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Antes do Nobel, já canções de Dylan eram lidas como poemas em Coimbra

O docente irlandês Stephen Wilson ensina a obra de Bob Dylan, há cerca de 20 anos, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, num currículo que também aborda Shakespeare.

Antes do Nobel, já canções de Dylan eram lidas como poemas em Coimbra
Notícias ao Minuto

18:25 - 20/10/16 por Lusa

Cultura Mestrado

Muito antes de o músico receber o Nobel, já os alunos de Stephen Wilson liam as canções do artista norte-americano como poemas.

Stephen Wilson era uma criança quando começou a ouvir Bob Dylan, com o lançamento do 'Blonde on Blonde', em 1966 e, na altura, entendeu-o logo como um poeta.

"Gostei das primeiras canções dele, porque podíamos ouvir as palavras. As palavras eram importantes", disse à agência Lusa o docente que leciona a obra de Dylan há cerca de 20 anos, no âmbito da especialização em Estudos Ingleses e Americanos do mestrado de Estudos de Cultura, Literatura e Línguas Modernas da Universidade de Coimbra.

Desde os anos de 1960 que Wilson segue a carreira e os diferentes caminhos e mutações de Dylan e, quando chegou a Coimbra, o especialista no poeta e crítico norte-americano Ezra Pound, que marcou a literatura inglesa, decidiu introduzir o cantautor nas suas aulas.

Porquê? Se Shakespeare, que também ensina, "é a alma da sua era, então Dylan também se tornou a alma da nossa era, do século XX", afirmando-se como um artista que sobrevive ao contexto imediato, explica Stephen Wilson.

Nas suas aulas, Bob Dylan sempre foi estudado como "poeta e 'cantautor'" e, no início, ainda sem computadores ou internet, distribuíam-se pelos alunos "cópias das palavras" do músico e as canções "eram lidas como se fossem poemas", conta.

Hoje, com outros meios, olha-se para o filme 'No Direction Home', de Martin Scorsese, que aborda a vida de Dylan e acaba por retratar um choque cultural que acontece nos anos 70, em que "algo significante na música americana acaba".

Na sua obra, o professor encontra um artista que escreve sobre a sensação de se ser capturado "pela máquina da vida moderna", articulando e compreendendo "as condições" em que a sociedade contemporânea vive.

"As canções de Dylan têm uma extensão que permite pluralidades de interpretações", ao ponto de o próprio músico cantar hoje de forma diferente as canções que criou nos anos 60.

"Está sempre em mutação e, quando o público o apanha, o compreende, ele já não está lá. Está sempre um passo à frente", refere Stephen Wilson, lembrando que, quando inicialmente ouviu Bob Dylan, foi como encontrar palavras que vinham "de outro planeta".

Para o docente, Dylan é um homem "sempre preocupado com as diferentes formas de opressão". "Mesmo no seu período pós-protesto, é alguém que se sente que fala pelo 'underdog' [oprimido]".

Ao mesmo tempo, o músico de 'Masters of War' acaba por ser uma "convergência" de várias estradas ou, usando o imaginário do 'blues' presente na obra de Dylan, de várias "linhas ferroviárias".

Em Dylan, há música afroamericana, há a tradição 'folk', bem como a relação com a música popular americana ou com a tradição literária, com referências a Dante ou Shakespeare.

Face às metamorfoses de Dylan, são vários os poetas que se podem associar à sua obra, explica Stephen Wilson, que encontra William Blake no quase apocalíptico 'A Hard Rain's A-Gonna Fall', Walt Whitman, na abertura do músico "à experimentação" ou a geração da beat generation com Allen Ginsberg à cabeça.

Pode haver também W. H. Auden ou Dylan Thomas, poeta que possivelmente obrigou Bob Dylan a mudar o nome e de onde poderá ter aprendido que "poderia ser obscuro, que as pessoas não teriam de o compreender imediatamente".

Por tudo isso, "para se perceber Dylan, a América é muito importante, mas também para se compreender a América, Dylan é muito importante", diz o professor.

Para Stephen Wilson, Bob Dylan é e sempre foi um poeta, mesmo quando a sua poesia era "muito diferente daquela" que aprendia na escola, enquanto jovem que se deixava encantar pela música e palavras do 'cantautor' americano que, há 52 anos, em 'I Shall Be Free No. 10', dizia 'I'm a poet, I know it, hope I don't blow it'.

Bob Dylan, 75 anos, foi distinguido com o Nobel da Literatura "por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana".

A Academia Sueca revelou, na segunda-feira, que desistiu de tentar contactar diretamente o músico norte-americano Bob Dylan, a quem atribuiu há quatro dias o Prémio Nobel da Literatura.

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