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"Só um povo culturalmente forte olha para prateleira e escolhe nacional"

Dos protestos ao modelo de apoio da DGArtes, até ao valor que damos à cultura enquanto país.

"Só um povo culturalmente forte olha para prateleira e escolhe nacional"
Notícias ao Minuto

11:45 - 23/04/18 por Pedro Filipe Pina

Cultura Nuno Correia Pinto

Foi como "um murro no estômago". E não foi acaso.

No início de abril, o setor da cultura em Portugal viveu novo abalo numa história já de si feita com solavancos.

Por abalo, referimo-nos à incerteza que muitas associações viveram quando foram revelados os resultados provisórios dos apoios da DGArtes.

Por solavanco, referimo-nos a esta relação de um país com os seus agentes culturais, que celebra quando 'um dos nossos' vence um prémio internacional, mas que na hora de debater o peso da cultura no nosso país por vezes trata o tema como questão marginal.

O Chão de Oliva é um projeto que fundou as suas raízes no concelho de Sintra em 1987 e que floresceu no concelho até aos dias de hoje. O teatro foi ponto de partida mas com o tempo profissionalizou-se, juntaram-se marionetas e outras iniciativas, até formar um pequeno 'jardim cultural' pensado para um público variado, dos mais pequenos aos não tão pequenos.

O Chão de Oliva foi uma das entidades que, no início de abril, temeu pelo futuro próximo. Foi aí que o tal "murro no estômago" fez sentir a sua força.

Quando, entre preocupações e protestos do setor, o Governo anunciou o reforço de financiamento, o Chão de Oliva foi das que pôde respirar de alívio pelo imediato. A conversa que o Notícias ao Minuto teve com Nuno Correia Pinto, diretor artístico do projeto, porém, não é uma conversa apenas sobre o agora. É também sobre nós e o que a cultura ainda tem para nos dar.

Quando recebemos a notícia foi como se tivéssemos levado um murro no estômago. Embora tivéssemos classificação para tal, fomos a primeira estrutura a ficar sem financiamentoO Chão de Oliva contou com apoio contínuo desde 2002. Mas no início de abril viu-se entre as muitas associações e companhias que temeram pelo futuro imediato. Como foi esse primeiro momento em que perceberam que corriam o risco de perder apoios da DGArtes?

Desde a abertura dos concursos que tínhamos consciência de que o orçamento era reduzido para a previsão da quantidade de estruturas que iam concorrer. No entanto, quando recebemos a notícia foi como se tivéssemos levado um murro no estômago. Embora tivéssemos classificação para tal, fomos a primeira estrutura a ficar sem financiamento. Não só estava em causa o nosso projeto, a nossa dedicação, o nosso esforço, como naqueles primeiros instantes foi difícil não pensar na equipa e em todas as pessoas que estão envolvidas.

O fim do apoio da DGArtes poderia ser o fim do Chão da Oliva?

O Chão de Oliva tem uma situação privilegiada, que soube conquistar ao longo dos anos, comparado com outras estruturas, algumas delas até de renome.

Situação privilegiada em que sentido?

De forma a conseguirmos ter acesso a vários apoios que nos permitissem percorrer um caminho com alguma sustentabilidade, fomos desenvolvendo projetos com diferentes entidades que nos dão alguma segurança. Porém, a falta do apoio financeiro pode fazer com que sejamos obrigados a andar para trás na qualidade artística e programática que temos oferecido ao público ao longo destes últimos anos. Teríamos de reduzir a nossa atividade e dispensar grande parte dos colaboradores que trabalham connosco atualmente, sendo que este ano contamos envolver mais de cinquenta pessoas nas atividades que queremos promover.

Os modelos de apoio público às artes em Portugal têm mantido estabilidade que permite trabalhar a médio-longo prazo ou a precariedade, que tantas vezes se fala para trabalhadores no setor, é algo que também se aplica ao dia a dia das associações?

Uma das causas de revolta do setor artístico foi sobretudo a instabilidade que este sofreu nos últimos anos. Cada governo trouxe ideias novas, novas diretrizes, novas intenções, no entanto o investimento no setor foi cada vez menor. Estamos perante um modelo que depende de uma série de subjetividades e que tem como metas máximas quatro anos. Como tal, não se cria uma estabilidade. Veja-se o que aconteceu nestes últimos concursos, com entidades históricas de renome e com provas dadas, que ficaram sem nenhum apoio financeiro de repente.

Este programa estava desajustado à real necessidade financeira do tecido artístico em Portugal e não trazia com ele a garantia da correção de assimetriasQuais são as principais críticas a este novo modelo de apoios?

É fundamental salientar que, qualquer que seja o programa de apoio, sem uma escuta eficaz do setor e os respetivos meios para a sua execução, será sempre um programa considerado desajustado. Verificamos que este programa estava desajustado à real necessidade financeira do tecido artístico em Portugal e não trazia com ele a garantia da correção de assimetrias e do reconhecimento do trabalho feito e comprovado por muitas estruturas.

Estruturas com provas dadas de competência no serviço público e com projetos de qualidade apresentados ficaram sem apoio. Não podemos sobretudo compactuar com muitos casos que, no âmbito dos objetivos fixados em aviso de abertura, viram a sua candidatura apresentar uma boa correspondência e, no entanto, não lhes foi atribuído qualquer financiamento.

Várias organizações do setor cultural mantiveram os protestos anunciados, isto apesar de anúncios de reforços de verbas. Porquê manter a contestação?

A contestação mantém-se pois é necessário criar condições de diálogo que criem um programa de financiamento trabalhado em conjunto e ajustado à realidade do setor artístico em Portugal. É urgente a criação de um diálogo entre os pares e entre as várias entidades que tenham capacidade para apresentar uma solução coordenada e sustentada para o setor.

Falamos de quê?

Refiro-me a estruturas culturais, ao próprio Governo e outras entidades da sociedade. O governo reconheceu de facto a insuficiência do investimento no setor, mas não solucionou o problema de base. É necessário fazer com o que o poder político reaja e crie condições para que existam medidas estruturantes que reforcem este diálogo e trabalho conjunto.

Na altura da troika, o setor cultural foi, talvez, o mais solidário com a situação económica do país A área cultural foi uma das que foi ‘castigada’, passe o termo, durante os anos da troika. Havia expectativas que a fase económica e financeira mais positiva que o país vive significasse outro peso dado às artes?

Na altura da troika, o setor cultural foi, talvez, o mais solidário com a situação económica do país. Como tal, após esse período, esperávamos que houvesse planos para um investimento a longo prazo.

E tal não aconteceu.

A indústria cultural (não confundir com o entertainer) é vital para desenvolver um país com competências nas mais variadas áreas e para podermos ser diferenciadores relativamente a outros. Atualmente, a nível mundial, não são os indivíduos que se afirmam, mas sim os coletivos.

Só um povo culturalmente forte é que olha para uma prateleira de um supermercado e escolhe o produto nacional em vez de outro que é mais barato e estrangeiroE é aqui que a cultura também pode fazer a diferença?

A cultura pode ter um papel muito importante no nosso coletivo - um colectivo que pode ser maior e ter mais força se conseguir agregar outros povos, e a cultura pode solidificar esta união. Só um povo culturalmente forte é que olha para uma prateleira de um supermercado e escolhe o produto nacional em vez de outro que é mais barato e estrangeiro. Exemplo disso é vermos crianças e adultos a explorarem a ferramenta do teatro, através de atividades que promovemos em escolas e na Casa de Teatro, e a aperceberem-se mais tarde da importância que esta experiência teve nas suas vidas e na sua formação enquanto cidadãos. Não tenho dúvidas de que a cultura pode ser o motivo diferenciador, agregador e potenciador na nossa economia.

O distanciamento em relação à cultura, por parte do público, vai ser cada vez maior, quanto maior for a incerteza da importância da culturaUma crítica relativamente comum em Portugal à área cultural é um suposto desfasamento entre público e criadores. 

O distanciamento em relação à cultura, por parte do público, vai ser cada vez maior, quanto maior for a incerteza da importância da cultura.

A cultura não é só o teatro ou a dança, é muito mais do que isso. As artes performativas, por exemplo, não são os fins, são os meios para alcançar uma dimensão maior. O conceito redutor das artes tem criado alguma desvalorização no reconhecimento do nosso trabalho e, por isso, a necessidade de uma discussão sobre a importância da cultura para o país.

O Chão de Oliva trabalha em Sintra, tal como outras associações o fazem noutros municípios. Há 'um espírito de missão' mais local, não?

O Chão de Oliva trabalha no concelho de Sintra, para Sintra e a partir de Sintra. Isto significa que temos consciência de que temos uma missão muito importante, juntamente com outras entidades, a realizar com e para as pessoas do concelho de Sintra. Mas achamos que podemos partilhar também esse nosso trabalho fora do concelho onde atuamos.

O público em geral tem noção do tipo de trabalho que estas associações culturais fazem pelo país fora?

Saber que existem muitas pessoas que podem não ter noção do nosso trabalho faz com que ele seja ainda mais importante, sobretudo em apostarmos na criatividade para nos diferenciar e continuar a inovar. Acredito que as pessoas que tocamos - em Sintra, e não só - são muito mais 'ricas' se tiverem este contacto com a cultura.

Notícias ao MinutoEspectáculo 'Pedro, a mentira e o Lobo' do Fio d´Azeite - Grupo de Marionetas© Chão de Oliva/Fio d'Azeite

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