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"O Real Madrid, nas mãos do Jorge Jesus, daria que falar"

Rui Miguel Tovar lança, esta segunda-feira, mais uma obra para todos os amantes do futebol. Desta vez o seu foco incidiu nos golos e em quem os faz. O Desporto ao Minuto esteve à conversa com o historiador e abre-lhe o apetite para aquilo que poderá encontrar no 'Fome de Golo'. Além do assunto óbvio, foram abordados igualmente outros temas que marcam a atualidade do nosso futebol e também lançadas algumas comparações entre o passado e o presente, isto sem esquecer o futuro do desporto rei.

"O Real Madrid, nas mãos do Jorge Jesus, daria que falar"
Notícias ao Minuto

08:00 - 03/12/18 por Francisco Amaral Santos

Desporto Rui Miguel Tovar

Rui Miguel Tovar dispensa grandes apresentações. O jornalista que gosta de olhar para o outro lado do futebol - aquele que tanto falta faz por estes dias - lança, esta segunda-feira, mais uma obra que pretende atrair os amantes do desporto rei.

'Fome de Golo' está nas prateleiras das livrarias e promete revelar pormenores nunca antes desvendados e relatar factos até agora desconhecidos. Nesta obra, Rui Miguel Tovar teve a difícil missão de encontrar aqueles que foram e são os "Reis dos golos" do futebol português. São 20, mas podiam ser 50. A garantia é dada pelo próprio em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto.

Para lá dos craques que brilham dentro das quatro linhas, também houve tempo e espaço para se falar da marca deixada pelos treinadores. Nesta temática foi impossível deixar de lado nomes como o de José Mourinho ou de Jorge Jesus.

O que podemos esperar desta obra?

É um livro sobre a vida e obra de 20 dos maiores goleadores que passaram em Portugal. Deu-me muito gosto fazê-lo, embora tenha sido uma tarefa complicada. São textos de 15 mil carateres, então foi preciso trabalhar a informação que era imensa. Mas depois, à medida que ia acabando e entrei numa contagem decrescente, fui-lhe tomando o gosto. Se tivesse 50 goleadores, ainda hoje estarei a trabalhar nisto e fá-lo-ia com muito gosto. Mas neste livro só cabiam 20. O que eu desejo é espelhar o conhecimento que eu não tinha antes de acabar esta obra. Há muita coisa que eu não sabia e que só depois de falar com muitas pessoas e de ler algumas entrevistas é que me fui apercebendo das dificuldades que passaram ou das glórias que viveram. Mais uma vez, é como os Almanaques que já fiz do Sporting, Benfica e FC Porto, é espalhar conhecimento. Não quero ficar com isto só para mim e quero que as pessoas percebam que estes 20 foram grandiosos e o porquê de o serem. Desde de uma vida complicada até atingir o estrelato, há muitos jogadores que nasceram em condições adversas e aquilo que foram é, de facto, uma lição humana. Isto já ultrapassa a esfera do jogar muito bem ou não. É mesmo aquela componente humana. Encontrei isso em todos.

Como se deu a recolha de informação? Nos jogadores mais atuais existe a facilidade em encontrar dados, por conta da internet, mas há uns anos não era assim… 

Foi uma recolha possível porque tenho um pai que tem um arquivo espetacular.  Cada vez que vou à casa dos meus pais e entro naquele que era o meu quarto, e que mais tarde passou a escritório – aliás, aquilo para ele foi sempre o escritório, nunca foi o meu quarto (risos) - descubro sempre muitas coisas. São prateleiras e prateleiras de jornais, revistas, cassetes e documentários. Descobrem-se verdadeiras relíquias todos os dias. Ainda anteontem fui lá e descobri mais material que poderia incluir neste livro. Mas é através destes registos que consigo reunir a informação. Sobretudo daquelas revistas pequeninas que se faziam nos anos 50 e 60. Havia muitas publicações. Foi lá que encontrei o Manuel Fernandes, o Matateu, o Águas. Essas revistas traziam entrevistas aos jogadores e à família. É um arquivo de ouro. Melhor só na Hemeroteca. Em casa encontro coisas preciosas só de olhar. Se investigar, a tarefa de recolher informação parece fácil.

O Pauleta andou sempre na corda bamba, mesmo quando era júnior e conseguiu superar-se

No meio de tanta informação, presumo que o principal desafio passe por conseguir encontrar aquilo que seja o mais importante… 

Sim, isso é complicado. O livro tem o condão de ter dois heróis começado por Y. O Yekini e o Yazalde. Eu vi o Yekini jogar e em três anos completos no futebol português foi três vezes o maior goleador. Duas vezes na segunda divisão e uma na primeira. Obviamente que ele não tem números para estar nos melhores goleadores em Portugal, mas aquela coisa de ele estar três anos e ser sempre o rei do golo, acho que merecia uma menção. Depois disso, tive de procurar informação. Fui a Setúbal, que foi onde ele jogou, e um grande amigo meu, o Tomé, que jogou no Sporting e que agora trabalha no V. Setúbal, tinha uma biografia do Yekini, escrita por um jornalista nigeriano. Deu-me um imenso gozo ler essa biografia e retirar de lá coisas impensáveis. Desde de uma infância dura e solitária até descobrir que ele tinha sido o melhor marcador na Costa do Marfim e que tinha sido um ícone no Zurique, depois de jogar no V. Setúbal. Há coisas que nos surpreendem. Mas sim, é preciso condensar a informação. Às vezes dava por mim a escrever e quando parava já ia nos 12 mil caracteres. Esse lado é muito trabalhoso, mas dá um gozo bestial. Não há nada melhor do que não ter informação e passar para o excesso de informação. O que conta para mim é sempre dar informação. Cada parágrafo tem de ter muito sumo informativo para que as pessoas não se cansem.

Quais foram os critérios utilizados para escolher estes 20 jogadores? 

Primeiro que tudo foi através da estatística pura e dura. O meu editor, que é o António Lobato Faria, fez questão que eu fizesse um top 10 do campeonato, Taça de Portugal, competições europeias e seleção nacional. Feita essa seleção, conseguimos reunir dez nomes obrigatórios. Ronaldo e Eusébio, claro que estavam. Nessa seleção descobrimos ainda que o Nuno Gomes tinha de estar, porque está no top 5 da seleção e das competições europeias. José Águas, Matateu, José Torres… Acho que eram onze. Depois, fui à procura dos outros nove. E aí, admito que o coração falou mais alto quando foi o Yekini e o Jorge Mendonça, que é um avançado que pouca gente fala e que nunca jogou na seleção. Mas nos anos 60 cometeu a proeza de ir do Sporting de Braga para o Atlético de Madrid. Foi o primeiro jogador português a ir para lá. Por ser o primeiro jogador português a jogar lá fora a nível profissional, conseguiu uma série de proezas como: primeiro jogador português a ganhar uma competição europeia numa equipa estrangeira, primeiro jogador a marcar numa final europeia por uma equipa estrangeira, primeiro português a ganhar a Taça do Rei e primeiro português campeão lá fora. Há aqui uma série de coisas que me impediam de deixar o Mendonça de fora. Esse braço de ferro ganhei (risos). Além disso é um jogador que consegui entrevistar em Madrid. Se fosse só pelos golos não estaria no top20, mas às vezes o coração tem que ultrapassar a razão. O Yakini e o Mendonça são esses dois casos.

Consegue escolher o melhor deste lote? 

Eu vou falar do que mais admiro: É o Pauleta. Passo a explicar porquê. Nos Açores, durante os anos 80 e 90, ser-se futebolista era muito complicado. Havia uma diferença enorme entre os Açores e o continente. O Pauleta conseguiu impor-se nos Açores ao ponto de ser convidado pelo FC Porto. Jogou nas camadas jovens do FC Porto e nos juniores foi dispensado, tendo voltado para os Açores. Qualquer pessoa pensaria que este jogador só seria um craque 'em casa', mas tornou-se numa figura mundial. Melhor marcador de sempre do PSG, até chegar o Ibrahimovic, melhor marcador da seleção, até chegar o Cristiano Ronaldo. Foi um jogador que nunca fez carreira num grande do futebol português. A formação que teve foi no Santa Clara, uma vez que esteve apenas um ano no FC Porto. Há todo um mérito. Existe aqui a capacidade de valorização e de superação. Para mim, o Pauleta é um grande nome do nosso futebol. Por exemplo, o Eusébio estava no Sporting Lourenço Marques e depois foi para o Benfica. O Cristiano Ronaldo aos 12 anos foi para o Sporting. Desde cedo tomaram contacto com uma realidade dura, sim senhor, mas tomaram contacto com uma realidade muito poderosa e forte. O Pauleta não. O Pauleta andou sempre na corda bamba, mesmo quando era júnior, e conseguiu superar-se. Essa mentalidade vencedora é que me faz admirar o Pauleta. É o jogador que mais admiro neste momento. Por todos os obstáculos que conseguiu ultrapassar. O facto de nunca ter jogado na primeira divisão portuguesa dá que pensar. Não só para nós jornalistas, como também para os miúdos que estejam nos Açores, na Madeira ou no Algarve. É um exemplo. O respeito ganha-se e conquistou esse respeito no PSG. Chegou ao PSG vindo do Salamanca. Em Espanha, ajudou o clube a subir à primeira divisão e ainda marcou dois golos ao Barcelona em Camp Nou. São provas vivas de categoria.

Notícias ao MinutoRui Miguel Tovar é um apaixonado pelo futebol e diz querer partilhar com os leitores toda a informação que consegue recolher © Global Imagens

Considera que agora os jovens jogadores portugueses estão agora mais preparados para o sucesso fora de portas? 

Sim, não diria só Portugal, mas também toda a Europa. Percebeu-se que a aposta nas camadas jovens é um bem necessário. O futebol português, por exemplo, não anda a nadar em dinheiro e, portanto, é bom investir na formação. Diria que os clubes estão melhor preparados. Mas antes já havia muita categoria e disciplina por parte dos jogadores, o problema é que as estruturas, fosse a Federação ou os clubes, não estavam tão bem preparadas. Houve uma melhoria assinalável, sobretudo na FPF, para tomar conta da qualidade dos nossos jogadores. É verdade que entre os magriços de 66 e e entre os Patrícios de 84 nunca estivemos em lado nenhum. Mas a qualidade estava lá. É um pesadelo pensar que nos anos 70 tivemos Humberto Coelho, João Alves, Oliveira, Shéu… Todos eles foram jogadores magníficos que não puderam estar em lado nenhum porque não havia uma estrutura ou uma montra para eles. Era tudo muito amador e agora está tudo muito profissional. O futebol português sempre teve jogadores de eleição. Volto a falar do Jorge Mendonça. O Mendonça foi formado no Sporting, mas não tinha lugar no Sporting. Naquela altura havia muitos bons jogadores. O Mendonça esteve um ano em Braga e depois foi para Espanha. A mentalidade estava lá, mas não havia espaço para tanta qualidade. Antigamente o futebol era uma profissão não grata, e agora tornou-se numa profissão que dá muito dinheiro. Cada vez mais há mais Renato Sanches aos 18 anos. São jogadores com os quais ficamos espantados. Antigamente era uma vez por outra. O Pelé com 18 anos fazia uma boa figura, mas para a maior parte dos jogadores de antigamente o ponto de conhecimento acontecia a partir dos 22 anos. Aliás, nem preciso de ir tão longe. O Nuno Gomes só conseguiu chegar à seleção nacional aos 23 anos e se fosse agora não seria assim. O Nuno Gomes era um avançado muito bom no Boavista e se tivesse 18/19 anos já estaria na seleção neste momento. Naquela altura não, não havia espaço para ele. Hoje, cada vez mais cedo, os jogadores mais novos mostram-se logo. É esse o poder da aposta na formação.

Goste-se ou não, Mourinho e Jesus são treinadores especiais porque trouxeram mais picante ao futebol português

Os treinadores também têm evoluído… 

A evolução foi ótima. Havia figuras no passado… No Sporting, era o Aurélio Pereira. No FC Porto, era o Costa Soares e o treinador Feliciano. No Benfica, também havia o Calado e o Coluna, que foram treinadores do Rui Costa. Agora há mais pessoas ligadas ao futebol e à formação. Há pessoas que sabem conduzir, tanto de forma humana como de forma futebolística, qualquer diamante que lhes vá parar às mãos. Essa parte é boa. Sempre tivemos bons jogadores e treinadores. O Pedroto, nos anos 60, era um achado e era português. Depois surgiram outros, como o Artur Jorge nos anos 80. Se alguém queria ser treinador tinha que se formar. Por outro lado, no dirigismo, que é uma montra do nosso futebol, infelizmente, não é assim. Muitos dirigentes falam e não sabem do que falam. Estão constantemente a perturbar o fenómeno futebolístico. Só agora é que começam a ter cursos de formação. Nos anos 70, 80 e 90 uma pessoa era dirigente porque sim. Seria bom que o dirigismo do século XXI se adaptasse e que apanhasse o comboio dos jogadores e treinadores.

Mais tarde, Mourinho abre a porta para os treinadores portugueses lá fora e Jorge Jesus chega ao Benfica para quebrar a hegemonia do FC Porto. São dois treinadores com lugar garantido na história do futebol português? 

Claro que sim. Ao Mourinho bastava ser campeão europeu com nove portugueses no onze da final europeia. Não existe, no futebol atual, nenhuma equipa, muito menos uma portuguesa, que consiga fazer isso. Quanto muito o Barcelona conseguiria com nove espanhóis, mas nem isso. O FC Porto do Mourinho, em 2004, consegue uma proeza um ano depois de ganhar a Taça UEFA e consegue ser campeão europeu com nove portugueses na equipa titular. Só isso já dava pano para mangas. Isso foi o início de uma aventura que ainda hoje está aí. Agora não está tão bem, e não é saudável pensarmos que ainda não chegámos a meio do campeonato inglês e que o Manchester United está a lutar por um lugar que dê acesso à Liga Europa. Não é saudável pensar nisto, mas, na Europa, Mourinho conseguiu mais uma vez apurar-se para a fase seguinte, num grupo com Valencia e Juventus. Agora, falta dar 'gás' no campeonato inglês. Mas o Mourinho teve sempre esta componente europeia da qual nunca perdeu o foco. Ganhou duas Champions com equipas diferentes e mais uma Liga Europa por outra.

E Jorge Jesus?

Jorge Jesus tem a particularidade de ter feito uma carreira muito boa, começando por baixo. Começou no Almancilense, onde foi jogador e treinador, e depois foi para o Amora. Ver um treinador ganhar três campeonatos depois de ter percorrido uma série de clubes da primeira, segunda e terceira divisão não é para todos. Se eu fosse o Jorge Jesus, e se estivesse a olhar para a minha carreira, ficaria contente. Em 1995 nem imaginaria que o treinador do Amora fosse campeão nacional 15 anos depois. Já para não falar de cometer a proeza de ir a duas finais europeias consecutivas. Isso é a prova de muito trabalho de campo. Perdeu as duas, mas isso é o lado mau de um ponto positivo. 

Além disso, revolucionou também uma série de aspetos do futebol português… 

Já no Sporting de Braga tinha conseguido uma série de excelentes resultados e antes, no Belenenses, tinha conseguido duas qualificações consecutivas para as competições europeias. O Jorge Jesus não só muda o futebol português em tática como também nas conferências de imprensa. Goste-se ou não, diz aquilo que sente, de forma muito própria, e isso temos de saber apreciar. Obviamente que depois há quem goste ou não, mas desportivamente as pessoas não podem dizer nada. Podem não gostar dele, mas, desportivamente é um ativo formidável. E o Mourinho é a mesma coisa. Podem existir pessoas que dizem que o Jesus esteve nove anos em grande, mas que só ganhou três campeonatos. Eu percebo essa análise, mas se formos fazer uma análise mais profunda vamos perceber que num dos anos em que não ganhou estava o Villas-Boas num FC Porto que ganhou tudo. Noutro dos anos, o Benfica de Rui Vitória superou-se a si próprio e conseguiu 88 pontos num campeonato fantástico em que nas últimas oito jornadas tanto Benfica e Sporting ganharam sempre. Portanto, não podemos basear-nos na estatística para definir um herói. O Jesus, com tudo o que tem, merece muito reconhecimento mesmo. Porque ganhou três campeonatos, porque esteve em duas finais europeias, porque ganhou a Taça de Portugal e porque venceu várias Taças da Liga. Os treinadores, tal como os jogadores, alimentam-se de títulos. Mas há uma componente que os diferencia: a tática e o discurso. E nisso tanto Mourinho como Jesus são especiais. São especiais à sua maneira. 

Há também o facto de ter conseguido extrair o melhor de jogadores como Di María ou Fábio Coentrão… 

E também do Enzo Pérez… Há muitos méritos e perderíamos aqui uma tarde – no bom sentido – a falar dos jogadores que deram certo e também de outros que não deram. Não podemos pensar que o Guardiola só faz bons jogadores. Também já teve os seus flops. Eu lembro-me do Cuenca, lançado por ele no Barcelona. São jogadores que aparecem e que depois desaparecem e não vamos dizer que por isso é um mau treinador. Foi uma aposta que funcionou de forma intermitente, mas positiva e que entretanto desapareceu. E há muitos jogadores de Jesus que também são assim. E do Mourinho também. Volto a dizer. Goste-se ou não, Mourinho e Jesus são treinadores especiais porque trouxeram mais picante ao futebol português no bom sentido. Por exemplo, o Jesus com o Sporting fez um grande trabalho na Liga dos Campeões. É certo que não passou, mas terminou em terceiro num grupo com Barcelona e Juventus. Esteve ali taco a taco. O Jesus gosta desses desafios: ‘Vou jogar com o Barcelona e tenho de fazer isto para que o Messi e o Suárez não consigam jogar’. Ele tem esse mérito. E o Mourinho também, se bem que com outras armas.

O Belenenses era tão grande que foi convidado pelo Real Madrid para inaugurar o Santiago BernabéuE duas temporadas antes foi ao Santiago Bernabéu quase ganhar… 

Sim. Há esses momentos que não são gloriosos, mas que ficam na memória porque nos fazem sonhar. Durante 89 minutos a tática do Jesus fez sentido. O Sporting, durante muitos dias, foi falado no mundo. Os bons treinadores gostam desses jogos para se exibir. Porque é que o Cardozo marcava golos ao Sporting e ao FC Porto? Porque ele preparava-se para esses jogos, porque ele sabia que eram jogos importantes. É isso que alimenta o ego. O Jesus e o Mourinho também são assim. Sobretudo Jesus. Quanto mais difícil melhor. Ele pode perder ou empatar, mas nota-se naquele jogo, nem que seja por 50 minutos, que ele planeou aquilo.

Pode dizer-se que os jogos europeus dão maior gozo a Jesus?

Nessas epopeias do Benfica, em Inglaterra, há uma que não me esqueço: a do Everton. Foi 5-0 na Luz e 2-0 em Goodison Park. O Everton é uma equipa média, mas a verdade é que dar 7-0 demonstra muita qualidade. O Jesus é assim, não só nos jogos europeus a sério, como também a brincar. Lembro-me daquele torneio entre Real Madrid e Belenenses, em que o Real Madrid ganhou com um golo no último minuto. O Schuster [técnico do Real Madrid naquela altura] disse mal do Belenenses, que foi ali para defender, e o Jesus apareceu na sala de imprensa e disse que o Real Madrid jogou muito "poucochinho". E é verdade. O Real Madrid não foi o Real Madrid porque o Belenenses o anulou. Não podemos querer que uma equipa que é mil vezes inferior à outra ganhe. É quase impossível. Por isso é que tem charme um Leicester ganhar um campeonato em mil anos, por isso é que é engraçado a Grécia ganhar um Europeu. Às vezes, as equipas inferiores superam-se, mas é muito raro. E, nesse dia, o Belenenses quase conseguiu superar o Real Madrid. Quando o Schuster se atirou ao Belenenses do Jesus, o Jesus teve uma resposta hilariante, ao seu nível. O Real Madrid, nas mãos do Jesus, daria que falar. E, naquele dia, o Real Madrid, nas mãos do Schuster, não deu que falar.

Por falar em jogos amigáveis, aquela goleada aplicada ao Real Madrid na Eusébio Cup também fica na memória... 

Aí, era um Real Madrid de ressaca. Foi no ano do Mundial de 2014, os jogadores espanhóis ainda não estavam lá e o Cristiano Ronaldo também não. Foi um jogo um pouco insonso e o Benfica aproveitou. Um 5-2 dá moral.

O jornalismo desportivo também mudou muito nos últimos anos. Os clubes preferem agora refugiar-se nas plataformas oficiais?

Sempre estive mais ligado ao futebol internacional e ainda bem. Nas vezes em que era chamado para ir a um treino do Benfica ou do Sporting, ainda vi uma abertura de espírito entre comunicação social e clube. Lembro-me perfeitamente de ir ao campo de treinos do Benfica e aquilo ser bar aberto. O jogador falava, ou se não falava era porque estava com pressa. Não havia assessores atrás de nós, nem dos jogadores. Assistir a esta transformação é recuar no tempo, é recuar em tudo. Não faz sentido, é um retrocesso sem explicação, do qual não vejo fim à vista. Os jogadores também parecem sentir-se cómodos com a realidade de não falar. Mesmo na zona mista, muitos não falam. Isso não pode ser. A maioria tem de falar, não é a minoria, e essa minoria não pode ser escolhida por ninguém. Se os jornalistas têm acesso aos jogadores, deviam poder falar com qualquer um. Isso não acontece e é triste. É um muro que se levanta, não há comunicação entre os verdadeiros atores do futebol, que são os jogadores, e os jornalistas, que são aqueles que interpretam o futebol no sentido de informar quem de direito. Deveríamos ter acesso total.

Por outro lado, em Inglaterra por vezes os treinadores até concedem a flash interview juntos... 

Sim, aqui seria impensável. Acontece na Taça da Liga porque é um acontecimento especial, mas não devia ser especial, devia ser corriqueiro no bom sentido. Há uma série de coisas… Por exemplo, o Rui Patrício e o Adrien alguma vez deram uma entrevista? Foram capitães do Sporting durante anos e anos. Deram uma entrevista como deve de ser, sem ser ao jornal do Sporting ou ao canal? Sem ser aquelas entrevistas em que é Natal, então dá-se uma ao Record ou a A Bola? Uma coisa natural? Não há, e isso é preocupante, porque as portas dos jogadores deviam estar sempre abertas. São eles os heróis do jogo. Os dirigentes falam muito, mas não são heróis de nada. Não é o braço direito de alguém que tem que falar, é o jogador A, B ou C. Não ouço os intervenientes falarem. O Casillas raramente fala. Dá uma entrevista quando rei faz anos e não devia de ser assim. Compreendo que haja assessores, mas têm de ser assessores no verdadeiro sentido da palavra. No sentido de ajudar o herói e quem quer dar espaço ao herói. Não é a dificultar-lhe a vida. O que me parece é que o muro da falta de comunicação está cada vez mais alto. É triste assistir a isso.

Isso explica que os jogadores aproveitem, em alguns momentos, as redes sociais para expressar o que o clube não lhes permite dizer?

Há essa componente. Se os jogadores não falam com a boca, falam com as mãos. Não é só no futebol, é no dia-a-dia, e é constrangedor. Não apoio esse tipo de comunicação. O Facebook, o Twitter, o Instagram é só para trazer alegria à vida, não é para dizer uma coisa séria. Uma coisa séria diz-se cara a cara, não é através das redes sociais. Se um jogador está incomodado ou se um treinador ou dirigente tem algo a dizer, que se organize uma conferência de imprensa e que se explique. Esconderem-se atrás de um teclado nunca me pareceu uma decisão sábia. 

Quer levantar um pouco o véu daquela que será a sua próxima obra? 

Projetos de raiz, não há nada ainda. Mas há ideias malucas ou normais que se apresentam no horizonte. Já fiz o almanaque do Benfica, do FC Porto, do Sporting e da seleção. Por que não fazer o do Belenenses, que, para o ano, faz 100 anos?

Especialmente numa altura tão complicada para o Belenenses…

Não há explicação para isso. O meu avô levava-me muitas vezes ao Restelo, por isso ainda tenho um sentimento forte pelo Belenenses. Foi isso que já me levou a escrever dois livros sobre o Belenenses, e é isso que me leva a pensar no Almanaque do centenário. Penso que qualquer belenense e não-belenense gostaria de ver a sua história escarrapachada num livro. Se o Sporting, o Benfica e o FC Porto têm, por que não o Belenenses, que já foi campeão nacional e já honrou a nossa história durante tantos anos? Aliás, o Belenenses era tão grande que foi convidado pelo Real Madrid para inaugurar o Santiago Bernabéu. É importante recuperar esse passado através da escrita e não só da conversa. Porque a escrita fica lá. É um dos projetos que gostava muito de concretizar. 

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