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O Bando estreia 'Agustinópolis' peça de Agustina Bessa-Luís

Uma cidade povoada por 96 personagens de obras de Agustina Bessa-Luís, com palavras da escritora, num palco onde sobressai um zigurate, marcam a peça 'Agustinópolis' que O Bando estreia na sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

O Bando estreia 'Agustinópolis' peça de Agustina Bessa-Luís

© Lusa

Lusa
16/10/2025 18:31 ‧ há 3 horas por Lusa

Cultura

CCB

Com encenação de João Brites, 'Agustinópolis', um "teatro-ópera", nas palavras do encenador, é uma criação de O Bando e da Associação Setúbal Voz, cujo diretor, Jorge Salgueiro, assina a composição e direção musical, com dramaturgia e assistência de encenação de Miguel Jesus.

 

A obra resulta de um convite feito a João Brites por Mónica Baldaque, da Comissão Organizadora do Centenário de Agustina Bessa-Luís (1922-2019), escritora, pintora, museóloga e filha da autora de 'A Sibila', que nasceu, tal como O Bando, em 15 de outubro.

Com tantas personagens quantos os anos vividos pela escritora, num exercício "simbólico", como João Brites o definiu à Lusa, a peça é toda construída com palavras retiradas de obras de Agustina, seguindo a linha habitual de trabalho da companhia sediada em Palmela sobre textos literários, e pode definir-se como a construção de uma cidade povoada por um "inventário de personagens" da autora nascida em Vila Meã.

O trabalho construído por João Brites teve assessoria literária e dramatúrgica do encenador João Luiz e da ensaísta, crítica literária e dramaturga Maria João Reynaud, à medida que se ia descobrindo a "densidade" das personagens de obras como 'O Vale Abraão', 'O Manto' e 'O Sermão do Fogo', entre outras.

"As personagens são todas controversas, dialéticas, contraditórias", frisou João Brites, que acabou por construir o espetáculo no "segredo dessa diversidade [de figuras] que representam a humanidade", disse, admitindo que ler Agustina para o espectáculo representou "uma revelação".

A "tão grande densidade" das personagens, numa escritora "que é difícil de ler, por ser muito mais corrosiva e perversa do que simpática", deu mote ao encenador para pôr em cena um espetáculo "sobre os dias de hoje e do que está a acontecer pelo mundo".

João Brites refere-se a "esta questão da guerra e do cataclismo". Daí que num cenário marcado pela presença de um grande zigurate - termo que remete para os primeiros edifícios da civilização suméria, criados como templos de ligação entre humano e divino -, e onde objetos metálicos vão sendo manipulados pelos atores assumindo variadas formas, a ação da peça seja marcada por quezílias e diferendos entre personagens, onde não faltam tremores e sucessivas réplicas, sempre em crescendo.

No final, em 'Agustinópolis', só restam escaravelhos - porque "são dos animais mais resistentes, até ao nuclear", indicou João Brites, para logo sublinhar que "parece que tem de haver uma certa regressão, estarmos perante uma situação terrível", tal como no 'Ensaio sobre a cegueira de Saramago', para "nos repensarmos".

"Parece que temos de trazer uma nova aprendizagem para relativizarmos o que é que nos motiva. E aqui é uma espécie de regressão da humanidade a um ponto em que se questiona sobre como é que vamos conviver uns com os outros, [como numa] referência ao coro grego", enfatizou o encenador.

Se não, "é continuar na barbárie", que parece já não ter fim. Além de que, "se calhar, temos de rever um bocadinho o que é a democracia". "Rever e repensá-la", frisou, sublinhando que muitas vezes os humanos ainda se esquecem que "são bichos onde todas as células estão a lutar pela sobrevivência".

Questionado sobre a escolha do título, 'Agustinópolis', João Brites alegou que "o mais imediato é pensar-se que estas personagens estão todas na cabeça de Agustina: "É uma cidade da Agustina, que está na cabeça dela, e eles [os personagens] saem todos da cabeça dela".

Uma cidade "que podemos ver refletida nos dias de hoje" e na qual se percebe que Agustina não é uma "escritora de uma região", como chegaram a considerá-la. "Quando conseguimos ler e conseguimos ir percebendo, apercebemo-nos de que ela tem uma dimensão universal".

Olímpia, Celsa, Margot, Patrícia, Francisca, Aida, Touro e Tristão contam-se entre as personagens da escritora presentes em 'Agustinópolis', cuja ação e tensão vai aumentando no debitar de palavras em simultâneo com os batimentos musicais, numa cacofonia impercetível e em que as personagens andam todas à deriva.

"Os tempos mudaram. É cedo demais. Já é tarde" são falas cantadas quase no final da peça, em que também se afirma: "O que mais impressiona as massas é a morte. É a morte duma pessoa. É a morte duma sociedade. É a morte do mundo".

Instado a definir o espetáculo, cuja narrativa cénica e visual é a da solidão, que "pode ocorrer depois do cataclismo, da confrontação do vazio com a morte", João Brites respondeu: "Se calhar nós somos aquilo que nunca reconhecemos ser".

"Com a morte, somos sempre sozinhos. Perante a morte, mesmo que estejamos acompanhados, é o nosso ser que se esvai", concluiu.

O espetáculo termina numa antítese: depois do caos, do canto lírico e do silêncio, uma personagem feminina canta 'a cappella' "E só o amor pode revelar o encontro das coisas e dos seres".

'Agustinópolis', espectáculo integrado no final das comemorações dos 50 anos de O Bando, fundado em 15 de outubro de 1974, pode ser visto no Grande Auditório do CCB na sexta-feira, às 20h00, no sábado, às 19h00, e, no domingo, às 17h00.

De 24 a 26 deste mês estará em cena no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, e, de 30 de outubro a 02 de novembro, no Teatro Nacional S. João, no Porto. No dia 22 de novembro, estará no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães.

Com cenografia e corporalidade de Iolanda Rodrigues, conceção e execução de figurinos e adereços de Catarina Fernandes, direção de montagem e cenografia de João Brites e Dora Sales, a peça tem desenho de luz de João Cachulo, enquanto no desenho e operação de som está Miguel Lima.

A interpretar estão Bibi Gomes, Joelle Ghazarian, Juliana Boyko, Juliana Pinho, Nicolas Brites e São Nunes; como cantores, estão Constança Melo, Diogo Oliveira, Helena de Castro, Mariana Chaves e Ricardo Moniz, com Tiago Mileu ao piano.

O elenco conta com mais 18 atores e com 24 elementos do Coro Setúbal Voz.

Leia Também: Teatro Camões: CNB estreia hoje bailado inspirado em 'Os Maias'

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