'Visão astral' de Pessoa inspirou Rui Lage a escrever 'O Invisível'
O escritor Rui Lage, vencedor do Prémio Agustina Bessa-Luís Revelação, com o romance "O Invisível", afirmou que foi o interesse de Fernando Pessoa pelo espiritismo e a "visão astral" que o levou a escrever esta ficção.
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Em declarações à agência Lusa, Rui Lage, de 42 anos, disse que a ideia do romance lhe surgiu quando leu "pela primeira vez certa carta enviada por Fernando Pessoa à sua Tia Anica, datada de 24 de julho de 1916".
"Perguntei-me, então, se não haveria ali matéria para um romance: participação de Pessoa em sessões 'semi espíritas', 'mediunidade legítima', 'visão astral' e 'visão etérica', com um notório episódio ocorrido [no café] Brasileira do Rossio [em Lisboa], em que terá visto 'as costelas de um indivíduo através do fato e da pele', e escritos 'automáticos' ditados por entidades incorpóreas", disse.
Rui Lage, para escrever este romance, foi motivado pelo interesse de Fernando Pessoa (1888-1935) pela "quarta dimensão", que teve em comum com inúmeras personalidades das vanguardas do início do século XX, designadamente o escritor Guillaume Apollinaire, os artistas plásticos Marcel Duchamp e Pablo Picasso, e com diversos matemáticos e físicos teóricos, de Poincaré a Einstein, além de escritores como Oscar Wilde, Rudyard Kipling, F. Scott Fitzgerald e Joseph Conrad.
O conceito da "quarta dimensão" teve grande divulgação no início do século XX e foi "identificado como uma dimensão suplementar do espaço, inacessível à comum perceção humana, na qual se diluíam as categorias ordinárias com que pensamos a realidade, perdendo sentido as fronteiras entre o finito e o infinito, o visível e o invisível", recorda Rui Lage.
Pessoa "assimilou elementos de várias dessas conceções, tendo especulado sobre uma 'quarta dimensão da mente', plano de radical liberdade criativa -- e de promiscuidade entre 'magia' e criação literária --, em que vários podiam coexistir no mesmo, e que ele refere, aliás, num texto a propósito da criação heteronímica, como lugar onde teriam surgido [os seus heterónimos como] [Ricardo] Reis, [Álvaro de] Campos e [Alberto] Caeiro num 'golpe de magia intelectual'".
"Houve, contudo, uma passagem que me 'deu' o romance, que verdadeiramente me decidiu a escrevê-lo", disse Rui Lage à Lusa. "E fui encontrá-la na 'Declaração de Diferença', texto assinado por Bernardo Soares [outro heterónimo de Pessoa], com a indicação para ser inserta no 'Livro do Desassossego'".
Rui Lage disse não nutrir "especial fascínio pelo ocultismo e pelo espiritismo".
"O meu princípio orientador é a razão. Mas fascina-me o fascínio do nosso maior génio literário por tais matérias", afirmou, em declarações à Lusa.
Depois, "a partir destes motivos fui desfiando uma trama que tem Fernando Pessoa como protagonista, inventando-lhe um percurso existencial alternativo que se cruza com personagens reais ou efabuladas, alterando vários aspetos da sua biografia mas mantendo o maior número possível de informações verídicas, atestadas pelos seus biógrafos".
"Por outro lado, não resisti a preencher com elementos ficcionais um dos mais estranhos vazios autobiográficos da cultura portuguesa: os nove anos passados por Pessoa na África do Sul, dos quais ele não deixou praticamente rasto na sua obra literária, apesar de parecer impossível que a paisagem humana e natural de Durban não tivesse de alguma maneira marcado uma personalidade em formação como era a dele nessa época. Essa lacuna permitiu-me fabricar uma génese para as inclinações mediúnicas e ocultistas de Pessoa".
O autor disse à Lusa que 'O Invisível' teve três versões antes de o candidatar ao galardão, e levou cinco anos a escrevê-lo, incluindo "longos períodos de pousio".
Rui Lage venceu por unanimidade o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís, no valor de 10.000 euros, com o romance 'O Invisível', que propõe uma abordagem ficcional do lado mais oculto de Fernando Pessoa.
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