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Pet Shop Boys e St. Vincent uniram gerações com nostalgia e magnetismo

O duo britânico superou largamente as expectativas de alguns mais céticos, criando um mistura intergeracional que ainda pouco se tinha visto. A sensualidade de Anderson .Paak e a guitarra emocionante de Annie Clark foram outros pontos fortes numa noite mais vazia e em que o tempo deu finalmente tréguas.

Notícias ao Minuto

13:07 - 10/06/23 por Hélio Carvalho

Cultura Primavera Sound

O terceiro dia do Primavera Sound foi feito à medida dos melómanos, sem esquecer o ano onde está. Depois de dois dias com alinhamentos preferidos por um público mais jovem, os clássicos Pet Shop Boys e a incontornável St. Vincent foram os grandes destaques de uma noite liderada pelo rock alternativo, onde ainda houve espaço para nomes como Le Tigre, Darkside ou Central Cee darem uma pintura diferente ao recinto.

O mote para o concerto de Pet Shop Boys foi dado logo no tiro de partida. Ladeados de excelentes efeitos visuais, Neil Tennant e Chris Lowe deram uma volta pela 'memory lane', uma bomba de nostalgia que começou com ‘Suburbia’ (do primeiro álbum, no longínquo ano de 1986), e que continuou pelas suas longas carreiras fora, passando logo a seguir por ‘Rent’ e ‘So Hard’.

Depois de uns minutos iniciais a aquecer o público (e eles próprios) ostentando elaborados fatos, a banda surgiu então atrás do ecrã atrás do duo britânico. Antes, Tennant, na sua clássica voz meio anasalada, explicou que no seu mundo “as ruas não têm nome”: foi a senha de entrada para ‘Where The Streets Have No Name (I Can't Take My Eyes Off You)', um dos temas mais dançados e cantados da noite, também graças à dimensão que ganhou com os seus autores, os U2 - e que teve um sabor especial, rompido por refrões do icónico tema ‘Can’t Take My Eyes Off You’.

O concerto beneficiou de um tempo muito mais benévolo para os festivaleiros, que surgiram em menor número do que nos dois primeiros dias. Volta e meia lá caíam algumas pingas, assustando muitos que começavam a temer o pior, mas logo iam embora, deixando só mesmo um susto. Já o terreno do palco principal estava muito mais seco e menos lamacento, quase pronto para ser pista de dança, embora com um cheiro que fez os menos habituados a ambientes agrícolas torcer bastante o nariz.

Foi já com um fato bem mais leve, e com a banda exposta, que o espetáculo de luzes e de projeção subiu umas quantas mudanças na caixa de velocidades, embora a música em si tenha abrandado algumas vezes. Ainda assim, sempre que se sentia que faltava algo, que a energia estava a começar a acabar e quando já se olhava para as horas, um pequeno relâmpago de energia entrava para acordar o recinto, e lá surgia outro tema histórico, interpretado eximiamente - como ‘Left to My Own Devices’, música que ganha um grande impacto imersivo e intenso ao vivo, e ‘Always On My Mind’.

Tennant (que, perto dos 70 anos, sabe claramente gerir a quantidade de energia a despender ao longo de mais de 90 minutos de concerto), ainda voltou a mudar de roupa e, já no final, ouviu-se finalmente ‘It’s a Sin’ (de 1987) e ‘Being Boring’ (1990). Foi um fecho apropriado e emocionante para um daqueles concertos em que quem conhece sai feliz, satisfeito por assistir aos temas que marcaram a sua vida; e em que quem não conhece vai-se embora com um sentimento de enorme respeito, e de vontade para saber mais destes mestres britânicos do synth pop.

Sentado ou de pé, ninguém vira as costas na altura de respeitar St. Vincent

Logo a seguir aos Pet Shop Boys, foi a vez de St. Vincent subir ao palco Vodafone para um dos concertos mais antecipados do festival, pelo menos para quem segue e acompanha o mundo do rock alternativo nos últimos dez anos. E se para muitos acabou por se tornar numa das melhores atuações do evento, outros preferiram sentar-se e ir divagando ao sabor da voz eletrizante da norte-americana.

Notícias ao Minuto St. Vincent apresentou temas de 'Daddy's Home', disco que conquistou o Grammy de Melhor Álbum de Música Alternativa de 2022© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto

St. Vincent (pseudónimo de Annie Clark) entrou logo a abrir, com ‘riffs’ fortes, uma presença intensa e uma banda pronta a desfazer-se pela sua música. O concerto começou logo com ‘Digital Witness’ (do seu álbum homónimo) e ‘Down’ (do mais recente ‘Daddy’s Home’) e, na primeira pausa, Clark desvendou o seu português perfeitamente ensaiado. “Boa noite, Porto. Estou muito feliz por estar aqui. O Porto é lindo, carago!”, exclamou, para uma salva de palmas que, agradecendo o esforço, pedia uma interjeição com um sabor mais nortenho.

A música marcadamente complexa, pautada pela guitarra berrante de St. Vincent, acabou por não deixar toda a gente convencida; no entanto - e talvez esteja aqui a magia na forma como Clark se conduz em palco e conduz o espetáculo -, quase ninguém saiu. Quem não gostou tanto, simplesmente sentou-se na relva e deixou-se levar por onde a música pontualmente cósmica o levava, numa viagem debaixo de um céu misericordioso e um vento agradável a saber a verão.

Houve temas mais sensuais, como ‘Daddy’s Home’, baladas mais suaves, como ‘New York’ - no qual desceu ao fosso e brindou os que esperaram na linha da frente por si (incluindo a portuguesa Surma, uma grande admiradora de Clark) -, e sons mais intensos, como os gritos por ajuda em ‘Marrow’.

Mas foi numa nota romântica e ternurenta que St. Vincent se foi despedindo, entoado quase a medo a lindíssima letra de ‘Your Lips Are Red’. “A minha cara está vermelha de ler os teus lábios vermelhos / as minhas mãos estão vermelhas de fechar os teus lábios vermelhos”. Finalmente a despedida, com ‘The Melting of the Sun’, um adeus ténue e leve, dado depois de a texana pedir que os presentes se “cuidem um dos outros”. Foi-se, perante uma longa ovação em pé do anfiteatro que, acima do gosto, do desinteresse, do amor, da indiferença ou de qualquer outra mistura de emoções, soube respeitar esta força indominável que é Anne Erin Clark.

Festival que é festival precisa sempre de… Marco Paulo e Mónica Sintra.

Há muitas formas de começar um dia num festival de música. Há aquele indie rock mais suave, que pede que nos sentemos na relva a ouvir e divagar introspetivamente; há algo mais 'dançável', para dar um 'shot' de energia para o resto de uma longa noite; e depois há os Deixem o Pimba em Paz.

O projeto já existe há muitos anos, mas é impossível não ficar surpreendido com a força com que Manuela Azevedo, a icónica ‘frontwoman’ dos Clã, entoa algumas das músicas mais sexualmente implícitas (e acarinhadas) do cancioneiro popular português. Deixem o Pimba em Paz são um grupo de músicos fantásticos, que se uniram em torno de Manuela e de Bruno Nogueira para recordar que músicas de Quim Barreiros e Ágata são mesmo muito absurdas, mas mostram que isso não impede ninguém de fazer 'headbanging' enquanto se ri com (e não de) elas.

Entre declamações inspiradas de ‘Vem Devagar Emigrante’ (música em que nos apercebemos quantas pessoas morrem na letra de Graciano Saga) e ‘Na Minha Cama Com Ela’, Bruno Nogueira não escondeu a sua satisfação por ver tanta gente banhada pela tarde soalheira e não, como no dia anterior, escondida debaixo de ponchos de plástico. “Estava toda a gente nas 'stories' com aquele ar triste”, retratou o comediante.

Notícias ao Minuto Central Cee demorou a chegar e, fora os muitos adolescentes na fila da frente, convenceu poucos com o seu hip-hop de West London© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto

Depois de St. Vincent, o festival tentou terminar em alta, mas já poucos aguentaram no recinto. Os Le Tigre ainda viram um palco Super Bock quase cheio para assistir à sua sonoridade muito forte e ao seu punk feminista, pró-LGBTI+, antissistema e anti-brutalidade policial, liderado pela irrequieta Kathleen Hanna. A mesma sorte não tiveram Darkside, com a sua eletrónica arrebatadora, e Central Cee, que demorou uns desgastantes 15 minutos a subir em palco, enquanto o seu DJ passava música que mais facilmente se ouvia no MEO Sudoeste.

Ao Deixem o Pimba em Paz seguiram-se mesmo dois grupos de indie rock, os Wednesday e os Blondshell; concertos que, embora algo indiferenciados de muitas bandas do mesmo estilo que passam pelos festivais num final de tarde, não deixaram de proporcionar uma dose agradável de riffs e de música em crise existencial. Mais tarde, os Built to Spill agarraram na batuta do indie no palco Plenitude, junto à foz, com a guitarra estoica de Doug Martsch a abraçar o pôr do sol.

No palco Vodafone, NxWorries distribuíram carisma e sensualidade que chegava para toda a gente, com temas como ‘Another Time’ a obrigarem a plateia bem preenchida a esforçar-se para acompanhar o monstro de palco que é Anderson. Paak. Antes, My Morning Jacket estrearam-se em Portugal num palco Porto onde foram recebidos com muita ansiedade e entusiasmo, por fãs que esperaram muitos anos para os ver e para levar com a sua onda de rock cósmico que dava para ser ouvida em Louisville.

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