A peça assinala a abertura da temporada 2025/2026 daquele teatro no Chiado, é uma "adaptação, da adaptação, da adaptação" da história homónima de Lewis Carroll e, embora seja "mais encaminhada para os mais crescidos, é uma boa proposta para os pais trazerem os adolescentes ao teatro", acrescentou o encenador, em declarações à Lusa, no final de um ensaio de imprensa.
Embora afirme que a "verdadeira história da Alice", segundo Carroll, está presente no espetáculo, Marco Medeiros, que também assina as letras das canções, avisa que foram "acrescentadas muitas cenas e muito texto", que também foi "adaptado à realidade".
A tradução e adaptação do conto original do escritor britânico, da autoria de Maria João Rocha Afonso sobre uma ideia do encenador, leva para o palco da Sala Carmen Dolores, a principal do teatro, uma "Alice com as angústias dos adultos".
Afinal, apesar de o texto de Lewis Carroll ser considerado um conto infantil, Marco Medeiros afirma que "nunca conseguiu" ver "Alice no País das Maravilhas" dessa forma.
"Nem enquanto criança consegui acompanhá-lo, nem enquanto pai consegui contá-lo aos filhos", assegurou.
Por isso, a protagonista do espetáculo no Trindade "é o retrato dessa angústia e desse desespero": "Se não aceitas viver numa sociedade, se não aceitas as regras que te impõem, então, se calhar, mais vale não continuar nela e [há que] pôr um fim a esse caminho", disse o encenador, quase numa justificação do final trágico, atípico e até "completamente oposto" ao de musicais, do espectáculo que concebeu.
"Ser ou não ser, eis a questão" é uma 'fala' reiterada em palco, ao longo de todo o espetáculo, protagonizado por uma Alice já crescida, proveniente "de uma sociedade civilizada e que caiu num mundo de anarquia, onde não há regra" - ou onde a que existe "é ditada por uma pessoa com muito pouca inteligência", acrescentou Marco Medeiros.
"Como em quase todas as ditaduras - e sem querer ir para o óbvio da rainha ser a real ditadora -, Alice sofre a ditadura da sociedade, a ditadura de não lidar com a realidade dos outros e não a saber encarar", explicou o encenador.
Querer adaptar-se, "mas também não estar muito disponível para isso", é uma das questões centrais desta versão, numa espécie de paralelo com a "ditadura das redes sociais e da televisão, que nos dita regras e nos censura em direto", disse Medeiros.
Este vetor impõe um ritmo alucinante, pautado também pela cenografia, pondo sistematicamente o espetador a equacionar realidade e ficção, ser e parecer.
"Alice anda à procura do seu verdadeiro ser, imposto e condicionado por outros, sem se adaptar às imposições, ora veladas ora explícitas, que as várias personagens do conto lhe vão sugerindo". Ou seja, sem se adaptar à sociedade em que vivemos.
Para Marco Medeiros, esta sociedade "não é livre", ainda que tenha existido um "25 de Abril", porque, depois dele, "houve um novo milénio que nos trouxe a Internet, novas regras, novas inquisições e novas ditaduras".
E é nessa "nova ditadura que vivemos" e que está muito patente em personagens da peça, indicou, exemplificando com uma pequena 'fala' do gato, em que este diz: "Eu aceitei sorrir para viver, mas não é essa a vontade que tenho".
"A minha visão enquanto encenador é muito objetiva [...], é fatalista", admitiu Medeiros, estabelecendo mesmo um paralelismo entre a ação do espetáculo e as "muitas situações" que "nos últimos anos têm atingido o nosso meio artístico", fazendo com desistam aqueles que não se adaptam.
"Há quem não se consiga adaptar ao julgamento e ponha fim ao caminho" numa sociedade "tão cruel" como aquela em que "vivemos atualmente", concluiu.
"Alice no País das Maravilhas" tem música e direção musical de Artur Guimarães, direção vocal e assistência à direção musical de Carlos Meireles.
A interpretar estão Alexandre Carvalho, Diogo Mesquita, FF, JP Costa, Mariana Lencastre, Rita Tristão da Silva, Romeu Vala, Ruben Madureira, Sissi Martins e Soraia Tavares, a protagonizar Alice.
André Galvão, Artur Guimarães, Carlos Meireles, João Valpaços, Marcelo Cantarinhas e Tom Neiva fazem o grupo de músicos, enquanto na cenografia está Ângela Rocha.
O espetáculo tem figurinos de Rafaela Mapril, desenho de luz de Marco Medeiros, desenho de som de Sérgio Milhano e movimento de JP Costa, com Rebeca Costa na assistência de encenação.
Em cena a partir de quinta-feira até 02 de novembro, esta "Alice no País das Maravilhas" tem récitas de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 16:30.
No dia 12 de outubro, após a sessão, haverá uma conversa com o público.
Na véspera da estreia, o espetáculo tem um ensaio solidário, com a receita de bilheteira a reverter na totalidade para a Associação Crescer Bem, instituição particular de solidariedade social que apoia crianças com necessidades profundas de intervenção hospitalar, fazendo o acompanhamento das famílias, dada a ausência de rede, quer em contexto de internamento, quer em contexto de domicílio.
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