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"Um homem de cultura que gostava de o ser"

Mário Soares "era um homem de cultura e gostava de se afirmar enquanto tal", disse a historiadora de arte e museóloga Raquel Henriques da Silva, que realçou como "grande legado" do antigo Presidente, na área cultural, a Fundação Mário Soares.

"Um homem de cultura que gostava de o ser"
Notícias ao Minuto

23:49 - 07/01/17 por Lusa

Cultura Historiadora

"Ele era um homem de cultura e gostava de se afirmar enquanto tal, tinha genuíno prazer nas coisas, tinha boa pintura, alguma de amigos, também resultante de ofertas, e que lhe enchia as casas", disse a historiadora de arte, referindo-se à coleção do ex-Presidente da República.

"Ele não era um colecionador no sentido tradicional, não era um profundo conhecedor, mas tudo o que era cultura interessava-lhe", disse.

Raquel Henriques da Silva coordenou, enquanto diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado, uma exposição da coleção particular de pintura de Mário Soares, que começou a preparar em 1995 e abriu ao público no ano seguinte.

"Ele tinha uma série de casas, a do Algarve, a de Sintra, e as de Lisboa, e ele tinha as paredes cheias de pintura. Tinha gosto e conhecia os artistas e, além do seu gosto próprio, havia duas pessoas no campo da arte que o marcaram - o crítico de arte e literário Manuel Mendes, na sua juventude, que foi seu padrinho, um homem da oposição, e o seu vizinho, o galerista Manuel de Brito, da galeria 111, que frequentava muito", disse.

Entre artistas de quem Mário Soares foi amigo, Henriques da Silva destacou Júlio Pomar, com quem esteve preso no forte de Caxias, em 1947, artista que escolheu para executar o retrato presidencial, numa escolha entre Pomar e Júlio Resende, contou.

A museóloga referiu-se ao retrato presidencial de Pomar como "fantástico", que "quebrou completamente as regras", ao ter escolhido uma "obra absolutamente irreverente", em que surge "numa atitude descontraída".

"Ele é um homem da liberdade e é um homem com grande paixão pela vida e pela cultura. Ele adorava livros, escreveu, e escrevia muito bem, e tinha projetos de escrever muito mais".

Segundo a historiadora, até ao atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não há memória de um Presidente com "tal gosto e empenho pela arte, e detentor de uma tão interessante coleção".

"A particularidade de Soares é uma espécie de entusiasmo, de felicidade que ele liga às coisas. Ele era genuinamente amigo dos artistas e admirava-os, os poetas, os escritores, as gentes de teatro e de cinema, achava que era uma gente especial", disse.

"Ele não era um especialista, mas num país onde a cultura artística deixa um pouco a desejar em termos e investimentos, ter um Presidente que mostra uma coleção de arte, é importante", disse, referindo que "é uma coleção interessante à escala doméstica" e não comparável às de José Berardo ou de Jorge de Brito.

Mário Soares e a mulher, Maria de Jesus Barroso Soares, "foram fazendo [a coleção] com gosto, que tem trabalhos grandes, e trabalhos pequenos, ligada aos seus 'compagnons de route'", afirma a museóloga que também dirigiu o antigo Instituto Português de Museus.

O ex-Chefe de Estado "admirava imenso" a pintora Helena Vieira da Silva e "empenhou-se muito, na Presidência da República, na constituição da Fundação Fundação Arpad Szenes - Vieira da Silva", que foi inaugurada, em Lisboa, em 1994.

Entre os artistas de que Mário Soares gostava, a historiadora de arte referiu o escultor João Cutileiro e o pintor Nikias Skapinakis.

Mário Soares, contou Raquel Henriques da Silva, "gostou particularmente, adorou mesmo, e ficou muito contente com um quadro encomendado pela comissão das comemorações do centenário da República a Skapinakis, que fez uma espécie de alegoria da bandeira nacional"

Todavia, realçou a historiadora de arte, "aquilo em que Mário Soares mais se empenhou, e que nos deixa um legado importante, e a quem deu autonomia, [foi] a Fundação Mário Soares".

A Fundação tem um papel de referência "no domínio da investigação" e tem um "arquivo muitíssimo importante do nosso país, de memória, ligado à política do século XX e à guerra. [A História] foi a maior paixão do [Mário] Soares e aquilo em que ele podia ser considerado um especialista".

"A grande paixão da vida de Mário Soares foi a história, [paixão] que herdou de seu pai, e a política", enfatizou.

"A cultura fazia parte da vida dele, era um 'bon vivant', gostava de comer, de estar rodeado de gente interessante, não era um 'parvenu', isto é, um novo-rico. Era um homem que vivia bem, e a casa dele era a de um intelectual com experiência de vida".

Mário Soares morreu hoje, aos 92 anos, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, onde estava internado há 26 dias, desde 13 de dezembro.

O Governo decretou três dias de luto nacional, a partir de segunda-feira.

Soares desempenhou os mais elevados cargos no país e a sua vida confunde-se com a própria história da democracia portuguesa: combateu a ditadura, foi fundador do PS e Presidente da República.

Nascido a 07 de dezembro de 1924, em Lisboa, Mário Alberto Nobre Lopes Soares foi fundador e primeiro líder do PS, e ministro dos Negócios Estrangeiros, após a revolução do 25 de Abril de 1974.

Primeiro-ministro entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985, foi Soares a pedir a adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1977, e a assinar o respetivo tratado, em 1985. Em 1986, ganhou as eleições presidenciais e foi Presidente da República durante dois mandatos, até 1996.

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