'Leva-me à Igreja, eu vou venerar-te qual cão no altar das tuas mentiras, vou dizer-te os meus pecados só para que possas afiar a tua faca'. Lido assim não soa a música que tenha ouvido antes. Mas se se avançar, na língua original, com ‘Take me to church…’, com certeza dissipam-se as dúvidas.
Andrew Hozier-Byrne, irlandês, escreveu esta letra há cerca de dois anos, numa altura em que estava desiludido com a Igreja, com as histórias de abusos sexuais a crianças, com a forma como a comunidade LGBT era tratada pela religião organizada, de forma geral. Até essa altura era um artista desconhecido. Depois, sem contar, fez-se ouvir a nível mundial, com uma música que esperava nem passar na rádio.
Hozier, de 25 anos, esteve este último sábado em palco no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, e falou com o Notícias ao Minuto sobre a música (e o tema) que o catapultou para o sucesso, sobre as suas influências e sobre o futuro.
NaoM: É a primeira vez em Portugal, estamos aqui na sala [do Coliseu dos Recreios], como é que se sente?
Hozier: A primeira vez a tocar num sítio novo deixa-me sempre um bocadinho nervoso, sabe? Não sei se o público me conhece e se vai reagir bem. E esta sala é linda, intimista.
O último ano na sua carreira, foi um ano com muita mudança, com um sucesso quase instantâneo graças ao single ‘Take Me To Church’. O que acha que atraiu tanta atenção nesta música?
Hozier: Quando a fiz, não era um hit óbvio. Eu e o produtor até brincávamos: ‘Qual será a hipótese de isto passar no rádio’? Acho que na altura, a cultura que o top 10 musical transparecia não tinha nada a ver com as coisas de que ‘Take Me To Church’ fala.
Sim, o próprio vídeo passa uma mensagem muito crua, muito poderosa e direcionada. Foi feito com esse propósito?
Hozier: Eu andava a seguir de perto este declínio muito acentuado em termos de Direitos Humanos para com a comunidade LGBT, especificamente na Rússia, e até em geral. Acho que a música é sobre sexualidade, a liberdade para expressar isso. E há uma organização tradicional que ensina as pessoas a terem vergonha disso e que vão buscar justificação a uma entidade divina para tratar de forma diferente um grupo inteiro de pessoas e excluí-lo. A Igreja é uma organização de que institucionalizou a atitude homofóbica. E é sobre isso que é a canção. E também institucionalizou uma aversão a todas as expressões sexuais, que para mim é uma parte muito importante do ser humano. O vídeo não começou por ser só sobre a Igreja, naquela altura era só um exemplo paradigmático daquilo que este tipo de pensamentos pode gerar. E também sensibilizar para que estava a acontecer na Rússia, naquela altura.
A digressão acaba em março. Depois de um lançamento tão poderoso – graças a uma música que se tornou bastante conhecida - eleva-se também uma certa expetativa. Está nervoso, ansioso?
Hozier: Sim, há aí uma parte sobre a qual não posso saltar (Risos). Estou muito, muito ansioso por começar a trabalhar num novo álbum, mas ainda não sei que caminho tomar, percebe? Há sempre uma certa pressão depois de um lançamento comercial, e eu não estava à espera de um sucesso comercial, pelo menos não este nível de sucesso comercial para este álbum e estas canções. E cria uma certa pressão para mais sucesso. Mas se se está a fazer música pelo único propósito de vender, se se está a fazer música para chegar ao primeiro lugar dos top’s, acho que se está a perder o propósito. Está-se a deitar fora tanto potencial daquilo que a expressão [pessoal] poderia ser.
Com o único propósito de vender, não lançaria ‘Take Me To Church’.
Hozier: Exatamente, exatamente. E parece-me que se tivesse chegado ao pé de alguma editora grande e tivesse dito ‘Hey tenho aqui esta ideia para um vídeo onde uma pessoa é pontapeada até à morte e onde a canção ataca a Igreja Católica’, acho que eles teriam dito ‘Não, obrigado’. Portanto, se eu estivesse a pensar em sucesso comercial, não teria escrito aquela canção. Não me parece.
Como descreve o seu estilo musical?
Hozier: Tem uma influência de gospel, blues e rock n’ roll tradicional mas também muito soul e folk. Há uma artista chamada Cold Specks, que eu respeito muito, que cunhou o termo ‘doom soul’ para a música dela. E eu adoro essa expressão. Se houve um género chamado ‘doom soul’ eu adorava ser incluído nele.
E que artistas mais o influenciaram?
Hozier: Muitos deles são artistas fora da minha geração. Nina Simone, o Tom Waits foi uma influência enorme para mim enquanto adolescente, apaixonei-me pela escrita de músicas por causa dele. Pessoas como o Paul Simon, Leonard Cohen.
Portanto, valoriza a passagem de uma mensagem emocional forte através das canções?
Hozier: Valorizo sim, valorizo acima de tudo a letra. Acho que há uma diferença entre música e canção e acho que a canção para mim depende enormemente da letra, daquilo que é transmitido, a história por trás da letra. É isso que é canção. A música é outra coisa, completamente.
E para 2016? O que podemos esperar?
Hozier: Talvez umas férias pequeninas (risos). Em março, acaba a digressão e provavelmente vou tirar umas férias e descansar. Mas estou ansioso por começar a trabalhar no próximo álbum.
No próximo nível?
Hozier: Sim, no próximo nível, exatamente. Se eu conseguir influências diferentes e ideias diferentes para canções, pode até nem ser o próximo álbum de Hozier, mas talvez um EP ou só algumas canções, adorava fazer isso. Vamos ver o que vai acontecer.