É essa a perspetiva do curador da mostra, António Saint Silvestre, que explica que a sua motivação para o projeto resultou do "choque" que lhe vêm provocando as frequentes notícias sobre situações de racismo em território português.

"É lamentável ver que ainda há tanto racismo em Portugal em pleno século XXI", declara à Lusa o curador, natural de Moçambique. "O objetivo da exposição ao reunir estas 90 obras de Arte Bruta, Arte Singular e Arte Contemporânea é mostrar que na Arte não há raças - brancos, pretos, amarelos ou qualquer que seja a nossa cor, todos temos poder criativo, todos somos inspirados pela vida para criar coisas novas", realça.

António Saint Silvestre defende que a sociedade deve, aliás, "reaprender a respeitar a herança africana", na consciência de que o continente negro "foi o berço da humanidade e ponto de partida para a conquista de novos territórios em todo o planeta".

Se hoje a situação se inverteu, sobretudo em termos económicos, o continente africano não deixa ainda assim de ser "rico em criatividade" e até "inspirador" na forma como os seus artistas recorrem à reutilização de objetos correntes em fim de vida, como sacos plásticos, latas de 'spray' e refrigerantes, escovas de dentes, calçado, arames e brinquedos.

"E transformam isso tudo em obras de arte, só pela força da sua criatividade", sublinha António Saint Silvestre.

Pinturas, desenhos, esculturas, cerâmicas e instalações, as obras em exposição na Oliva até 05 de março foram selecionadas entre as cerca de 1.200 que compõem a Coleção Treger/Saint Silvestre.

"In and Out of Africa" dará a conhecer dois núcleos distintos de artistas: um relativo aos que, ainda ativos ou já falecidos, sempre viveram em África, como é o caso de Gérard Quenum e Serge Mikpon "Aston" (do Benim), Dexter Nyamainasche (do Zimbabué) e Moffat Takadiwa (de África do Sul); e outro dedicado a criadores radicados noutros países, como John Henry Toney, Mary T. Smith e Mose Tolliver (dos Estados Unidos), John Silvestre e Serge Jolimeau (do Haiti), e Mamadou Cissé (de França).

Entre esses criadores, António Saint Silvestre destaca o cubano Daldo Marte, cujos quadros com figuras tridimensionais esculpidas em borracha de câmaras de ar refletem o seu "medo por extraterrestres". Esse receio deriva de problemas psiquiátricos que levam o artista a temer ser "atingido por raios ao circular na rua, pelo que muitas vezes sai de casa vestido com um fato de cartão".

O norte-americano Royal Robertson, por sua vez, aplica as capacidades de memória associadas à síndrome de Asperger na criação de calendários ilustrados de dupla-face, enquanto o beninês "Aston" expressa as suas posições de ordem económico-ambientalista em obras como aquela que transforma mais de 200 peças de lixo numa recriação da Volta a França em Bicicleta.