Meteorologia

  • 29 MARçO 2024
Tempo
13º
MIN 8º MÁX 15º

"Não sou iluminado, nem grave, nem sério. Sou um gajo que escreve cenas"

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com um dos mais controversos escritores portugueses da atualidade. Se por um lado, há quem o ame e até lhe peça para ser padrinho de casamento, por outro, existe quem o critique severamente pelos seus livros. Chagas Freitas revelou-se ausente dessa realidade, até porque sempre se considerou apenas como um "gajo que escreve cenas".

"Não sou iluminado, nem grave, nem sério. Sou um gajo que escreve cenas"
Notícias ao Minuto

08:15 - 17/02/18 por Mariline Direito Rodrigues

Cultura Pedro Chagas Freitas

Aos 38 anos, Pedro Chagas Freitas é um dos escritores mais populares em Portugal. Com mais de 20 livros lançados ao longo da sua carreira, foi em 2014, com o sucesso 'Prometo Falhar', que conquistou verdadeiramente os corações dos leitores. É precisamente este livro que irá começar a ser vendido nos Estados Unidos e Reino Unido, representando assim uma das grandes conquistas da sua carreira.

Define-se como "um gajo que escreve cenas", pois não acredita que haja uma identificação entre aquilo que é e a perspetiva clássica da palavra escritor. Se por um lado, arrasta milhares de pessoas com as suas histórias, por outro é alvo de inúmeras críticas. Mas não se preocupa com isso, como garante, até porque considera normal que aconteça sempre essa divisão. 

Além disso, Chagas Freitas vive agora um momento muito feliz a nível pessoal. Esta semana, o "gajo que escreve cenas" foi pai pela primeira vez, conforme fez questão de partilhar nas redes sociais, a sua via de contacto com os leitores, para lá dos livros, é claro. A entrevista foi feita antes do nascimento do bebé, mas já nessa altura se mostrava se entusiasmado com o que estaria para vir.

Como é que são as suas rotinas de escrita?

Depende, se for um romance com princípio meio e fim tento ter alguma disciplina, escrever por exemplo um capítulo por dia. Mas quando são textos mais curtos não há um número definido, normalmente é escrever todos os dias, porque, se não, é um dia falhado.

Não sou muito de acreditar nessa coisa da inspiração

E sente que há dias que são mais difíceis do que outros?

Não sou muito de acreditar nessa coisa da inspiração, acho que quando temos de escrever, escrevemos, pode é demorar mais ou menos. Evidentemente que o texto é diferente de um dia para o outro, mas aquela coisa da inspiração não é algo que me conquiste.

Então como é que responde à 'típica' questão: em que é que se inspira para escrever os seus livros?

Em nada e em tudo ao mesmo tempo. Inspiro-me no que li, no que vivi... em tudo.

Como é que surgiu o seu gosto pela escrita?

Antes de escrever... já escrevia. Antes de juntar as letras como qualquer criança, já criava as minhas histórias. Fazia de conta que era não sei quem, que é algo que as crianças fazem sempre. A partir do momento em que percebi que a ferramenta da escrita me permitia manter aquela história e depois também fazer com que outras pessoas a pudessem conhecer através do que estava escrito fiquei viciado nesse ato da escrita.

Tem alguma história preferida?

Todos temos histórias interessantes. Às vezes achamos que a nossa vida é muito desinteressante, mas quando a transpomos para a escrita percebemos que encontramos ângulos sempre interessantes. E é isso que me fascina quer no processo de leitura, quer no de escrita. Perceber que o momento menos radioso acaba por se tornar no texto mais interessante.

Há pessoas que adoram os seus livros e outras que os detestam. Como é que lida com esta disparidade?

Quando fazemos coisas que são vistas por muito pessoas, hão-de haver aquelas que gostam e as que não gostam. Não perco tempo nenhum com isso, escrevo o que me apetece, o que as minhas personagens me pedem. Isso são coisas que me fogem do controlo e que não me cabe a mim percebê-lo. Sei que é natural.

Nunca escrevi para gerar burburinho, escrevo o que me apeteceMas quando começou a escrever tinha a noção de que iria ser um escritor tão 'polémico'?

Nunca escrevi para gerar burburinho, escrevo o que me apetece. Mas esse processo de ter ruído à volta é naturalíssimo quando chego a muitas pessoas. Se tiver 10 a ler e 1 não gostar e depois se tiver 10 milhões já é um milhão que não gosta… Quanto maior a visibilidade, maior a ocorrência disso.

Por que razão acha que surgem estas críticas?

Não faço ideia, nem perco um segundo com isso. Gasto antes a energia que tenho com o que sou a escrever. E depois o que os leitores fazem com o que escrevo já é parte deles, da singularidade deles, da forma de verem o que está ali.

Escrevo o que mexe comigo e isso acaba também por mexer com as pessoasQuem olha para o percurso literário do Pedro percebe que existem dois temas notórios: por um lado o amor, por outro, o sexo. Sobre qual é mais difícil escrever?

Não há nada que seja mais ou menos difícil. Esses dois temas estão presentes como estão tantos outros. Há obras mais humorísticas, há outras mais voltadas para a emoção e quem me ler um bocadinho mais vai perceber que não há só isso. Todos os livros são livros de amor, além disso não conheço nada melhor que o amor. Por isso, escrevo o que mexe comigo e isso acaba também por mexer com as pessoas.

Fiz uma apresentação em Lisboa em que tinha quatro pessoas e duas eram os meus pais. Percebi aí que tinha de ir à procura dos meus leitoresAté conseguir ser reconhecido como escritor, o que é que fez, por que processo passou?

Quando lancei o meu primeiro livro fiz uma apresentação em Guimarães, onde tinha muita gente, mas depois quando fiz a apresentação em Lisboa tinha quatro pessoas e duas eram os meus pais. Percebi aí que tinha de ir à procura dos meus leitores. Foi então que criei um blogue e depois aos poucos fui ‘pescando’ os meus leitores. Ao fim dos tais nove anos, quando surge o ‘Prometo Falhar’ ,em 2014, já tinha mais de 100 mil pessoas a seguir-me, portanto foi um processo lento, que deu trabalho e que me fez sentir muitas vezes que queria desistir. Aliás, é isso que tento dizer às pessoas que me procuram com esse desejo, que querem escrever, que nunca desistam, que depois quando chegar a altura… nós nunca sabemos, pode demorar 19, 30 ou 40 anos.

Antes de começar a escrever também passou pelo marketing. Aplicou algumas das técnicas que aprendeu na promoção dos livros?

Quando olhamos para um autor estamos a ver no fundo uma marca, seja ela qual for. O nome de um autor associo a algo, então nesse sentido é uma marca. Mas a minha ideia não era essa. Grande parte do que fui mostrando foi escrito antes de existirem sequer as redes sociais.

Não sou iluminado, nem grave, nem sério no sentido cinzento da coisaNa sua página de Facebook define-se como “um gajo que escreve cenas”. Não se considera um escritor?

Uso para retirar o peso que muitas vezes colocam sobre a palavra escritor, que é aquele ser iluminado, muito grave e sério. Não sou iluminado, nem grave, nem sério no sentido cinzento da coisa. Sou uma pessoa normal, um gajo que escreve cenas. O meu trabalho neste caso é escrever cenas e essas tretas depois podem transformar-se em livros ou não. O que faço é escrever cenas, não me considero escritor no sentido clássico da palavra.

Já fui convidado mais do que uma vez para ser padrinho de casamentoLembra-se de alguma situação em particular que tenha passado com algum leitor?

Lembro-me, por exemplo, de uma leitora que veio de Madrid para uma apresentação, que tinha os livros todos e que aprendeu a ler em português. Outra da Bulgária que começou a aprender português também para ler os meus livros. Há também casais que usam os meus textos para comunicar entre si e já fui convidado mais do que uma vez para ser padrinho de casamento. Essas situações acabam por ser fortes e marcam-nos.

Vai chegar agora aos Estados Unidos e ao Reino Unido. Como é que ficou quando soube que ia ter esta oportunidade?

Julgo que este passo é fundamental, estou entusiasmadíssimo. Acredito que vai ser uma experiência muito boa e estou bastante curioso porque estamos a falar da língua mais falada do mundo. E depois ver o livro em inglês é uma experiência forte.

O que mais teme?

O que eu mais temia era não ter o livro em inglês. Agora não há muito a temer e desde logo estar feliz e continuar a escrever. Julgo que grande parte das dificuldades que sinto acabam por se resolver da mesma maneira que é a escrever.

Disse-me que ia ser pai… como é que está a lidar com esta fase?

Estou a morrer de ansiedade… aquela coisa de não sabermos o que vem aí deixa-nos logo com o coração acelerado. É uma experiência que estou a sentir pela primeira vez e que até agora recomendo.

Quero viver sempre na LamecholândiaContinua a acreditar que um país perfeito continua a ser na ‘Lamecholândia’?

Sempre, vivemos para sentir coisas e eu sou viciado nisso, como sou viciado em histórias. Quero viver sempre na Lamecholândia, com as pessoas que gostam de mim e de quem eu gosto.

Quando é que será o lançamento do próximo livro?

À partida será já em abril.

Soubemos que uma das formas de agradar mais aos fãs é escrever uma dedicatória personalizada. Conseguiria fazer isso com o Notícias ao Minuto?

Claro: "Notícias são pedaços de viagens, são construções que alguém faz para nós visitarmos. Visitem todos os dias os vossos locais favoritos, talvez se encontrem por lá. Com um abraço do Pedro".

Recomendados para si

;
Campo obrigatório