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Ópera na Prisão integra jovem recluso em escolas de dança e música

Um ex-recluso vai ter aulas de dança e canto na Escola de Dança Clara Leão e na Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP) no âmbito do projeto Ópera da Prisão, que envolveu 50 detidos da 'prisão-escola' de Leiria.

Ópera na Prisão integra jovem recluso em escolas de dança e música
Notícias ao Minuto

10:58 - 26/09/16 por Lusa

Cultura Projeto

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"Pedro", de 23 anos, nunca teve aulas de dança nem sequer de canto. Detido no Estabelecimento Prisional de Leiria, conhecido como 'prisão-escola', aceitou o desafio lançado para participar na "Ópera na Prisão: Don Giovanni 1003, Leporello 2016", um espetáculo que resulta da primeira fase do projeto PARTIS da Fundação Gulbenkian, que financiou a SAMP, promotora do projeto.

A experiência foi inesquecível: "Sinto-me livre, mesmo estando cá fora, sempre que canto e danço. Descobri algo que não sabia que existia dentro de mim", contou à agência Lusa o jovem que esteve detido quatro anos.

"Quando me apresentaram o projeto ainda fiquei de pé atrás, mas depois pensei, por que não experimentar?". E seguiu em frente. O mais difícil foi aprender a cantar ópera. "Tínhamos uma partitura para decorar. Gostava de a ler e cantar e era uma maneira de ocupar e passar o tempo [na prisão]. Sem treino, nada se consegue, e eu dei tudo pois sabia que só assim iria correr bem".

Uma das suas preocupações era "fazer com que as coisas dessem certo", mas para todos. "Se não desse certo para algum colega tínhamos de estar lá para o ajudar".

Libertado poucos dias depois do espetáculo em Lisboa, na Gulbenkian, "Pedro" está a trabalhar, mas quer manter-se ligado à arte. A SAMP e a Escola de Dança Clara Leão abriram-lhe as portas. O único entrave que está a enfrentar é a falta de transporte, pois o último autocarro para casa sai às 19:00. "Julgo que daqui a uns tempos vou conseguir transporte e sei que ainda terei as portas abertas".

O espetáculo em Lisboa foi "sem dúvida um virar de página. Não podia ter sido o melhor adeus para recomeçar". Na prisão, "Pedro" conclui o 12.º ano e afirma que ganhou competências de trabalho. "Estive a trabalhar no bar da prisão e ganhei horários de trabalhador e responsabilidades. No início foi, difícil, mas depois correu bem e agradeço a oportunidade e a confiança que me deram".

Para o jovem, este projeto só "traz coisas boas", pois os reclusos sentem que têm "uma mão que podem agarrar".

Paulo Lameiro, diretor artístico da SAMP e a face mais visível do projeto, confirma que o jovem vai integrar várias atividades, para depois escolher a que mais lhe interessar: "A importância desta vontade é extraordinária, porque é consubstanciar a transformação que estes jovens tiveram com o projeto. É aceitar que é importante frequentar outros grupos, aceitar a diferença e o risco de ser olhado como ex-recluso. Conseguir superar esse receio é já de sim importante", frisou.

O diretor artístico considerou que um dos aspetos mais significativos deste evento foram os "vínculos pessoais e as relações que se estabeleceram, que os levam a confiar nas pessoas e a se entregarem".

Para Clara Leão, coreógrafa e responsável pela escola de dança, "este projeto começa por ter a enorme importância de alertar todas as pessoas que reclusos são seres humanos e que depois de fazerem uma asneira qualquer cumprem o castigo e têm de continuar a ter a sua vida".

A professora acrescenta que a iniciativa mostrou que ali também estão pessoas que "não são apenas capazes de trabalhar nas obras, mas de cantar, dançar, de serem sensíveis, de chorar, de entender uma ópera, de estarem em cima de um palco e de se comoverem com aplausos".

Aliás, durante este projeto "verificou-se uma acalmia de comportamentos e uma consciencialização de responsabilidades perante os outros, professores, bailarinas".

"Uma das coisas que mais me tocou quando estávamos para começar o primeiro espetáculo foi ouvir um dizer: 'eu só não quero deixar ficar mal as bailarinas'", frisou.

"O 'Pedro' vai fazer dança contemporânea, mas também quer experimentar dança clássica. Ele nunca fez dança na vida e não tem bem a noção do que é e do que vai gostar. Tem capacidades importantes para a dança, é muito elegante, muito bonito e com muita vontade", revelou Clara Leão.

A descoberta que os jovens fizeram da "música, teatro, dança, orquestra e toda a produção" que envolveu o espetáculo "foi uma descoberta para estes rapazes, não só porque eles ao longo de três anos cumpriram um conjunto de tarefas a que não estão habituados", adiantou ainda Paulo Lameiro.

"Produzir um espetáculo que chegou ao auditório da Gulbenkian, acompanhado pela própria orquestra, é um desafio que obriga a muito esforço e dedicação".

Paulo Lameiro garantiu que este projeto foi levado muito a sério por todos os que participaram e "alguns deles já estão inscritos e a programar integrar coros, grupos de teatro e companhias de dança" das localidades onde vivem.

Clara Leão também considera que o sistema prisional deveria "apostar mais em práticas deste tipo". "Além das aulas, devia haver alguma atividade na área da expressão. Eles precisam imenso de dizer coisas, porque estão cheios de coisas para dizer, coisas que os perturbam".

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