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Momo, o músico do enigma que "abraça o amor" com melodias brasileiras

A viver há dois anos em Portugal, Momo, nome artístico de Marcelo Frota, é mais uma alegre surpresa que surge da nova cena da música brasileira. Com melodias que ficam preenchidas apenas pela sua voz, o músico não desiste de "buscar" o encaixe perfeito entre a letra e a melodia.

Momo, o músico do enigma que "abraça o amor" com melodias brasileiras
Notícias ao Minuto

11:50 - 10/02/17 por Inês Esparteiro Araújo

Cultura Artistas

Deuses, a mística e o amor parecem ser algumas das palavras essenciais para caracterizar a música de Momo. Brasileiro, mas a viver por terras lusas, toca hoje no Teatro São Luiz para dar a conhecer o novo álbum 'Voa'. Depois de já ter conquistado aplausos da crítica, o carioca falou com o Notícias ao Minuto e confidenciou que todos os dias tenta encontrar "o lugar da convergência".

De onde vem este nome Momo? O que significa?

Estreei este nome em 2006, quando lancei o primeiro disco, ‘Estética do Rabisco’. Na época achei-o muito diferente das coisas que tinha feito anteriormente com o meu nome Marcelo Frota. Achei que aquele álbum não estava a ser feito pela mesma pessoa, parecia muito diferente, com outra atmosfera e achei que tinha de criar um nome que correspondesse, que tivesse sintonizado com aquela atmosfera. E aí comecei a procurar nomes e queria um que fosse fácil de falar em qualquer lugar do mundo (...) Momo é uma figura carnavalesca, o rei Momo. Achei isso engraçado, porque era um disco muito soturno, obscuro e fazia um bom contrabalanço com o álbum.

Identifica-se muito com este lado mais divertido, mais obscuro, ou melhor… enigmático?

Pois é… essa coisa do enigma... Tem a ver com talvez este lado mais… Não mais soturno, mas mais introspetivo da minha carreira. Eu tenho algumas coisas que são bem intimistas, o meu trabalho é muito autobiográfico. Faço muito auto-referência.

São todas elas coisas por que já passou? 

Sim, uso muito as minhas experiências pessoais e às vezes tento não ser muito direto, encontro caminhos. Claro que tenho algumas músicas que são quase crónicas, são coisas que eu vi as pessoas passar, observei e em que me inspirei. Mas esse meu lado mais introspetivo, um lado mais… não é soturno, porque eu no meu dia a dia sou uma pessoa divertida, gosto muito de rir. Mas no fazer artístico, é um lugar onde eu me identifico.

Não tem medo de mostrar esse lado mais intimista? Da reação do público?

Acho que já fiz discos mais confessionais. O meu primeiro disco é bastante confessional, ‘Buscador’ também é, mas acho que são todos muito. O penúltimo disco é só com voz e violão e por isso eu estava muito exposto, não tinha outro instrumento. Não é à toa que o nome é ‘Cadafalso’, porque é um lugar onde as pessoas são executadas,são enforcadas… Este novo disco é menos confessional porque tem parcerias com outros artistas, como o Thiago Camelo, que fez cinco músicas comigo e ele é poeta. Acho que esse lado confessional - e esta palavra até um bocado como vocês dizem...pirosa (risos) – é diluída neste último disco.

Quando começou a crescer como músico, qual era a voz que o guiava?

Ontem estava a ensaiar e sempre que canto penso no Milton Nascimento, que é a maior voz e referência na música brasileira. Na forma de cantar, de fazer as melodias… É engraçado porque sempre que estou a tocar e cantar, volta e meia penso nele. Não que eu o copie, mas há qualquer coisa na voz dele que faz transcender. Ele sintetiza muito o que é a música brasileira.

E o que é a música brasileira?

Ele é um cantor negro, que tem influência de música africana. Depois ao mesmo tempo ele pega na música mineira, na rural... O primeiro disco dele, é um disco muito vanguardista, porque eles ‘namoriscam’ com o jazz, com a psicadélico.. ele é muito ousado nas melodias e com swing, com ritmo. Além de ser um artista muito intuitivo. Mas houve um momento da minha vida que eu precisei de… Nós, no Brasil, dizemos: “Matar os ídolos”. Tive de romper com isso e não ficar ali a absorver tanta coisa, a endeusar. 

Quando é que sentiu que era a altura certa para se dedicar de corpo e alma à música? Houve momentos de dúvida?

Claro, dúvidas tenho até hoje. Eu sou um existencialista, estou sempre a pensar. Mas a pensar em muitas coisas, não só na música, mas em tudo. Acho que não foi uma escolha fácil, mas valeu muito a pena. A música para mim é quase como um modo de vida, é uma filosofia. Está entranhada no meu dia a dia, tenho assim uma relação de quase devoção pela deusa música. Mas eu acho que a viragem foi no meu primeiro disco, porque quando ele saiu eu consegui ter críticas políticas e isso incentivou-me. Foi o disco que mais conseguiu cruzar vários mundos. 

Qual é que sente que até agora tenha sido o momento mais alto da sua carreira? Ou ainda está para vir?

Acho que ele já aconteceu, acontece todos os dias. Esse momento é hoje. Passamos por tanta coisas boas e difíceis o ponto é isso. Estar aqui hoje, a falar contigo. E a falar do meu trabalho. É um dia de cada vez no meu dia a dia. Acho que o ponto alto é estar aqui hoje.

Em algumas entrevistas que li suas, cria muito uma ideia de um mundo à parte, o dos deuses. De embelezar, de criaturas superiores. Porquê esse lado? Onde surge essa necessidade?

Eu sou uma pessoa mística. Fui criado numa escola católica. Desde pequeno que estudei numa escola católica. Não sou religioso, mas sou uma pessoa que está sempre em busca do espiritual. Acho que dizer que sou espiritualizado é um tanto quanto arrogante. As coisas para mim andam juntas. Realmente acredito em várias coisas, em vários deuses.,em várias entidades. E, por isso, estou sempre a tentar entender o movimento da vida. Ir atrás do que faz sentido. São sinais. Estou sempre atrás deles. A música para mim não deixa de ser um exercício de isso tudo. Acho que é o lugar onde eu consigo sossegar e encontrar um lugar dentro de mim, onde parece que o mundo se silencia e eu consigo acalmar. Costumo falar do barulho do mundo. É essa coisa que a gente vive, de entrar num padrão quase automático no dia a dia e acabamos por nos esquecer de nós mesmos e do que é essencial para mim. E o que é essencial é essa paz.

Há muitas pessoas que ouvem as suas músicas e afirmam que cada uma delas é composta por palavras que parece que escolhe a dedo, de propósito para tocar no interior dessas pessoas. Sente isso também? Que está sempre em busca da palavra certa?

O meu processo criativo é muito intuitivo. Há músicas e letras que saem em 15/20 minutos, em que faço uma espécie de download e aquela música chega toda, porque para mim a música está no universo. A minha ligação com a música é isso. É tentar conectar-me com essa inspiração. É claro que isso parece místico, mas também sei o que é ficar três ou quatro horas a fazer uma música. A escolher as palavras, a mudar, a tentar aperfeiçoar. Mas o meu processo é muito intuitivo. Vou muito pela música, pelo som, pela métrica da melodia, a respeitar as sílabas tónicas. Acho que a melodia quando chega, chega com uma letra associada e cabe-me a mim tentar decifrar qual é essa letra. Quando a letra exerce uma certa hierarquia dentro de uma música, acho estranho.

É engraçado dizer isso porque normalmente as pessoas tomam mais atenção à letra do que a outra coisa.

Eu tomo atenção à letra, mas acho que o bom resultado é quando… É meio antagónico: a letra não passa despercebida, porque para mim ela passa mais ‘percebida’ dentro de uma melodia que eu acho que é a palavra certa. O difícil da composição é encontrar a palavra certa que encaixa naquela melodia. Quando essa química, essa simbiose, não acontece, parece que a letra está em guerra com a melodia.

Há pouco disse que umas demoram mais do que outras a fazer. Até agora, qual é que sente que foi a mais difícil de compor, que teve mais dificuldades de sair cá para fora?

Neste disco por exemplo, a música ‘Roseiras’, que fiz com o Thiago, irmão do Marcelo Camelo, ficámos uma tarde inteira para terminar esta música. Foram umas quatro, cinco horas. É um texto muito grande e nós fomos muito minuciosos. E eu gosto muito do resultado.

Fale-me um pouco melhor deste último álbum.

Foi a primeira vez que tive um produtor a trabalhar no disco efetivamente desde o início. Na seleção do repertório, que eu acho que foi muito bem escolhido. O Marcelo Camelo ia pedindo para eu fazer as músicas, eu ia fazendo, já estava aqui em Lisboa. Jamais faria este disco desta maneira. Ele trouxe a musicalidade dele. Isso está impresso no disco. Principalmente a parte rítmica. Eu dizia-lhe a brincar que era uma orquestra rítmica (…) É um disco mais para fora, menos para dentro, menos auto-confessional. E também tem esta luz de Lisboa e tem Alfama que foi o bairro onde morei nos últimos anos. É um disco que tem luz. É um disco feliz.

Entretanto já teve oportunidade de cantar com alguns cantores portugueses, entre eles fadistas, como o Camané. Como foi essa experiência?

O meu encontro com o Camané foi um encontro muito feliz. Quando o conheci eu não sabia que ele era o Camané [risos]. Se eu soubesse, acho que ficaria muito intimidado! De estar ao lado dele. Ele é um artista único, é um cantor. O que ele canta, vira dele. E isso é uma coisa muito difícil. O jeito que ele diz as coisas, a densidade nas palavras, no canto. Eu nunca vi alguém cantar desta forma. A primeira vez que o ouvi cantar fiquei impressionado. Hoje vou aos concertos dele e até hoje quando o ouço cantar choro. E ele ajudou-me a construir este disco, porque foi a pessoa que me incentivou a ficar em Lisboa.

Cada vez mais se nota, com António Zambujo e Carminho por exemplo, uma sinergia entre os músicos portugueses e brasileiros.

O facto de sermos países irmãos, de falarmos a mesma língua, ajuda. Tenho acompanhado estes trabalhos e acho que chegou muita coisa do Brasil para cá nestes últimos anos, não sei se por causa das telenovelas. No Brasil acho que não conhecemos tanto a música portuguesa. Acho que estamos a perder e a deixar de ouvir muita coisa boa, mas acho que, como disse, isso tem vindo a acontecer nos últimos anos. E vocês também não andam só a ouvir as coisas que chegam do mainstream, das rádios ou das novelas. Acho que o povo português está atento à nova cena da música brasileira.

Há certos artistas, por cá, que dizem que a cultura em Portugal acaba por ser colocada em segundo plano. Acha que isso também acontece no outro lado do Atlântico, do seu lado?

O Brasil é um país muito grande, é um território gigantesco. Nos últimos anos as políticas de incentivo cultural foram muito grandes. Temos a Lei Rouanet, a lei de incentivo à cultura. Posso dizer que nos últimos anos, as coisas que não são mainstream, artistas como eu encontraram saídas e soluções para conseguir driblar e sair ‘deste lugar’. Mas o Brasil tem dimensões enormes.

E os planos? Sei que está sempre em busca de algo.

Os planos [risos] Continuar a trabalhar… Apesar desta coisa da mística, acredito muito no trabalho também. Acho que cada disco impõe um novo desafio, mas cada dia também impõe. Vejo tanta coisa estranha a acontecer, mas estou sempre a tentar encontrar o lugar de convergência. A tentar encontrar o que tenho em comum com o outro, para poder não entrar nesses embates, porque acho que o amor tinha que abraçar o mundo. O amor é o contraponto para tudo isto.

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