Cila Simas é um dos nomes mais reconhecidos em São Miguel, Açores. O seu trabalho no comando do Coliseu Micaelense, enquanto presidente do Conselho de Administração, tem sido reconhecido por muitos.
À ilha, Cila tem trazido grandes nomes (assim como projetos) da Cultura nacional e internacional.
Este ano, por exemplo, passarão pela icónica sala de espetáculos Ney Matogrosso e Fábia Rebordão. No que diz respeito ao teatro destacam-se peças como 'Swing', que conta com Diogo Morgado, Diana Nicolau, Manuel Marques e Susana Blazer no elenco, assim como 'Dois de Nós', no qual o público poderá assistir à performance dos atores brasileiros António Fagundes e Christiane Torloni.
Alguma vez imaginou que a sua vida profissional passaria pelos Açores? Afinal, chegou a estudar em São Miguel.
Não, nunca imaginei. Quando vim para São Miguel estudar, fi-lo por necessidade. A minha mãe tinha sido diagnosticada com um cancro terminal, e o seu último pedido foi muito simples: "entra em qualquer curso, quero ter o gosto de te ver entrar na universidade".
Na altura, foi uma decisão emocional, mas acabou por se revelar transformadora. E, graças a muita fé, a minha mãe ainda hoje está viva. Um verdadeiro milagre que me acompanha todos os dias. Nunca pensei que esse momento marcasse tanto a minha vida, mas a verdade é que desde então nunca mais deixei São Miguel.
Trabalhei pontualmente no continente, estive também algum tempo nos Estados Unidos, mas a minha casa sempre foi aqui. E foi aqui que nasceu a minha paixão pela Cultura e pela ligação ao serviço público. Este lugar tocou a minha história pessoal de forma definitiva, e estou muito grata por isso.
Muitos dos meus professores, hoje reformados, estiveram envolvidos diretamente no Acordo Bilateral da Base das LajesE, já agora, porquê escolher a Universidade dos Açores para um mestrado, sendo natural de Coimbra?
Fiz todo o meu percurso académico na Universidade dos Açores. Comecei por Física e Química, numa vertente científica, mas mais tarde mudei para Estudos Europeus e Política Internacional, hoje designado Estudos Euroatlânticos. E escolhi ficar porque o curso tem uma especificidade única: a centralidade entre a Europa e os Estados Unidos é vivida de forma concreta.
Muitos dos meus professores, hoje reformados, estiveram envolvidos diretamente no Acordo Bilateral da Base das Lajes. Ouvir relatos de encontros históricos entre chefes de Estado contados na primeira pessoa é uma experiência absolutamente inesquecível. Além disso, a Universidade dos Açores tem uma ligação muito forte ao território e uma oferta formativa profundamente enraizada na realidade insular, o que se alinha perfeitamente com o meu percurso e os meus interesses.
A qualidade de vida, a ligação às pessoas e o sentimento de comunidade fazem toda a diferença. São Miguel ensinou-me outro ritmo. Um ritmo mais humanoA adaptação à vida em São Miguel foi fácil?
Foi muito natural. Coimbra também é uma cidade com uma identidade muito vincada e uma dimensão humana forte, e senti logo pontos de contacto. Fui muito bem acolhida. Desde que vim estudar para cá, nunca mais saí dos Açores. Houve períodos em que estive nos Estados Unidos, ou em que trabalhava com idas semanais ao continente, mas a minha casa foi sempre aqui. A qualidade de vida, a ligação às pessoas e o sentimento de comunidade fazem toda a diferença. São Miguel ensinou-me outro ritmo. Um ritmo mais humano.
Em 2022 tornou-se presidente do Conselho de Administração do Coliseu Micaelense. Porque é que aceitou este desafio?
Porque acredito verdadeiramente na Cultura como força transformadora. O Coliseu é um símbolo da cidade, da região e até da nossa identidade coletiva. Aceitei o desafio porque senti que podia fazer a diferença, aplicar aquilo que aprendi e vivi ao longo dos anos num projeto com impacto real. Mas nada disto seria possível sem a confiança do presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, Dr. Pedro Nascimento Cabral, que me escolheu para esta missão.
É também graças ao investimento que tem feito no Coliseu, e que este ano, por exemplo, ultrapassou 1 milhão e 100 mil euros, que temos conseguido dar passos firmes. Há quem ache que este valor é pouco, mas eu acredito que é possível fazer muito com ele. E o presidente acredita na minha capacidade de gestão. Isso é determinante.
A primeira prioridade foi recentrar o Coliseu na vida cultural da cidade e da região. Foi preciso repensar a programação, torná-la mais inclusiva, mais diversa, mais próxima das pessoasQuais foram as mudanças mais urgentes que percebeu que era necessário fazer?
A primeira prioridade foi recentrar o Coliseu na vida cultural da cidade e da região. Foi preciso repensar a programação, torná-la mais inclusiva, mais diversa, mais próxima das pessoas. Paralelamente, era urgente modernizar a comunicação. Reforçar a presença digital, dinamizar as redes sociais, atualizar a imagem institucional. Também foi necessário olhar com atenção para a sustentabilidade financeira e a eficiência da gestão. E, mais uma vez, sublinho que esta transformação só tem sido possível porque existe apoio político e financeiro que nos permite agir com ambição e responsabilidade.
Quais as maiores dificuldades com que se deparou?
O grande desafio foi adequar os recursos à ambição do projeto. O Coliseu tem um potencial enorme, mas também limitações estruturais. Isso obriga a criatividade, resiliência e uma gestão muito pragmática. Por outro lado, havia um trabalho de conquista de confiança, tanto dentro da instituição como junto do público. Mostrar que é possível fazer diferente, com critério, com consistência e com resultados concretos.
Em São Miguel, a Cultura é muito mais do que entretenimento. É identidade, é pertença, é memória coletivaA Cultura num local mais pequeno, como é o caso de São Miguel, tem um papel ainda mais importante na vida das pessoas. Isto tornou-se mais claro quando assumiu a presidência?
Sem dúvida. Em São Miguel, a Cultura é muito mais do que entretenimento. É identidade, é pertença, é memória coletiva. Os espaços culturais aqui têm um papel central na vida comunitária. São lugares de encontro, de expressão, de construção. Sempre tive essa sensibilidade, mas liderar o Coliseu deu-me uma consciência ainda mais clara da responsabilidade que temos enquanto promotores culturais.
Coliseu Micaelense © Notícias ao Minuto
De certa maneira, acredito que deverá diminuir a distância que existe entre o continente e as ilhas.
Concordo plenamente. A Cultura pode e deve ser uma ponte entre realidades diferentes. No Coliseu, temos feito um esforço para trazer projetos do continente e do estrangeiro, mas também para mostrar o talento açoriano ao mundo. Não se trata de copiar modelos, mas de criar ligações horizontais, baseadas em respeito e reconhecimento mútuo. Isso também só é possível quando existe uma visão estratégica e o apoio político necessário para concretizá-la.
Há diferenças na forma como os micaelenses "consomem" Cultura em relação aos habitantes do continente?
Sim, existem algumas diferenças. O público micaelense valoriza muito a proximidade, a autenticidade, o contacto direto. Gosta de sentir que faz parte, que é ouvido, que é respeitado. Isso exige formatos mais participativos, mais próximos. Mas é também um público curioso, informado e exigente. O que nos obriga a manter uma programação à altura das expectativas.
Quais são os seus objetivos para o futuro em relação ao Coliseu?
O grande objetivo é consolidar o Coliseu como uma referência cultural no Atlântico. Isso implica manter uma programação relevante e diferenciadora, atrair novos públicos, sobretudo os mais jovens, e reforçar as parcerias com estruturas culturais do continente, dos Açores e dos países lusófonos. A sustentabilidade, claro, é essencial: não apenas financeira, mas também social e artística. Queremos um Coliseu vivo, aberto ao mundo, mas profundamente enraizado na identidade micaelense. E esse caminho só é possível porque existe, desde o primeiro dia, confiança, investimento e liberdade para concretizar uma visão.
Leia também: Coliseu Micaelense: 108 anos a celebrar a cultura dos Açores para o mundo