Teatro do Bairro estreia 'Ivone, princesa de Borgonha'
A "ténue linha" que separa a humanidade da barbárie, característica do pensamento do escritor polaco Witold Gombrowicz, atravessa toda a peça 'Ivone, princesa de Borgonha', que se estreia no dia 21 no Teatro do Bairro, em Lisboa.
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Com tradução da escritora Luísa Costa Gomes e encenação de António Pires, a peça é mais que uma comédia ou que uma comédia trágica, acabando por tratar da imaturidade, tema caro ao escritor nascido em Maloszyce, a sul de Varsóvia, em 1904, autor de 'Cosmos' e 'Curso de Filosofia em Seis Horas e um Quarto', que reuniu os seus primeiros contos, em 1993, sob o título 'Memórias dos tempos da imaturidade'.
Questionado sobre por que razão decidiu levar à cena 'Ivone, princesa de Borgonha', António Pires disse que Luísa Costa Gomes lhe mostrou o texto, e que ficou logo "completamente apaixonado".
"Achei que o texto era um bocadinho mais fácil de levar à cena. Foi um processo de muito trabalho. De muita coisa a acontecer em cena, e que foi para lá da leitura", disse.
Esta peça foi também, segundo António Pires, a mais difícil que já encenou. Porque é uma peça que não se entende logo à primeira leitura, e tem um ritmo avassalador.
Sublinhando ter achado importante levar esta peça à cena - que Carlos Avilez primeiro encenou em 1971, no Teatro Experimental de Cascais -, António Pires referiu ainda que a peça "é um bocado esquisita".
"Por um lado, podemos falar de 'bullying', mas depois, quando se vai desenvolvendo, vai falando de amor (...), fala um bocado de possessão também... Eles [as personagens] são déspotas também um bocado", acrescentou António Pires, sublinhando, contudo, que isso não é logo "percetível" inicialmente.
Por seu turno, Luísa Costa Gomes, que nunca a tinha visto a peça encenada, disse que só quando começou a traduzi-la, é que percebeu "que é bem mais que uma comédia".
"Na leitura, a peça é muito engraçada, muito divertida, porque tem um ritmo avassalador e as 'deixas' sucedem-se e são sempre inesperadas. Tudo aquilo é insólito, mas fazendo imenso sentido", indicou, sublinhando, no entanto, que a peça "'fia muito mais fino' do que parece".
"A peça é muito mais complexa, muito mais profunda do que parece à primeira vista", enfatizou. E o insólito mantém-se ao longo do texto, indo mesmo em crescendo, observou.
'Ivone, princesa de Borgonha' centra-se em Ivone, uma mulher amorfa que não fala - ao longo da peça tem apenas sete falas -, e que o mimado príncipe Filipe de Borgonha escolhe para casar.
Ivone acaba assim por se tornar vítima de 'bullying', sem chegar a ser agredida fisicamente, o que faz com que os quatro atos evoluam num crescendo de bestialidade, selvajaria, idiotice e falta de sentido.
'Ivone, princesa de Borgonha' acaba por abordar assim os limites da humanidade ou a bestialidade ainda que adormecida, que todo o ser humano carrega.
A peça acaba também por ser uma dissimulação de horrores, a que não é alheio o facto de ter começado a ser escrita em 1933, quando Hitler sobe ao poder na Alemanha, e publicada em 1938, em plena época de ascensão do nazismo.
A interpretar estão Maria João Luís, Marcello Urgeghe, João Barbosa, Mário Sousa, Alexandra Sargento, Hugo Mestre Amaro, Cláudia Alfaiate, Nuno Casanovas, Francisco Vistas e Carolina Campanela.
A cenografia é de João Mendes Ribeiro, os figurinos de Luís Mesquita e os adereços de Carla Freire.
'Ivone, princesa de Borgonha' estreia-se no próximo dia 21 e fica em cena até 08 de abril, com espetáculos de quarta a sábado, às 21:30, e ao domingo, às 17h00.
"Contos Polacos, 'A Pornografia', 'Morte ao Dante', 'Contra Os Poetas' são alguns dos títulos de Gombrowicz editados em Portugal.
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