A bienal vai decorrer pela primeira vez nas duas capitais, até 26 de outubro, com estreias mundiais de artistas dos dois países, com especial destaque para uma ópera encenada pelo cantor Dino d'Santiago, que terá circulação nacional e internacional até 2027.
"Pode parecer que estamos sempre a começar do zero, mas é muito importante reconhecer que não estamos. Estamos realmente a reestruturar, a reforçar e a ampliar essas relações ibéricas que nos são tão próximas e queridas, mas que têm sido pouco trabalhadas desta forma tão representativa", sublinhou o responsável contactado pela agência Lusa sobre a 5.ª edição da bienal.
'Camino Irreal' é o tema da programação ainda desenhada por John Romão, curador, programador cultural e encenador que este ano foi escolhido para a direção artística da Évora Capital Europeia da Cultura.
Em Espanha, na época da monarquia, era usada a expressão 'Camino Real' para designar os caminhos que ligavam cidades protegidas pela realeza: "Aqui [na bienal] interessa-nos 'torcer' a palavra real [para irreal], questionando estas certezas de lugares controlados por um determinado poder, abraçando a imaginação e a resistência de discursos não oficiais", explicou o curador à Lusa.
"Estamos a reconhecer a situação de incerteza num mundo em constante ruído, e a olhar o irreal como um local seguro e fértil no sentido construtivo. É importante reimaginar um futuro mais equilibrado. O espaço da criação artística é sempre um caminho irreal, de refúgio e de resistência", considerou John Romão.
Entre 10 de setembro e 26 de outubro, a 5.ª edição da BoCA vai reunir projetos transdisciplinares que cruzam as artes performativas, visuais, música, cinema, e, paralelamente, organiza debates e oficinas em museus, teatros, galerias de arte, centros culturais e equipamentos patrimoniais.
A ópera 'Adilson', encenada por Dino D'Santiago com libreto de Rui Catalão, ira debruçar-se sobre a atual luta de milhares de pessoas pela cidadania e o direito a serem reconhecidas no país onde habitam.
John Romão destacou ainda -- nas estreias absolutas - o convite a Adriana Progranó, vencedora o Premio Novos Artistas Fundação EDP para criar a sua primeira instalação para o espaço público, na Galeria Quadrum, em Lisboa, intitulada 'Echoes of whispers, plimplim', e 'Pemba', uma instalação em grande escala do artista angolano Kiluanji Kia Henda, sobre os fluxos migratórios e memória.
Desde a origem, a BoCA apresentou-se sempre de dois em dois anos em duas cidades em simultâneo -- a capital e também Porto, Braga, Almada e Faro -, mas a extensão inédita além-fronteiras, a Madrid, "abre uma nova etapa no percurso da bienal, numa dimensão internacional que já era desenvolvida em coproduções, mas nunca, até agora, tinha incluído uma cidade estrangeira".
"Interessa-nos muito este reforço das relações interinstitucionais e desencadear colaborações inéditas entre artistas residentes em Portugal e Espanha, e na circulação dessas criações pelas duas cidades durante o período da bienal, de sete semanas", salientou à Lusa, reiterando o caráter inédito do evento, e da representação institucional.
O curador da bienal BoCA afiançou que a participação de 20 entidades culturais portuguesas e dez espanholas "é o maior número implicado num projeto cultural entre Portugal e Espanha até agora".
O Museu do Prado, o Museu Rainha Sofia, o Museu Thyssen-Bornemisza, a Casa Incendida ou o Theatro La Abadia, são alguns dos espaços culturais que serão palco da programação da BoCA na capital espanhola.
"Nós olhamos para esta relação com Madrid como um início, e desejamos aprofundá-la no futuro, e ampliar esta rede tão representativa do setor artístico e criativo dos dois países", reiterou o programador, que convidou artistas de diferentes territórios criativos.
Exemplo disso é o projeto do dramaturgo espanhol Alberto Cortês com o pintor João Gabriel, ou o dos dramaturgos Tiago Rodrigues e Patrícia Portela de criar duas peças de curta duração para o Museu Nacional do Prado.
"Queremos abrir a reflexão sobre como é que a escrita do teatro pode dialogar com a pintura clássica, em museus, onde a dança tem sido a protagonista. Interessa-nos provocar outros desafios para os espaços e para os artistas", apontou o programador.
Ainda no programa, na capital espanhol, contam-se a a instalação 'Alcindo Monteiro' de Gabriel Chaile, no espaço Esto es una plaza, no bairro de Lavapiés, e filme-concerto 'Belonging', de Raquel André, no Réplika Teatro.
John Romão comentou que, apesar de não continuar na curadoria da bienal para a próxima edição, em 2027, confessou que "gostaria muito que esta relação com Madrid pudesse ainda ser reforçada, porque envolveu muito trabalho, e tem bastante para ser explorada".
"Recuperámos parcerias entre a Cinemateca Portuguesa e a Filmoteca espanhola, com um ciclo de cinema e uma estreia de uma nova curta-metragem de João Pedro Rodrigues, recuperámos algumas relações artísticas que tinham ficado um pouco suspensas, como a dos coreógrafos Francisco Camacho e Helena Córdoba que estiveram juntos há dez anos no Festival Citemor, e agora surgem com nova colaboração sobre a questão do corpo e do envelhecimento", exemplificou, acrescentando dois nomes inéditos em Lisboa, da área da dança: Candela Capitán e Marcos Morau.
Ainda em destaque na programação da 5.ª edição da BoCA vai estar a vigília performativa 'O Julgamento de Pelicot', do encenador suíço Milo Rau, com a atriz Servane Dècle, estreada em Viena, na Áustria, e apresentada em julho no Festival d'Avignon, em França.
A "vigília performativa" de quatro horas reconstrói o caso real de violência sexual de que foi alvo Giselle Pelicot, em França - um caso que chocou o mundo -- e durante a qual serão lidos textos por vários convidados, no Panteão Nacional.
Além destes, também serão palco da edição desta bienal, em Lisboa, o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, a Culturgest, a Estufa Fria, o Teatro do Bairro Alto e as Carpintarias de São Lázaro.
Nesta edição, estão ainda programadas a exposição 'Dialeto', de Felipe Romero Beltrán - que se irá desdobrar entre o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado e as Carpintarias de São Lázaro, e o concerto-performance 'The Spirit Lamp', de Chrystabell, n' A Voz do Operário, trará composições instrumentais de David Lynch nesta edição.
No filme e performance '¿De qué casa eres?', a artista visual Ana Pérez-Quiroga criou o seu primeiro filme e, com ele, uma performance que estende aquela relação, a exibir no Cinema Fernando Lopes, e o ciclo de performances 'Quero ver as minhas montanhas' - a revisitação do legado de Joseph Beuys a partir das suas próprias montanhas reais e simbólicas.
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