O sonho comanda a vida. Uma frase do poeta António Gedeão, que assenta que nem uma luva em Francisco Maria Pereira, mais conhecido como Kiko Maria. O jovem piloto de motociclismo tem apenas 15 anos e prepara-se para correr no Mundial de Moto3 Junior com o objetivo de, claro, daqui a alguns anos poder estar presente naquilo que é a nata do motociclismo: o MotoGP.
Kiko Maria começou nestas 'andanças' aos 12 anos, conseguiu um pódio na sua primeira corrida e o talento foi sobressaíndo corrida após corrida.
A Leopard Racing Team confiou no jovem prodígio português, que se encontra neste momento a recuperar de lesão. Uma lesão que não lhe retira a confiança de realizar uma boa temporada, num desdobramento incrível. É que, quando não está em pista, está... nas aulas.
Kiko Maria quer seguir engenharia mecânica e, apesar do sonho, como o próprio diz, é preciso ter os pés bem assentes no chão.
Começando pelo início, como surgiu esta tua paixão pelas motos?
Entre os cinco e os sete anos comecei a ver as corridas de MotoGP com o meu avô. Acabei por me apaixonar pelas motos no geral, acompanhei outros desportos motorizados, mas sempre mais ligado às motos. O meu avô tinha uma moto, na qual eu andava com ele a passear, até tenho uma foto na moto para aí com três anos. Depois era a emoção que os relatadores imprimam nas corridas de MotoGP… tudo isso fez com que despertasse este interesse. Aquilo que é o futebol para quase todas as crianças, eram as motos para mim. Foi o meu desporto de eleição, muito por culpa do meu avô, que me colocou o ‘bichinho’.
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Entraste no motociclismo aos 12 anos e logo na tua primeira corrida conseguiste um pódio. Na tua primeira época completa foste terceiro, depois segundo classificado, e no ano passado foste campeão nacional de velocidade de PréMoto 3. Esperavas todo este sucesso quando aos 11 anos recebeste a tua primeira moto?
Não, nem sabia que se podia começar em tão tenra idade. Em Portugal, a cultura de motociclismo é um bocado tímida. Ver uma criança andar de moto aos 12 anos pode ser mal visto pelos pais. Mas em Espanha, há crianças a começar com dois anos e com rodinhas de apoio. Nunca imaginei que desse para competir. Só depois da primeira corrida é que demonstrei, principalmente aos meus pais, que tinha algum talento. Foi em Espanha, fiz um pódio, e lá não é nada fácil. Foi tudo tão rápido… Agora vou competir no Campeonato do Mundo e estou ciente de que foi tudo muito rápido, também devido ao que os meus pais fizeram por mim. O meu treinador espanhol também me disse: ‘Tu tens alguma coisa diferente, porque em tão pouco tempo conseguiste sobressair’.
Estás ainda no 10.º ano e sei que queres seguir engenharia mecânica. É fácil conciliar os estudos com o número de provas que tens durante o ano, os treinos, a recuperação?
Não é fácil. Ando numa escola alemã e, como se sabe, os alemães são muito rigorosos. Tenho de estudar bastante, tudo em alemão. Acabo por perder muitos dias de aulas, o dia de viagem, os dias que estou em prova. Mesmo nos fins de semana, quando podia estar a estudar, estou a correr. Claro que prefiro estar a correr, mas o truque é prestar sempre atenção quando cá estou. Nas aulas foco-me sempre a 120%, para quando estou nas corridas ter tudo já mais memorizado. Os meus pais também acabam por me ajudar neste processo todo.
MotoGP? O Miguel Oliveira já mostrou que nós, portugueses, conseguimos lá chegar como qualquer umEm abril começas, talvez, um dos maiores desafios da tua carreira: O campeonato de Moto3 Junior. Quais são os teus objetivos para esta temporada?
Primeiro, no Campeonato Nacional quero voltar a ser campeão e baixar o meu registo recorde. No Campeonato do Mundo vou começar mais tarde, vou ter de conhecer a moto e será todo um mundo novo. No início não vai ser fácil, mas espero que se veja uma evolução. O meu objetivo é estar muito rápido, porque a nível de posições estes campeonatos são muito competitivos. Vou dar o meu melhor, isso é certo.
E como estás da lesão? Vais recuperar a tempo para o início da época?
Ainda é cedo para dizer como vou estar, mas não vou estar a 100%. Tenho recuperado muito rápido e estou positivo. Mas claro que não vou desperdiçar uma carreira por apressar as coisas. Se tiver de não correr em alguma corrida, não corro. Irei estar sem ritmo, mas a própria equipa já me disse que os testes que perdi compenso a meio da temporada. O importante na primeira corrida, se a fizer, vai ser conhecer a moto. Acredito que, depois desta lesão, não me vou colocar dentro de uma carapaça e ter medo. A queda que tive não me vai condicionar a nível mental.
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Estar na Leopard Racing dá-te motivos para acreditar que a entrada no Moto3 pode estar próxima?
Sim, a Leopard tem uma rota contínua até ao MotoGP, que começa na European Talent Cup, competição onde eu estive inserido no ano passado pela Leopard. Depois há o Moto3 Junior até ao Moto3. Acima de tudo, para mim, mais do que uma equipa, é uma família com quem me dou muito bem. Desde mecânicos, chefe de equipa, colegas de equipa. Estar na Leopard dá uma confiança extra porque sei que eles se focam muito naquilo que o piloto precisa.
Muitos adeptos atentos ao motociclismo já dizem que podes ser o próximo Miguel Oliveira. O que achas desta comparação? Sentes uma pressão acrescida?
Não sinto pressão. Claro que sendo da mesma nacionalidade que o Miguel, queremos ambos levar a bandeira portuguesa o mais alto possível. Eu quero traçar o meu caminho e ser o Kiko Maria. Claro que penso no MotoGP como um sonho, mas para já estou focado no campeonato de Moto3 Junior. É essa a minha realidade, passo a passo. Presumo que o caminho do Miguel tenha sido esse também. Dar um passo grande demais pode ser um passo em falso. O mais importante é não criar ilusões e ser realista. Já me disseram muito isso, sim. ‘Vais ser o próximo Miguel Oliveira’, ou então: ‘Não vais chegar ao patamar do Miguel Oliveira’. Tento focar-me naquilo que faço, no que os meus pais me dizem, e levar tudo com equilíbrio.
Mas o Miguel Oliveira é um dos teus ídolos?
Sim, é, tal como o [Valentino] Rossi, por aquilo que fez e continua a fazer. É uma lenda. Mas também o Miguel, por ser português e por demonstrar que nós, portugueses, conseguimos chegar lá como qualquer um. Não é por sermos mais pequeninos que não chegamos lá. Se calhar o trabalho tem que ser maior, mas ele mostrou que se consegue lá estar. Tudo é possível com muito trabalho.
E o Marc Márquez? Acabas por fazer parte de uma geração que praticamente o viu sempre vencer nos campeonatos de MotoGP.
É um piloto do qual eu gosto, mas não um ídolo. Ele é campeão e dou valor ao que ele já conquistou, mas não é nele que eu penso quando quero seguir um exemplo. Um ídolo é mais do que um vencedor. É alguém que nos inspira, nesse sentido inspira-me mais o Rossi.
Kiko Maria em ação pela Leopard Racing Team© IG Kiko Maria
Corres sempre com o número 4. Tem algum significado especial para ti?
Nasci no dia 4, do mês 4, de 2004. Acaba por explicar… Eu gostava de ser o 04, mas o 4 é aquele número que sempre me acompanhou. Até quando jogava futebol. Era central e, por acaso, não jogava nada bem. Eram só cartões e cartões (risos). Não tinha muito jeito, mesmo. Mas é um número especial e que gosto de levar sempre comigo. Já me perguntaram se usava o 4 por causa do Miguel [que chegou a usar o 44] ou por causa do Dovizioso, mas não. É mesmo pela minha data.
Precisamente, o número 04 no MotoGP pertence ao Andrea Dovizioso. Daqui a alguns vamos ver esse número com o nome de Kiko Maria à frente?
Claro que sim. Demore os anos que forem, espero lá estar e fazer aquilo que o Dovizioso tem feito ou ainda melhor. Não é? Com todo o trabalho que tenho feito, e com a ajuda da minha família, acredito que vou chegar lá.
