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"O VAR reduz os erros, mas não os elimina. Isso é uma utopia"

O Desporto ao Minuto esteve à conversa com Marco Ferreira, que nos fez um balanço sobre a implementação das tecnologias de auxílio à arbitragem no futebol desde a chegada do VAR à I Liga.

"O VAR reduz os erros, mas não os elimina. Isso é uma utopia"
Notícias ao Minuto

08:03 - 24/01/20 por Gonçalo Tristão Santos

Desporto Entrevista exclusiva

O VAR foi implementado no futebol português no início da temporada 2017/18. Desde então, muitos erros de arbitragem foram retificados por esta tecnologia, mas é complicado afirmar que as queixas em torno das arbitragens desapareceram. Pelo contrário, parecem ser cada vez mais os casos polémicos que motivam as reclamações dos clubes.

Ciente dos problemas que a implementação do vídeo-árbitro ainda tem de ultrapassar para recolher a aceitação do nosso futebol, o Desporto ao Minuto esteve à conversa com Marco Ferreira. O antigo árbitro da Associação de Futebol da Madeira fez um pequeno balanço relativamente a estas primeiras duas épocas e meia de VAR em Portugal e explicou-nos os motivos por trás da falta de unanimidade que a introdução da tecnologia tem recolhido no nosso país.

Fique com a entrevista completa:

Que balanço faz da utilização do VAR desde a sua implementação na I Liga? Acha que ajudou a melhorar o nosso futebol?

O balanço só pode ser positivo. Um erro grave retificado pelo VAR é sempre uma mais-valia para o futebol e para a arbitragem. A forma como foi implementado foi o maior problema, foi 'vendido' aos clubes e à Sociedade Desportiva como a solução para os erros de arbitragem. As expetativas eram demasiado altas para a real influência do VAR. Não esquecer que o VAR está sujeito ao erro e à interpretação humana, logo o erro irá sempre acontecer.

Em Portugal, temos das piores médias de tempo útil de jogo na Europa. Considera que o VAR veio acentuar esse problema? Se sim, como é que esta questão poderia ser solucionada?

O tempo útil de jogo é consequência da mentalidade dos jogadores e da sociedade em geral. Quando se aplaude as 'perdas de tempo' pensando só no resultado, é abdicar dos valores do desporto. É inadmissível quando o árbitro é assobiado pelo tempo que 'investe' numa tomada de decisão importante para o jogo. O tempo de análise vai reduzir à medida que os próprios árbitros se adaptem à nova ferramenta. É preciso não esquecer que Portugal foi um dos países pioneiros na implementação do VAR e introduziu-o sem a devida informação e formação aos árbitros e à própria Sociedade Desportiva.

Por que motivos vemos, muitas vezes, os lances demorarem demasiado tempo a serem avaliados pelo VAR? E o que pode ser feito para resolver este problema?

Como disse anteriormente, o VAR , apesar de não ter a decisão final do lance, é uma ferramenta que pode influenciar, positivamente ou negativamente, a decisão do árbitro. A demora é compatível com a preocupação de analisar todo o lance e dar a melhor informação ao árbitro. Com o tempo, acredito que o tempo investido para uma boa decisão irá reduzir.

Que principais vantagens e desvantagens trouxe a implementação de tecnologias de auxílio à arbitragem? Não só o VAR, mas também a tecnologia da linha de golo, por exemplo.

São duas ferramentas bem distintas. O VAR depende do fator humano e, consequentemente, está sujeito ao erro. A tecnologia da linha de golo não tem influência do fator humano, e 99,9% das decisões são corretas. As duas ferramentas são mais-valias para a arbitragem e contribuem para a redução dos erros no futebol onde as ferramentas estão disponíveis. Em Portugal, só temos o VAR, apesar de a tecnologia [de linha de golo] já ter sido testada, curiosamente por mim, uma semana antes da final da Taça da Liga.

Considera que o VAR beneficiou a verdade desportiva no futebol português? Ou o futebol passou a ser um 'jogo de milímetros' por culpa, sobretudo, das situações de fora de jogo, nas quais o posicionamento dos jogadores é analisado ao mais ínfimo detalhe?

A lei mais difícil de aplicar em campo é o fora de jogo. Humanamente, é impossível o assistente decidir todos os lances com a precisão exigida. O VAR, no caso dos fora de jogo, trabalha com medidas, ou seja, um centímetro coloca em jogo ou em fora de jogo, e temos que respeitar isso. A grande questão é que, sendo uma ferramenta que depende do fator humano para a colocação das linhas, fica sujeita ao erro. Existe uma margem de erro na medição que não foi ainda definida pelo IFAB [International Football Association Board, o órgão que regulamenta as regras do futebol a nível mundial]. A minha opinião era alterar por completo a lei. Em vez de analisar se está adiantado ou não, a lei devia concentrar-se em se o jogador tem alguma parte do corpo em jogo. Se analisar bem a maior parte dos lances, o jogador tem sempre uma parte do corpo em jogo e andamos a procurar o milímetro que possivelmente está adiantado.

A implementação do VAR beneficiou ou prejudicou o espetáculo dentro das quatro linhas?

O VAR não existe para proporcionar o espetáculo do futebol, isso compete aos clubes, aos jogadores, treinadores, etc. O VAR existe para ajudar o setor da arbitragem a reduzir os erros na sua quantidade mas, infelizmente, as pessoas tornaram-se demasiado exigentes nos poucos erros graves cometidos, mesmo existindo a ferramenta VAR. Repare, se num jogo existirem dois erros graves, sendo que um foi revertido e o outro não, as pessoas focam-se no erro e não na reversão. A mentalidade tem de mudar. Se, em dois erros, um for revertido, então a ferramenta cumpriu o seu objetivo, que sempre foi reduzir o erro e não eliminá-lo completamente. Isso é uma utopia.

Acredita que, com a chegada do VAR, os árbitros deixaram de ter tanta margem de erro e, ao mesmo tempo, menos responsabilidade nas decisões tomadas?

Os próprios árbitros tiveram que alterar a forma de encarar o jogo. Acredito que a pressão de não errar baixou no árbitro porque sabe que tem o VAR, que pode reverter a decisão. Ao contrário, o VAR assumiu um protagonismo de decisor, quando quem tem sempre a decisão final é o árbitro no terreno de jogo. A adaptação dos árbitros está a ser lenta devido a esse aspeto, uns não se habituam a ser retificados e alguns VAR não têm a coragem de reverter uma decisão de um colega mais categorizado, e preferem usar a 'interpretação' do lance para justificar o silêncio. 

Com o VAR, os lances deixam, em alguns casos, de ser julgados pela sua intensidade, uma vez que os árbitros analisam o lance em câmara lenta. Poderá isto levar a uma excessiva exploração dos lances por parte dos clubes? E será que os jogadores, agora, procuram mais o contacto, sabendo que o lance vai ser analisado pelo VAR?

As leis de jogo punem, principalmente, os contactos. A intensidade é mais utilizada para a punição disciplinar. As imagens em câmera lenta induzem muitas vezes em erro quem analisa o lance e normalmente punem quando existe um contacto, porque sentem-se protegidos pelas leis de jogo. Em Portugal, os jogadores provocam muitos contactos, atiram-se ao relvado, simulam infrações, etc. Tudo isso influencia negativamente a análise e posterior decisão. O VAR, para ser útil, tem de ser respeitado por todos os agentes desportivos. Só assim, em conjunto e com respeito mútuo, é que as pessoas vão entender que, para o VAR funcionar, todos têm de contribuir.

Seria benéfico em Portugal, e à semelhança do que acontece em Inglaterra, os lances que são analisados pelo VAR serem mostrados nos ecrãs gigantes do estádio, com uma pequena explicação sobre o que está a ser avaliado?

Desde que todos os estádios tenham condições para isso, seria, sem dúvida, uma mais-valia. A transparência passa por abrir a arbitragem à sociedade e isso contribuía para um melhor entendimento da utilização da ferramenta. Infelizmente, não seria justo para todos, visto que existem ainda estádios sem condições.

Em suma, que soluções sugere para que as implementações do VAR e de outras tecnologias semelhantes possam ser mais benéficas para o futebol?

A FPF [Federação Portuguesa de Futebol] deu o passo e implementou o VAR, cabe a todos os agentes desportivos trabalharem em conjunto para rentabilizar ao máximo a ferramenta. O VAR não existe só para a arbitragem, existe para o futebol, e os responsáveis dos clubes têm obrigação de fazer passar esta mensagem e deixarem de usar o VAR para justificar os insucessos, com críticas quando o erro não os beneficiou, porque, quando isso acontece, o silêncio é comum a todos. Mudar mentalidades, valorizar o espetáculo e não usarem os erros de arbitragem sempre com a desconfiança da seriedade dos árbitros.

O Marco já apitou dois dérbis lisboetas para a I Liga, entre Sporting e Benfica. O que se sente ao ajuizar um jogo destes, e quais as maiores dificuldades que se tem pela frente?

São sempre jogos especiais. O essencial é encarar o jogo sempre da mesma forma, não alterando as rotinas. Dentro de campo são 22 jogadores como em todos os jogos. A importância do jogo cabe aos clubes, porque os árbitros têm sempre que encarar todos os jogos da mesma forma, respeitando as equipas independentemente das cores ou classificações.

Por fim, gostaríamos que nos falasse sobre os lances decisivos, com auxílio do VAR, que mais marcaram os jogos dos candidatos ao título na primeira volta desta I Liga, assim como um balanço sobre a equipa que saiu mais beneficiada e a que saiu mais prejudicada com a implementação do VAR no nosso futebol.

O balanço terá que ser feito sempre no final. A experiência diz-me que, normalmente, no final tudo está equilibrado a nível de erros. Sou defensor da ideia de que quem chega em primeiro merece ser valorizado, não deveriam usar os erros normais de arbitragem para colocar em questão quem chegou na frente. São demasiadas jornadas para reduzir aos erros das arbitragens a atribuição do campeão.

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