Em curso desde maio, o projeto Documentar a Música de Angola pretende, após entrevistas e pesquisas, produzir e editar um triplo CD, um DVD e um catálogo.
Proposto ao Banco de Desenvolvimento de Angola, que o financia no âmbito da área de responsabilidade social que apoia a cultura, à custa dos “cinco por cento de receitas de petróleo livres de impostos”, o projeto, da consultora UPF–Comunicação e Relações Públicas, pretende “dar voz aos músicos”, resume Ulika dos Santos.
“Não queremos ser nós a ter o ‘snobismo’ de escolher uma 'playlist' e apresentá-la, queremos que os músicos falem e digam o que é realmente importante”, explica.
“Os músicos precisam de ser ouvidos”, sustenta, recordando a “riqueza muito particular” da música angolana, que “influenciou muito a música do Brasil e a música portuguesa, ao nível do fado”, cujas origens algumas investigações atribuem ao lundu, “dança levada pelos escravos de Angola para o Brasil”, no século XVIII.
Outra dança-cantada ligada aos escravos negros, a umbigada, explica por que, ainda hoje, alguns fadistas mantêm o ritual de só se mexerem da cintura para cima, exemplifica, destacando a “importância crucial” no que aos instrumentos musicais diz respeito, com estes a serem “replicados em vários países, como Cuba, Colômbia”.
O CD triplo vai conter “três olhares” sobre a música: sobre “os sons primórdios”, recorrendo à etnomusicologia e à etnografia; sobre música urbana dos anos 1960 e 1970; e sobre música contemporânea, desde os anos 1980. O DVD mostrará o processo de trabalho e o catálogo conterá uma cronologia histórica.
A particularidade do projeto – que deverá estar concluído em dezembro – é não ter “o peso de ter que fazer escolhas comerciais”, sublinha a coordenadora.
Ao mesmo tempo que quer “recuperar” a produção de artistas angolanos conhecidos, como Bonga ou Rui Mingas, e trabalhos de investigação já feitos, o projeto vai analisar a ligação à música angolana de autores portugueses, como Paulo de Carvalho ou Luís Cília. A equipa, composta por nove colaboradores angolanos, portugueses ou luso-angolanos, assume também o objetivo de “encontrar inéditos”.
Ulika dos Santos adianta que “foram sinalizados alguns arquivos” que poderão ter "temas completamente novos”, frisando: “Não posso avançar muito (…), mas temos pistas muito fortes de arquivos que nunca foram ouvidos por ninguém até hoje.”
A audição desse material e a visita a arquivos e museus será feita durante a segunda deslocação a Angola, agendada para setembro/outubro, que levará a equipa “pelo menos” às províncias de Cabinda, Benguela e Bengo.
A primeira visita, que se inicia já no domingo e dura até dia 25, é uma “viagem de reconhecimento”, que se vai restringir a Luanda, a capital, onde a equipa tem agendadas entrevistas com músicos, críticos e outros peritos angolanos, nomeadamente do Ministério da Cultura, identificados com a ajuda de João Fortunato, “reputado crítico de música angolana” e consultor do projeto.