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Pires: O brasileiro que 'lutou' contra o pai para concretizar o sonho

Viu o pai fechar-lhe as portas de vários clubes, decidiu fugir de casa e acabou por viajar sozinho para a Colômbia, até ser novamente... chantageado. Hoje, joga no Sertanense e conta, em exclusivo, a sua história inspiradora ao Desporto ao Minuto.

Pires: O brasileiro que 'lutou' contra o pai para concretizar o sonho
Notícias ao Minuto

08:29 - 09/10/18 por Fábio Aguiar

Desporto Exclusivo

Crença, ambição e espírito de sacrifício são algumas das características essenciais para vingar em qualquer aspeto da vida, seja pessoal ou profissional. O futebol não foge à regra. Todos os dias somos surpreendidos com histórias inspiradoras e que nos fazem pensar se, de facto, somos nós que traçamos o nosso destino ou se esse é obra de alguém superior. Ricardo Pires Santos Júnior é autor de uma delas. Aos 31 anos, o avançado vive dias felizes no Sertanense, da Serie C do Campeonato de Portugal, mas o seu passado, recheado de obstáculos que só alguém forte psicologicamente consegue superar, poderiam ter gerado uma vida totalmente diferente para o brasileiro.

O início da história é semelhante à de milhões de crianças. Natural do Rio de Janeiro, Ricardo Pires tinha apenas o sonho de ser jogador de futebol. Contudo, desde cedo percebeu que teria um enorme opositor. "Eu morava com o meu pai, pois os meus pais estão separados. O meu pai trabalhava no Maracaná, conhecia todos os presidentes, treinadores, jogadores, enfim, toda a gente. Mas detestava futebol! Dizia que o futebol era muita máfia e um mundo injusto. Só me deixava jogar lá nas escolas do Maracaná, mas apenas para passar o tempo, pois só queria que eu estudasse e que esquecesse o futebol", começou por contar, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto.

"Um dia, os funcionários lá do estádio organizaram um jogo e o meu pai, como era alto e gordo, não jogava nada. Então, eles disseram para eu jogar. Entrei na segunda parte, fiz um golo, dei nas vistas, até pela minha estatura, pois naquela altura era época de Romário, Bebeto, ou seja, jogadores baixos e eu era muito grande. Também por isso ficaram loucos comigo. Quando cheguei ao balneário era só colegas do meu pai a passarem-lhe contactos do Fluminense, do Santos... E o meu pai só dizia: 'Estás maluco? Vai mas é estudar, esquece o futebol'. Rasgou os papéis e a partir daí proibiu-me mesmo de pensar no assunto", prosseguiu.

Apesar desta intransigência, o então menino não desistiu e um certo dia, aproveitando o facto de passar o fim-de-semana com a mãe, tomou uma decisão drástica. "Tinha 12 anos e fugi de casa. Estive duas semanas até a minha mãe me encontrar. Lá, nessa idade, temos a possibilidade de escolher se queremos ficar a viver com o pai ou com a mãe. Eu não queria voltar para o meu pai, pois ele não me deixava jogar nem lutar pelo meu sonho. Avançámos para os tribunais, foi uma loucura, uma confusão, e eu disse mesmo ao juiz que não voltava. Fiquei com a minha mãe no Rio de Janeiro, mas ela não percebia nada de futebol. Eu tentava abrir a porta de um clube e o meu pai impedia, outro falava comigo e o meu pai estragava tudo", explicou, visivelmente nostálgico.

Notícias ao MinutoAvançado contou a sua história numa conversa, em exclusivo, com o Desporto ao Minuto.© Fábio Aguiar

O telefonema 'mágico'

O sonho parecia cada vez mais longe de se concretizar e os anos foram passando. Pires jogava apenas por paixão, em clubes de menor dimensão, mas as suas qualidades acabaram por despertar o interesse de uma equipa da terceira divisão brasileira. Aos 17 anos, numa altura em que tinha cortado relações com o seu pai, assinou o primeiro contrato profissional. Eufórico com o feito alcançado, resultado da sua preseverança, o brasileiro foi surpreendido com o telefonema do seu pai, um certo dia, convidando-o para almoçar. Esse dia mudaria a sua vida...

"Tinha lá um amigo colombiano, que era médico, que era casado com uma brasileira e que estava ali a fazer uma visita. Então, o meu pai virou-se e disse: 'Não queres ser jogador? Vai para a Colômbia!'. Aquilo ficou na minha cabeça, falei com a minha mãe e com o meu padrasto e eles ajudaram-me com dinheiro, tal como os meus avós, e acabei por ir com 17 anos, para fazer testes a um clube da Segunda Divisão, propriedade de Giovanni Hernández, um grande jogador da Colômbia. Em sete meses fui contratado pelo América Cali, um dos maiores clubes do país na altura. Aquilo para mim era um sonho, estava louco", recorda, de sorriso nos lábios.

Notícias ao MinutoRicardo Pires representou o Marinhense na última temporada, onde apontou quatro golos em 16 partidas.© Ricardo Pires

Do céu ao inferno em momentos

Parece um filme, mas a verdade é que a felicidade rapidamente se transformou em tristeza e em frustração. "O meu pai, como nunca acreditou que eu conseguiria, viu aquilo e disse-me logo que queria que voltasse. Até esse amigo dele ficou maluco, porque era completamente inexplicável. Chegar ao topo e querer voltar para o Brasil. Mas o meu pai não desistiu e ameaçou ir à Colômbia buscar-me. Então, não quis mais problemas, voltei para o Brasil e comecei, outra vez, do zero", conta o jogador, que na sua terra Natal, encontrou no Vasco da Gama e no Barcelona do Rio de Janeiro a tábua de salvação. 

Mais duas paragens até chegar a... Portugal

Desiludido, triste e frustrado, Ricardo Pires encontrou os obstáculos mais uma força extra para continuar a lutar. Em 2008, o avançado voltou à Colômbia, desta vez para representar o Depor FC, antes de atravessar o Atlântico e se fixar na Alemanha, com a camisola do SF Siegen. Todavia, seria em 2009 que a sua vida mudaria para sempre. 

"O meu avô, da parte do meu pai, é português e a minha família é toda bem tradicional. Apesar de não terem essa ligação forte com o futebol, sempre me incentivaram a vir para cá. Então, quando surgiu a oportunidade de vir para o Tondela foi muito bom. Agradou a toda a minha família e hoje sou muito feliz cá", lembra o jogador, que na altura chegou para integrar uma equipa beirã que competia na antiga Segunda Divisão B. 

Notícias ao MinutoAtacante mostra-se rendido a Portugal e admite que não pretende voltar ao Brasil.© Ricardo Pires

As tochas e as bandeiras no... treino do Farense

Seguiu-se um regresso ao Brasil, mas o destino parecia traçado. Era em Portugal que Pires tinha a sua felicidade e a oportunidade de triunfar. Em 2014/15, o brasileiro foi contratado para o Lusitano Vildemoinhos, onde jogou ao lado de Costinha, que hoje brilha no V. Setúbal, antes de rumar ao Anadia e, mais tarde, ao Farense. Foi no Algarve, em 2016, que o avançado conheceu "uma realidade única".

"Fui muito feliz em Faro. Conheci pessoas incríveis. Os adeptos são simplesmente únicos. Seguem o clube para todo o lado, apoiam incondicionalmente e nós, quando entrávamos em campo, já sentíamos essa força que vinha de fora. Tínhamos que ganhar mesmo! Lembro-me que no primeiro treino estavam no estádio, com tochas e bandeiras, sempre a cantar... Impressionante", sublinha, destacando Jorge Ribeiro, Neca e Livramento: "São grandes jogadores, pessoas fantásticas e que vão ficar para sempre comigo."

Notícias ao MinutoPonta-de-lança viveu uma das melhores etapas da sua carreira no Farense, ao lado de nomes como Neca ou Jorge Ribeiro.© Ricardo Pires

Felicidade na Sertã e uma ambição enorme

Depois de uma passagem pelo Benfica e Castelo Branco e de uma grande época no Marinhense, Ricardo Pires chegou este defeso ao Sertanense. "Está a correr bem. Estou a gostar imenso e as coisas estão a correr bem. Um ponta-de-lança vive de golos, eu cheguei a meio da semana, consegui jogar e marcar. Foi fantástico. Marquei também na Taça e está a ser um início de época muito positivo, em termos individuais e coletivos", analisou o ponta-de-lança que em três jogos soma dois golos, mas que... quer mais. 

"Fiz um trabalho especial com o meu irmão, que é psicólogo, e um dos exercícios foi colocar um papel na mesa de cabeceira com a meta de golos que quero alcançar. Olho para ele todos os dias e a mensagem vai entrando no nosso subconsciente. Então, eu escrevi: 'Dez golos até dezembro!' Bem, já não faltam todos. Desde que comecei a trabalhar com o meu irmão que me sinto muito melhor. Tudo o que puder fixar na minha mente, farei. Acredito no meu trabalho e na minha força psicológica e espero ainda poder voar mais alto", revelou o jogador, confessando: "Gostaria de chegar aos campeonatos profissionais, à Primeira ou à Segunda Liga."

A finalizar, Pires deixou ainda uma garantia de que o futuro passa pelo nosso país e agradeceu a quem continua a servir de base para a sua carreira. "Sou muito feliz em Portugal e não penso sequer em voltar ao Brasil. É um país maravilhoso, que tem qualidade de vida, boa comida, pessoas incríveis...  Só tenho que agradecer a todos os que confiam em mim, inclusive ao empresário Guilherme Gottardi, que muito me tem ajudado."

Notícias ao MinutoPires tem estado em destaque neste arranque de época no Sertanense, com dois golos em três jogos.© Ricardo Pires

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