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Bandua. 'Bandeiras' é "um rezo ao grande coração da Humanidade"

A dupla é concorrente do Festival da Canção de 2023 e sobe ao palco já no próximo sábado, dia 4 de março.

Bandua. 'Bandeiras' é "um rezo ao grande coração da Humanidade"

A segunda semifinal da 57.ª edição do Festival da Canção decorre no próximo sábado, dia 4 de março. No total, são 20 os concorrentes a querer representar Portugal na Eurovisão, em Liverpool.

O Notícias ao Minuto falou com todos os autores em competição e Bandua não foi exceção.

De acordo com a RTP, a dupla surge de um projeto de colaboração entre Bernardo Lopes Addario e Edgar Valente onde a música eletrónica se encontra com "as raízes do folclore português da Beira Baixa".

Como revelaram ao Notícias ao Minuto, "vontade de ir a Liverpool" não lhes falta. Bernardo e Edgar aceitaram o convite para participar no Festival da Canção com 'Bandeiras', querendo apelar "à tolerância, ao respeito, tanto pelo outro como pela nossa própria liberdade de pensamento e de existência".

Porque é que quiseram participar no Festival da Canção?

Contextualizando para quem não conhece Bandua, somos um projeto muito recente. O nosso primeiro disco saiu há apenas um ano e estávamos a meio da 'tour' de apresentação quando surgiu o convite para compormos para o Festival da Canção. Questionámo-nos se seria cedo demais para esse salto, porque às vezes fazer o caminho mais devagar também ajuda a apreciarmos melhor a paisagem. Contudo, em ambos os Bandua - Edgar e Tempura - existe um entusiasmo e recetividade geral para novos desafios que nos convidam a crescer e, uma vez que sentimos o projeto sólido e saudável, confiámos que seria um momento favorável para avançarmos para um contexto mais mediático, que tanto eleva o nível de privilégio como de responsabilidade. Na pior das hipóteses, mesmo que viéssemos a entender que participar teria sido uma asneira, iríamos aprender mais sobre as fronteiras da arte que queremos fazer.

Mas a verdade é que acreditamos muito no propósito deste encontro entre nós os dois, na força desta relação e na música que resulta dela, que parte de referências e vivências que se cruzam entre as ideias do que é nativo e alternativo. Este convite ter chegado até nós demonstra também a atenção e o reconhecimento por determinados nichos artísticos por vezes esquecidos. E esse foi mais um motivo para participarmos, pois sentimos que de alguma forma representamos outros artistas alternativos que também merecem tornar-se mais visíveis perante o grande público. Num momento tão sensível e especial da humanidade, há que honrar as oportunidades para partilharmos arte de alma e coração quando nos sentimos prontos para ser e nos oferecem condições dignas para fazer acontecer.

Já eram fãs do Festival da Canção? E da Eurovisão?

Muito honestamente não éramos grandes seguidores. Mas nos últimos anos temos ficado mais atentos ao Festival da Canção, visto que o novo formato se tornou mais atrativo. E como temos tido várias amigas e colegas a participar, foi-nos despertando o natural interesse em acompanharmos mais o festival do que até a própria Eurovisão.

Qual é, para vós, a melhor música de sempre do Festival da Canção?

O 'Alvoroço' do JP Simões, é uma das maiores obras de arte da música portuguesa contemporânea e ainda hoje questionamos como foi possível não ter sequer passado à final da edição de 2018. 

Que mensagem transmite a música 'Bandeiras'?

'Bandeiras' vem para relembrar que antes de quaisquer barreiras, fronteiras ou asneiras, somos todos seres em processos de constante crescimento e desconstrução. É uma música que apela à tolerância, ao respeito, tanto pelo outro como pela nossa própria liberdade de pensamento e de existência, tantas vezes condicionada pela forma como criticamos tudo gratuitamente, sem sequer tentarmos primeiro saber a história por inteira.
 
A mensagem é tão complexa quanto atual. Se formos olhar a conceitos que estão na ordem do dia como a cultura do cancelamento, percebemos que há cada vez mais medo de falar sobre assuntos sensíveis porque parece que há bandeiras por toda a parte que estão prontas a inflamar uma opinião antes sequer de tentarem perceber o ponto do diálogo. A praça pública, o Parlamento, os meios de comunicação social ou a internet estão cada vez mais viciadas numa lógica de reação imediata, com 'polícias' do julgamento por toda a parte. Consequentemente, há muita gente que se vai calando pelo bloqueio do medo da reação. E isso é na verdade o mais perigoso, deixarmos de saber o que vai na mente e no âmago de quem sente e pensa coisas que são válidas e valiosas, mas que por medo e acomodação, escolhe calar-se. As pessoas vão acabando por escolher não falar, nem pensar, nem sentir, até que a dada altura até viver possa parecer deixar de fazer sentido.

Falta humildade para aprender mais. Falta capacidade de escuta.  Falta amor pela (r)evolução. Falta não esquecer que os julgamentos podem ser flechas que retornam para nós próprios nos momentos em que temos o direito a mudar de vida, de emprego, de clube, de partido, de religião, de orientação sexual ou sexo, ou simplesmente de opinião sobre um determinado assunto. Mesmo que aos olhos de outros ou aos nossos próprios olhos isso pareça ser uma asneira, um disparate, ou um fracasso. O erro, a falha e a dúvida fazem parte desse processo de auto descoberta e não nos podemos martirizar por isso. É preciso entender que por detrás de cada zanga há sempre uma tristeza e que por detrás de cada tristeza está sempre uma ferida. E essa ferida precisa de mais amor, de mais compreensão, para depois podermos agir fortalecidos a partir da essência. 

'Bandeiras' é também um rezo ao grande coração da humanidade, um reavivar da força vital, para não esquecermos que apesar de quaisquer ideias de identidade programada, somos todos sementes de um mesmo mistério da existência, todos frutos de vida que brota de uma mesma força invisível e por isso sujeitos a uma condição de alteridade. Perdemos demasiado tempo a tentar definir a nossa identidade quando a identidade há de sempre mudar com tempo e com o espaço e perdemos ainda mais tempo e energia com as guerras que surgem dessas discórdias. Fazemos parte de uma inteligência suprema a que chamamos de Vida, a qual só ainda conseguimos compreender numa ínfima parte. 

Lá no fundo, somos todos apenas um e andamos com bandeiras e fronteiras por toda a parte que nos provocam uma constante ilusão de separação quando o foco deveria ser criarmos relações simbióticas entre humanos e outras espécies sob a incontornável consciência de unidade.

Conseguem levantar um pouco o véu de como será a atuação?

O que podemos dizer é que a atuação será só por si uma canção e uma dança de levantar véus. E que as únicas bandeiras que queremos agitar são as que cobrem e descobrem o corpo. O resto, fica no segredo, para descobrir dia 4 de março, na quarta atuação do alinhamento da semifinal!

Como estão a correr os ensaios? Com que frequência ensaiam?

Tem sido uma bela aventura, esta de imaginarmos e ensaiarmos uma música coreografada e encenada ao detalhe de uma ponta à outra. Temos a sorte de ter uma equipa de seres humanos talentosos e fabulosos a trabalhar conosco, desde a direção de arte, à produção, à coreografia ou aos figurinos. Temos ensaiado numa frequência semanal, sendo que às vezes mergulhamos em residências de mais tempo onde podemos conviver com toda esta criação mais profundamente. O que levamos de mais importante neste processo é das coisas mais importantes da vida: aprender a trabalhar em equipa no diálogo entre várias artes e saberes.

Principalmente quando os objetivos são ambiciosos, é natural surgirem mais desafios na forma como cada um sente que as suas ideias podem ser as melhores a levar a avante. Temos aprendido a ser mais dupla e mais grupo e deixar o individual de parte. É bonito quando a identidade individual se dissolve na alteridade coletiva e os resultados nesse momento se exponencializam. A arte e as relações de verdade e amor têm a capacidade de fazer esse supremo truque de magia acontecer que é a anulação do ego. Era também essa a função da entidade de Bandua (que nos inspirou o nome do projeto): enlaçar e enlear os seres e os seus bens em função de um propósito maior.

De que forma olham para as restantes canções e intérpretes desta edição do Festival?

Acima de tudo com respeito pela cena de cada um. Até porque os outros, lá no fundo, também somos nós, por mais diferentes que sejam. O mais simbólico desta edição é a enorme diversidade que existe e por isso estamos também curiosos para assistir à apresentação de cada um ao vivo. Olhamos para este Festival como aquilo que ele é: um Festival, onde cada um tem a sua função e o seu momento para contribuir para o todo. Há que lembrar que todos vimos de histórias diferentes e que isso é o que faz a música de cada um especial como é. E no final o melhor de tudo serão as relações reais que traremos para a nossa vida com outros artistas e outras pessoas e juntos façamos outras criações novas acontecer. 

Quais são as expectativas face à participação no Festival da Canção? O que seria um bom resultado?

Bem, não deve haver ninguém a participar que não tenha vontade de ir a Liverpool levar a sua canção e nós não seremos exceção, pelo que nos estamos a aprontar também para essa possibilidade. Ainda assim, o melhor resultado é podermos sair do Festival da Canção seja em que posição for e continuarmos a fazer aquilo que já fazemos - podermos acordar todos os dias e vivermos num contexto que nos permite continuar a fazer música, seja a criar ou a espalhá-la por onde nos quiserem ver a tocar ao vivo. Se tivermos isso, seremos felizes. E se esta participação nos trouxer ainda mais disso, então seremos ainda mais felizes. 

Depois da participação no Festival da Canção, o que se segue? 

Segue-se mais uma temporada de estrada pelo país fora e, quem sabe, os primeiros concertos lá fora. Começamos dia 20 de abril no Lux, em Lisboa, para podermos encontrar e celebrar com os 'banduendes' na pista de dança. Vamos também ao Porto, a Braga, Tavira, Covilhã, por aí fora, até à temporada de festivais, os quais temos já vários marcados.

Depois, a seu tempo, novas edições de nova música que andamos a preparar e que vamos progressivamente revelando ao vivo. Temos ainda uma série de convites bonitos para o Alentejo e Algarve para trabalhos de pesquisa e criação com comunidades locais, como já aconteceu anteriormente em Arouca. Isto é algo que gostamos muito de fazer, ir para sítios conhecer pessoas e gravar canções que depois podem terminar em espetáculos retribuídos à comunidade e que podem figurar em inspirar futuras criações musicais nossas. 

Que portas é que acham que o Festival da Canção pode abrir para o vosso futuro?

Temos consciência de que nos dará a conhecer a pessoas que de outra forma talvez nunca nos viriam a conhecer. E isso só por si é muito valioso. Claro que quando a rede se expande, podes sempre atrair até aquilo que não te convém. Neste caso, confiamos que estamos a trazer um trabalho minimamente maturado para ter o seu raio de proteção e direção. Temos sentido isso na forma como as 'Bandeiras' têm vindo a ser comentadas, pois como que há uma estranheza no facto de a música ser um pouco diferente do comum no Festival da Canção, mas há também um respeito geral bonito de se ver no que tocaria a possíveis julgamentos. Talvez porque existe um respeito silencioso pela ancestralidade que convocamos na nossa música. Ou talvez porque a mensagem da canção é exatamente sobre revermos a forma como criticamos tudo demasiado gratuitamente.

Em suma, as portas que queremos que se abram com a nossa participação são as portas do coração de quem recebe esta música e a sua apresentação. Se abrirmos muitas portas do peito, talvez o futuro se torne num lugar um bocadinho melhor para todos podermos viver nele. A música tem um poder de emanar e magnetizar consciência e nós ainda acreditamos nessa magia. Estamos aqui para abrir esses portais do peito e sabemos que Bandua está aqui para nos ajudar nessa tarefa. 

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