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"Na minha aldeia sou só a mãe dos meus filhos e não uma escritora famosa"

Dolores Redondo esteve esta semana em Portugal para apresentar o seu mais recente livro que está a ser um verdadeiro êxito. Em conversa com o Notícias ao Minuto falou da sua carreira de sucesso, de como consegue conciliar o trabalho com a vida familiar e, claro, também abordou a questão da independência da Catalunha.

"Na minha aldeia sou só a mãe dos meus filhos e não uma escritora famosa"
Notícias ao Minuto

07:38 - 22/10/17 por Patrícia Martins Carvalho

Cultura Dolores Redondo

�Tudo Isto Te Darei’ já vendeu mais de 1,3 milhões de exemplares em Espanha onde já vai na sua 17.ª edição.

Dolores Redondo é a escritora espanhola do momento, mas o seu sucesso já vem do passado, mais precisamente desde que lançou ‘O Guardião Invisível’, o primeiro livro da Trilogia Baztán que chegou este ano à sala dos cinemas. No próximo ano serão rodados os filmes referentes aos outros dois livros da trilogia, sendo que os direitos cinematográficos de ‘Tudo Isto Te Darei’ também já foram vendidos.

Vencedora do mais importante prémio literário em Espanha, Dolores Redondo concretizou um “sonho”, mas não é por essa razão que agora viverá em função disso.

Numa conversa informal no Instituto Cervantes, em Lisboa, a escritora revelou que já está a escrever a próxima obra, admitindo ter sido difícil escolher o tema por ter “10 histórias na cabeça ao mesmo tempo”.

Mas quanto ao próximo livro não quis levantar nem uma pontinha do véu. Agora é tempo para conhecer e desfrutar de ‘Tudo Isto Te Darei’, uma história de mentiras, de amor e de famílias poderosas que encobrem crimes.

Conquistou o prémio Planeta 2016 com o livro ‘Tudo Isto Te Darei’. Qual é a sensação?

Eu queria muito este prémio. Para mim significava muito, afinal é o prémio mais importante da literatura em Espanha. Além do mais desde miúda que queria ser escritora e que dizia que um dia seria eu a ganhar o prémio. Foi a concretização de um sonho.

Como estão a correr as vendas do livro?

Muito bem. Em Espanha é o prémio Planeta mais vendido dos últimos 10 anos. Desde que Eduardo Mendoza ganhou o prémio Planeta nenhum outro prémio vendeu tanto. Em Espanha está entre os 10 livros mais vendidos do ano.

Como se sente com este sucesso?

Estou muito feliz. Sinto-me apoiada pelos leitores que já vêm da trilogia do Baztán e sei que o prémio levará muitos leitores que não me conheciam a fazer agora o caminho inverso: ler este último livro e chegar depois à trilogia.

Como estava ocupada a escrever, nem tive muito tempo para me sentir embriagada pelo sucesso Ficou surpreendida com o êxito da trilogia?

O sucesso do primeiro livro surpreendeu-me muito. Depois foi tudo acontecendo, tudo crescendo. Como estava muito ocupada a escrever – entre 2013 e 2016 escrevi quatro livros – e a viajar para promover os livros nem tive muito tempo para me sentir embriagada pelo sucesso.

Então quando é que começou a sentir-se embriagada pelo sucesso?

No princípio, quando todos me diziam ‘isto nunca aconteceu’, ‘isto não é normal’. ‘O Guardião Invisível’ foi apresentado em Frankfurt, em 2011, e logo aí conseguimos contratos de publicação com seis editoras internacionais e espanholas. Foi publicado em Espanha, em 2013, e nessa altura já estavam vendidos os direitos cinematográficos. É como uma montanha russa: quando se está a chegar ao topo já se está a descer outra vez e depois a subir outra vez. É tudo muito rápido, quase que não dá para sentir.

Então não tem tempo para desfrutar do êxito?

Eu desfruto, claro. Desfrutei, em primeiro lugar, quando, em 2011, me disseram que iam publicar ‘O Guardião Invisível’. Nesse mesmo ano publiquei a segunda parte (‘Legado nos Ossos’), no ano seguinte publiquei a última parte (‘Oferenda à Tempestade) e em 2016 apresentei o ‘Tudo Isto Te Darei’ ao prémio Planeta. Não tenho tempo para parar, mas é claro que desfruto, estou sempre muito feliz. Tudo isto é muito bom, mas há que continuar a trabalhar.

Tudo Isto Te Darei’ também será uma trilogia?

Não. É um só livro que escrevi para apresentá-lo ao prémio Planeta. O prémio merece que seja uma peça única, não uma trilogia.

Na minha aldeia sou apenas a mãe dos meus filhos e não uma escritora famosaSer uma escritora famosa alterou muito a sua vida?

Não muito. Eu levo uma vida simples, vivo numa pequena localidade de oito mil habitantes, tenho um filho de 18 anos e uma filha de 12 e na minha aldeia sou apenas a mãe dos meus filhos e não uma escritora famosa.

E consegue conciliar o trabalho com a vida familiar?

Sim. A verdade é que eu passo muito tempo em casa. Os meus filhos fartam-se de me ver [risos], porque estou sempre em casa a trabalhar no meu escritório que tem uma parede de vidro e eles conseguem ver-me e eu consigo vê-los. O ato de escrever tem várias fases e em muitas delas consigo conciliar a vida profissional com a pessoal. Quando os meus filhos estão na escola eu estou a escrever e quando eles estão em casa eu passo o maior tempo possível com eles.

Disse que escrever tem várias fases. Que fases são essas?

Uma absolutamente pública em que viajamos e conhecemos os leitores, o que também é muito satisfatório. A parte mais bonita é talvez o encontro direto com o leitor, quando alguém que leu transmite o seu momento de vida em que leu, como se sentiu… isto são confissões íntimas. Mas depois também temos a parte em que estamos muito tempo fechados em casa.

Para escrever tem de estar sozinha, em silêncio, ou lida bem com o ruído?

Ter começado a escrever quando os meus filhos eram pequenos foi uma boa formação, porque ganhei a capacidade extraordinária de me abstrair dos ruídos. É certo que há momentos em que a história está muito intensa e preciso de estar sozinha, mas também há momentos – documentação, correção – em que consigo trabalhar com os meus filhos à minha volta a andar de patins e aos gritos, como já aconteceu.

Eu não escrevo sobre crimes. Eu escrevo sobre a alma humana

Porquê escrever sobre crimes?

Eu não escrevo sobre crimes. Eu escrevo sobre a alma humana, as paixões do ser humano, o amor, a família, o impacto que a morte violenta tem nas pessoas. Os meus livros têm matrizes de outros géneros, são mestiços, pois tocam vários géneros literários.

E do que fala ‘Tudo Isto Te Darei’?

Fala de crime, de cobiça, de uma família poderosa e dos privilégios das famílias poderosas, de como se pode silenciar um crime, mas também é uma historia de amor. Fala também de como nunca estamos seguros de conhecer a pessoa que está ao nosso lado e em como devemos renunciar em saber tudo o que vai dentro da cabeça da outra pessoa senão damos em loucos. Há um momento em que temos de aceitar que há coisas sobre o nosso companheiro que nunca saberemos. É mesmo assim e normalmente não traz grandes problemas.

Mas a ‘Manuel’ traz…

A ‘Manuel’ traz e isso vai levá-lo a pensar até que ponto ele é responsável por não se ter inteirado do que se passava na vida do marido. Há um momento em que ‘Manuel’ acredita que viveu rodeado de mentiras. Mas vai ter de descobrir até que ponto é responsável por não saber o que se passava, por se ter mantido à margem com a desculpa de ser escritor e de ter tido uma vida sofrida.O 'Manuel' é a Dolores Redondo, mas não na totalidade

Manuel’, a personagem principal, é escritor. É um reflexo da própria Dolores?

Ao ter uma personagem que é escritor há uma parte de mim que ali está. Mas eu não sou como o ‘Manuel’. Eu trabalho num escritório fechada, mas com uma parede de vidro que me permite comunicar com o meu marido e os meus filhos. O ‘Manuel’ é a Dolores Redondo, mas não na totalidade. Eu comecei a escrever quando era miúda, enquanto o ‘Manuel’ chega à literatura quando é adulto e depois de vários traumas na vida.

Qual é a sua personagem preferida de ‘Tudo Isto Te Darei’?

Deveria ser o Manuel, mas é o Nogueira. O Nogueira, que é um tipo rude, que odeia famílias com privilégios e é abertamente homofóbico, é a personagem que mais evolui ao longo da história, pois descobrimos que é também uma pessoa com valores mais fortes e importantes do que poderia parecer à primeira vista.

Quando se quer contar alguma coisa tem de se beber da própria existência, da dor. Não se pode mentir O que é mais importante quando se está a escrever um livro?

A honestidade. Quando se quer contar alguma coisa tem de se beber da própria existência, da dor. Não se pode mentir. Somos conscientes que lemos ficção, eu estou consciente que escrevo ficção, mas mesmo quando lemos ficção reconhecemos a parte autêntica e a parte autêntica de uma ficção está sempre nas emoções e nos sentimentos e isso não se pode fingir. Tem a ver com empatia humana, que é a capacidade de nos colocarmos na pele do outro porque já passámos por aquilo ou por algo semelhante.

Então é esse o seu segredo para o sucesso?

Se quer chamar segredo, tudo bem, mas para mim é a capacidade de comunicação e de interação de todos os seres humanos. A melhor maneira para chegar a uma pessoa é ser honesta com ela, se mentir a pessoa vai perceber e não vai gostar.

Já está a escrever o próximo livro?

Sim. Tem sido um ano intenso de muitas viagens de promoção do livro e agora vou passar o inverno em casa a escrever.

Será uma história nova ou a continuação da Trilogia de Baztán?

Para já não quero revelar, quero que seja uma surpresa.

A situação na Catalunha poderia ser o mote para um livro seu?

Não, de todo.

A política não me traz histórias interessantes. A política é aborrecida, os processos são lentos e nos últimos anos demonstrou muita inoperância

Por que não?

Porque a política não me traz histórias interessantes. A política é aborrecida, os processos são lentos e nos últimos anos demonstrou muita inoperância… eu prefiro os policiais.

Concorda com a independência da Catalunha?

Eu posso concordar com tudo desde que as pessoas defendam as suas ideias de uma forma democrática. Eu acredito na democracia.

Um referendo em Espanha resolveria a questão?

Nunca haverá um referendo em Espanha. O conceito de que uma região se separe de Espanha não está contemplado na Constituição, isso não vai acontecer, nem a Constituição vai mudar nesse aspeto porque vai contra os fundamentos iniciais.

A Catalunha é minha irmã e não quero que sofra Então como é que se pode resolver esta questão?

O que peço é que a classe política pare com a crispação. Não se pode solucionar o problema de forma violenta e perguntar em Espanha sobre a independência da Catalunha levaria a um confronto entre irmãos. A Catalunha é minha irmã e não quero que sofra e se se pode alcançar um acordo em que eles [catalães] sejam felizes e que seja um acordo pacífico e dialogado… bom, não teria qualquer problema em aceitar a independência.

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