Na introdução do livro 'José Sócrates - Ascensão' (Dom Quixote), que será lançado esta terça-feira, João Miguel Tavares diz querer apresentar os motivos pelos quais o antigo primeiro-ministro "é um político diferente dos outros" e explicar como é que "Portugal é um país onde um político com o seu perfil conseguiu atingir o lugar mais poderoso do Estado e manter-se lá durante seis anos, no meio de inúmeros escândalos".
O jornalista, colunista do Público e comentador político considera que as características individuais de Sócrates "seriam irrelevantes se não tivessem encontrado terreno fértil nas fragilidades institucionais do país", sublinhando que foi no "ecossistema político português que Sócrates encontrou o ambiente propício para impor a sua personalidade e o seu estilo".
Tavares lembra os resultados eleitorais do ex-líder socialista, como a maioria absoluta em 2005 e a vitória confortável, "já rodeado de gravíssimas suspeitas", em 2009, para salientar que "não foram os escândalos que o derrubaram", mas sim a crise económica e vinda da 'troika'.
"Não tivesse Portugal ficado às portas da bancarrota e é possível que Sócrates tivesse permanecido muitos mais anos em São Bento, rodeado de suspeitas e de fiéis", lê-se na introdução.
Para o autor, "não foi a acumulação de casos que o destruíram politicamente", mas sim a "diminuição da sua influência", o que significa, argumenta, que "o problema nunca foi apenas Sócrates", mas sim o "país que o permitiu e sustentou".
Recorrendo apenas ao que foi publicado na comunicação social ou em livros, João Miguel Tavares quer provar que "sempre houve informação pública que permitia traçar o seu perfil" e "encontrar padrões que o tornavam impróprio para desempenhar o cargo de primeiro-ministro", mas que "a informação não circulou como devia, nem teve o impacto que devia, num país com um espaço público supostamente crítico e atento".
O comentador político elenca, entre as "falhas coletivas e institucionais" para a sua ascensão, a "falta de espírito crítico dos seus apoiantes, sectarismo partidário, falta de independência da justiça, falta de escrutínio da comunicação social, excesso de peso do Estado, excesso de credulidade de alguns eleitores e o excesso de tribalismo de muitos comentadores".
"Confrontados com tamanha raridade, torna-se um dever cívico saber quem Sócrates é e como chegou tão longe. É essencial perceber como construiu a sua carreira, como se impôs no PS, como permaneceu seis anos em São Bento, que estratégias utilizou para manter o poder, como criou o seu círculo de fiéis, como geriu a relação entre público e privado, e, em última análise, qual foi o combustível que o impeliu a empenhar a sua vida em tais actividades", escreve o autor.
Recorrendo a uma citação de Eduardo Lourenço sobre o Estado Novo, Tavares diz que Sócrates foi uma "doença vivida como saúde" por Portugal numa "mecânica de dissimulação que o país está longe de ter ultrapassado" e uma democracia onde se continua a "absorver manifestações de anormalidade como se de banalidades se tratassem".
Este projeto, que se chamava originalmente 'José Sócrates Nunca Existiu - O homem que nos enganou e o país que se deixou enganar', tomou quase dez anos de trabalho de João Miguel Tavares e abrange o percurso do antigo primeiro-ministro desde o nascimento até à primeira maioria absoluta do PS, em 2005.
O autor revela que seguir-se-ão dois volumes: 'Poder', sobre os seis anos de Sócrates como primeiro-ministro, e 'Queda', dedicado à sua detenção, acusação e julgamento.
O processo Marquês, em que José Sócrates é o principal arguido, conta com 21 acusados de 117 crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal.
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