentidos.

Sempre teve um estilo de jogo vincado, gosta que as suas equipas ataquem. Isto apesar de, em Portugal, ter treinado equipas que até atravessavam momentos mais complicados.

As experiências que tive correram bem, e isso provou que, com um futebol positivo, a querer jogar sempre para ganhar, é-se recompensado. Gosto desse tipo de jogo, de tentar jogar mais no campo adversário do que no meu, e, seja em casa ou fora, lutar para ganhar. É a minha filosofia, a minha mentalidade. Acredito que é importante que, deste o primeiro dia, os jogadores assimilem este modelo de jogo. Claro que é mais fácil aplicar esta proposta numa equipa grande, mas também se pode fazê-lo em equipas com orçamentos muito mais baixos. Demonstrámos isso mesmo no Belenenses SAD e no Vitória FC. É a filosofia de que gosto, e acho que os jogadores também se sentem confortáveis a jogar um futebol positivo.

Mas a verdade é que, em Portugal, continua a haver muito anti-jogo…

Não, não… Gosto muito de Portugal, do futebol português, e acho que se estão a fazer muitas coisas para o valorizar. O futebol português está num processo de evolução, como se tem visto, por exemplo, no Benfica, que está a realizar um investimento muito forte esta época. Há outras equipas que também o estão a fazer, depois de um período tão difícil como o da pandemia, como o Boavista. Tudo isso vai ajudar a valorizar ainda mais o campeonato português. Gosto muito de Portugal, mas temos que falar muito mais do positivo e não tantos nas situações negativas. As situações de anti-jogo veem-se em todo os campeonatos mas o campeonato português tem muitas coisas positivas e temos de falar mais delas do que de situações pontuais. 

Tendo em conta que também já trabalhou em Espanha e Itália, concorda que, em Portugal, se fala demasiado da arbitragem?

Sinceramente, é a mesma coisa. Entre todos, temos que tentar falar um bocadinho menos das arbitragens, mas isso acontece em todos os países. A tendência é de não falar tanto quando as coisas correm bem, e falar mais quando correm mal [risos]. Há que perceber que os árbitros fazem o melhor que conseguem. Temos que ser muito respeitosos, porque é um papel muito complicado. Temos que ter empatia e tentar ajudá-los a ter as melhores condições para fazer o seu trabalho. Fala-se muito das arbitragens em todos os países do mundo. É normal, desde que seja com respeito. Temos que os ajudar, porque, quanto melhor condições tiverem para trabalhar, melhor será para todos. 

E sente que temos bons árbitros em Portugal?

Sim, sem dúvida. Têm um bom nível. Claro que o campeonato pode evoluir, tanto nos treinadores, como nos jogadores e nos árbitros. Temos, entre todos, de tentar facilitar para que a arbitragem possa evoluir, assim como todos os demais.

Notícias ao MinutoJulio Velázquez ao serviço do Vitória FC© Global Imagens

Era o momento certo para sair do Vitória FC porque não concordámos com a maneira de gerir o clube 

Que balanço faz da passagem pelo Vitória FC?

O balanço, a nível desportivo, é muito positivo. Apanhámos uma equipa numa situação muito, muito difícil, e, até ao isolamento, correu tudo de forma excecional. Conseguimos remediar a situação com os mesmos jogadores, a nível de hábitos, de dinâmicas de jogo e de resultados, apesar das várias dificuldades. Por exemplo, quase não pudemos trabalhar no mercado de janeiro devido às eleições. Ainda assim, a equipa continuou a trabalhar muito bem, com uma dinâmica muito positiva.

É preciso lembrar que apanhámos uma equipa que, desde muito cedo, caiu perto dos lugares de despromoção, mas, até ao isolamento, conquistámos 12 pontos à zona de descida. Depois, decidimos sair. Como disse noutras ocasiões, tivemos uma proposta para renovar, mas decidimos que não íamos continuar, que era o momento certo para sair porque não concordámos com a maneira de gerir o clube. Saímos para que viesse outro treinador terminar a manutenção e começar a preparar a época seguinte. Fico com muita pena por terem despromovido o clube por questões extrafutebol, porque amo a cidade, os adeptos do Vitória FC e o clube. Espero que a situação fique resolvida para o bem o mais rapidamente possível, porque é uma instituição com muita história e só tenho palavras positivas para a cidade, para o clube e para os adeptos.

Como é que assistiu a todo este processo que culminou com a despromoção?

Acho que com a resposta que dei anteriormente fica tudo dito. Fico com muita pena, porque estamos a falar de um clube com uma grande história, amo a cidade e os adeptos. É um clube com lugar na I Liga. Depois de garantir a manutenção a nível desportivo, é uma pena que os tenham despromovido. Os adeptos não merecem, e não posso falar mais porque não tenho mais informações. 

Também não viveu uma experiência fácil no Belenenses, com a separação entre SAD e clube…

Foi a minha primeira experiência em Portugal e foi extraordinariamente positiva. Também apanhámos uma equipa em dificuldades, mas correu tudo extraordinariamente bem. Gosto muito do Belenenses, foi a primeira equipa a dar-me a oportunidade de treinar em Portugal. Só tenho palavras boas para eles. Mantenho uma boa relação e gosto muito deles. Estou-lhes muito agradecido por me terem permitido trabalhar num país tão bonito como Portugal. Graças a Deus, correu tudo bem. Ficará para sempre no meu coração e na minha cabeça.

Quando chegou a Portugal, sentiu que o olhavam com alguma desconfiança pelo facto de ser jovem e estrangeiro?

Fui muito, muito bem recebido. Sempre notei um grande respeito da parte de jogadores, treinadores, presidentes, dirigentes, adeptos e comunicação social. Só posso falar muito bem de Portugal como país no âmbito do futebol. Sempre tentei demonstrar que queria acrescentar algo, com muita humildade e trabalho. Daí ter tentado, desde cedo, falar português e adaptar-me à cultura portuguesa, que é uma cultura maravilhosa. Da minha parte, só notei respeito e agradecimento para comigo. Fico muito agradecido ao mundo do futebol português, mas também a Portugal como país.

Durante estas duas passagens por Portugal, destacou-se pela aposta nos mais jovens. É um desafio que o apaixona?

O futebol é um todo. Apaixona-me treinar e trabalhar. Por vezes, tens equipas com jogadores mais jovens, e por vezes tens equipas com jogadores menos jovens. Para um treinador, o importante é garantir rendimento, conseguir resultados positivos, praticar um bom futebol e, cada vez mais, valorizar jogadores para que os clube possa ter mais-valias. Procurei que estes jogadores mais jovens evoluíssem e tivessem uma carreira de sucesso, e, em muitos casos, assim aconteceu. Gosto muito de trabalhar com os jovens, e tenho muito boas recordações de vários jogadores que estão a fazer grandes carreiras.

Quais são os pontos mais importantes quando se trabalha com esses jovens talentos?

Não podemos esquecer a importância de conseguir bons resultados. Quando decides apostar num jovem, apostas porque há qualidade, capacidade e uma boa mentalidade. Tens que ter noção que estás a arriscar que cometa erros, porque é normal nessas idades. O que não podes fazer é mudar ao primeiro erro. Há que deixar que o jovem possa errar, mas também dar-lhe ferramentas para evoluir para que seja opção. Há que falar muito com ele, trabalhar mais aspetos individuais e desenvolver o coletivo.

A cabeça é fundamental ou o talento com os pés continua a ser o mais importante?

Para mim, o mais importante é o nível emocional. O jogador tem que ser forte e equilibrado, porque a exigência é muito grande. Mas não pode fazer tudo sozinho, tem que ser ajudado pelo treinador, pelos jogadores mais experientes e pelas pessoas do clube, porque, se um jogador que vem das camadas jovens joga e valoriza-se, dentro de dois ou três anos pode ser uma mais-valia muito importante para a equipa e para o clube.

Notícias ao MinutoDe volta ao Sporting, João Palhinha trabalhou sob as ordens de Julio Velázquez no Belenenses SAD© Global Imagens

João Palhinha é um rapaz maravilhoso e um jogador de equipa, que qualquer treinador quer ter sempre

Entre os jovens jogadores com quem trabalhou, destacam-se alguns, como o João Palhinha. Agora que está de volta ao Sporting, tem qualidade para se impor?

Tem qualidade para jogar em grandes equipas, e o Sporting é uma grande equipa onde pode jogar. O Palhinha é, acima de tudo, uma pessoa extraordinária, um jogador que quer sempre evoluir e tem uma grande vontade de trabalhar. É um rapaz maravilhoso e um jogador de equipa, que qualquer treinador quer ter sempre.

No Belenenses SAD também orientou o Domingos Duarte. Consegue perceber como é que não teve mais hipóteses em Portugal?

Fico muito feliz pelo sucesso que o Domingos está a ter. Quando chegámos ao Belenenses, tentámos contratá-lo no primeiro mercado, em janeiro. Não foi possível, tivemos que esperar pelo verão, e aí já pôde vir. Gostava muito dele, conhecia-o bem por já o ter visto nas camadas jovens de Portugal e do Sporting. Lutámos por ele e correu muito bem. Depois, decidiu ir para Espanha, e fico muito feliz, porque é um central que pode evoluir ainda mais. Tem tudo para ter uma carreira de extraordinário sucesso. Tal como o Palhinha, é uma pessoa maravilhosa, de equipa, com valores extraordinários. 

Treinou dois dos guarda-redes que mais prometiam no futebol português, o Joel Pereira e o André Moreira. Como explica que ainda não tenham conseguido vingar?

São duas grandes pessoas, com muita qualidade, mas não é fácil. Estamos a falar de uma posição onde é muito difícil ter continuidade. Ainda são muito novos e gostaria muito que tivessem uma carreira de sucesso, porque merecem. Têm muita qualidade para fazer coisas importantes no futebol. 

Já em Espanha, uma das suas apostas mais conhecidas foi Dani Ceballos, que, apesar de tudo o que tem feito, continua sem ter espaço no Real Madrid.

Para mim, é um dos melhores jogadores a nível mundial. Fico contentíssimo pela carreira que está a ter. Ele estava nos juvenis e decidimos lançá-lo a titular na equipa principal do Real Betis. Apostámos e ficámos felicíssimos por ter uma carreira de tanto sucesso. Está a fazer as coisas muito bem. Quanto ao Real Madrid… São questões do futebol, mas ele demonstra, em qualquer equipa que esteja, que é um jogador extraordinário. Pode, perfeitamente, ser importante no Real Madrid, porque tem qualidade e compromisso de trabalho para ser importante num contexto como esse.

Também trabalhou com Antonio Adán, ainda que um pouco mais velho. Acredita que vai conquistar a titularidade no Sporting?

É um grande guarda-redes a nível internacional. Jogou em equipas muito importantes, como Real Madrid, Real Betis ou Atlético de Madrid. É um jogador muito experiente, com muita liderança, de equipa. É uma grande pessoa, um grande trabalhador e tem qualidade para ser titular em qualquer equipa. 

Em Portugal vê algum jogador jovem que o entusiasme mais?

Não é uma questão de falar a nível individual. Em Portugal, época atrás de época, continua a lançar-se jogadores jovens, não só nas equipas grandes, como também nas restantes. É um país que trabalha muito bem a nível das academias e de futebol de formação, é um exemplo a nível mundial. Os jogadores são lançados e acabam por permitir grandes transferências, e isso diz muito da forma como se trabalha em Portugal.

É uma aposta derivada do talento dos jogadores ou forçada, muitas vezes, pela falta de dinheiro?

São as duas situações. Quando se faz um investimento nas academias, é porque se acredita que é o melhor. Se se trabalha bem os jogadores, os lança na equipa principal e têm um bom percurso, é bom para a equipa, para o jogador e para o clube, ao nível das transferências. Agora ainda mais, que se vive uma situação difícil devido à pandemia. Portugal, por tradição, tenta sempre olhar para as camadas jovens para reforçar as equipas principais, e consegue jogadores com muito talento, que permitem transferências incríveis.

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