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"As boas canções são difíceis de escrever e tem de haver um equilíbrio"

A cantora Joana Espadinha esteve à conversa com o Notícias ao Minuto, a pretexto do lançamento do seu novo single, 'Mau Feitio, que antecipa o álbum 'Ninguém Nos Vai Tirar o Sol', que tem lançamento marcado para setembro deste ano. Falou ainda sobre o seu percurso profissional, o panorama musical em Portugal e como lidou com a pandemia.

"As boas canções são difíceis de escrever e tem de haver um equilíbrio"
Notícias ao Minuto

09:30 - 02/07/21 por Sara Gouveia

Cultura Joana Espadinha

Durante o primeiro confinamento escreveu e gravou 'Ninguém nos vai tirar o Sol', o primeiro single do terceiro álbum de originais com o mesmo nome. Agora lança 'Mau Feitio', uma canção que vai beber ao pop do final dos anos 70, início dos anos 80 e que pretende trazer animação a quaisquer ouvidos por onde passe.

Joana Espadinha esteve à conversa com o Notícias ao Minuto, onde falou sobre o seu percurso profissional, o panorama musical em Portugal e como lidou com a pandemia.

O disco vai chegar às lojas a 24 de setembro, mas já está em pré-lançamento nas plataformas de streaming e download, com a promessa de que até ao lançamento vários novos temas serão revelados ao longo dos próximos três meses.

O novo single ‘Mau Feitio’ tem uma batida pop que parece ir beber aos sons dos anos 80. O que a inspirou para esta música?

Na verdade, eu estava numa festa a ouvir o ‘Lança Perfume’, da Rita Lee, quando ainda havia festas e é uma canção pop absolutamente perfeita, gosto muito do trabalho da Rita Lee. É uma canção que é refinada ao mesmo tempo que é convidativa e pensei: “Gostava imenso de escrever uma canção assim”. Pus-me a tentar, à procura do conceito e acabei por me lembrar da 'Mau Feitio'. Portanto, esteticamente, a Rita Lee foi, de facto, uma influência e um ponto de partida. Quando me dizem que faz lembrar a Rita Lee, digo logo: “Pronto, apanharam-me”, mais vale assumir [risos].

As boas canções são difíceis de escrever e que tem de haver um equilíbrio, que é muito difícil de encontrar numa canção - que tenha qualidade, mas que seja orelhuda, universal e que faça as pessoas quererem cantar

Teve formação em Jazz, mas nos discos que lançou abraçou a Pop, como lida com o estigma de que fazer esse tipo de música é mais fácil?

A primeira vez que pensei verdadeiramente nisso ainda estava a estudar jazz, no conservatório em Amesterdão, que tem um departamento de pop. Começámos a conviver com alunos de pop porque havia uma disciplina de songwriting comum aos dois departamentos, foi aí que comecei a escrever as primeiras canções e lembro-me de haver uma certa guerrinha. Os músicos de jazz diziam que era mais fácil para os de pop e que não dominavam a técnica e o instrumento. E os alunos de pop diziam que ao contrário só pensavam na técnica e perdiam uma data de elementos muito importantes para quem está a ouvir.

Já tive esse estigma e fiz todo o percurso para perceber que as boas canções são difíceis de escrever e que tem de haver um equilíbrio, que é muito difícil de encontrar numa canção - que tenha qualidade, mas que seja orelhuda, universal e que faça as pessoas quererem cantar. Os Beatles fizeram isso de uma forma excecional e são das melhores bandas que já tivemos. Por isso não tem nada a ver com o grau de dificuldade, é igualmente difícil, é só uma escola diferente. 

O confinamento e o facto de ter sido mãe durante essa época fizeram parte da receita para o novo álbum?

É impossível não terem feito [risos]. Já tinha escrito algumas canções quando foi o primeiro confinamento e, inicialmente, até pensei que ia ter tempo para escrever. Só que depois aconteceu aquele fenómeno de olhar para as canções que já tinha e questionar se, naquela nova situação, ainda faziam sentido. Tudo me parecia um bocadinho fútil e desadequado. Por outro lado, algumas canções de repente ganharam novos sentidos. Tenho uma que diz “fui para casa ver o sol no televisor” e que foi escrita antes do confinamento, então quase que me assustei com essa profecia [risos].

Depois engravidei e a gravidez é uma fase de muita incerteza, sobretudo num primeiro filho, porque não sabemos bem ao que vamos, e viver isso naqueles tempos foi uma dupla incerteza e um desafio. Mas também foi uma espécie de terapia e de sobrevivência, estar a escrever e a concentrar-me nas canções do disco novo. Acabei por ir gravar já quase com oito meses de gravidez, a arriscar um bocadinho ter de interromper e ter de ir para o hospital, mas isso tornou o processo muito especial. 

Mas foi mesmo muito especial porque o público faz tudo quando está feliz, leva-nos ao colo e foi isso que aconteceu 

Deu um concerto, no Teatro Maria Matos, no dia 21 de junho, como foi voltar a pisar um palco?

Foi maravilhoso. Foi mesmo uma experiência incrível. No verão passado tinha feito dois concertos que me souberam pela vida, mas depois entretanto voltou a passar quase um ano. E a maternidade também é uma experiência que nos transforma imenso e que nos faz questionar como é que será pisar um palco novamente - se vamos conseguir cantar, bem como todos os desafios inerentes a ter de o deixar.

Mas foi mesmo muito especial porque o público faz tudo quando está feliz, leva-nos ao colo e foi isso que aconteceu. Estavam a cantar as canções, estavam a dançar, batiam palmas a meio das músicas quase, por isso os músicos e eu acabámos por simplesmente desfrutar do momento, parecia que tínhamos tocado na semana passada.

Como foi lidar com a ausência de concertos durante a pandemia?

No meu caso, posso dizer que sou privilegiada porque tenho outras fontes de rendimento. Sou professora também e, portanto, numa fase inicial, enquanto ainda não estava de licença, continuei a dar aulas online. Também escrevo música para mim e para outros, por isso não dependia exclusivamente dos concertos e não foi dramático. Mas é para muitos artistas, para muitos técnicos, que só dependem disso. 

Obviamente que não ter palco nos tira um bocadinho a motivação para criar e para continuar a trabalhar, porque o palco dá-nos muito retorno emocional também, daquilo que fazemos e quando não temos isso, por mais lives que se façam a partir de casa, é sempre estranho e mais frio. Não temos esse combustível para nos alimentar. Como estava grávida e estava a olhar para o novo álbum, estava concentrada nisso e, por isso, não sofri tanto com essa ausência de concertos, embora me tenha custado.

Estamos a prolongar um problema e eu acho que um concerto sem o retorno do público é uma coisa muito individual. Recebemos os comentários e as mensagens e isso é ótimo, mas não tem a magia de um espetáculo ao vivo 

Como viu o impacto das restrições no setor da Cultura? 

Esta pandemia veio acentuar uma data de problemas que já existiam. Um deles, na minha opinião, tem a ver com a questão da democratização da música na internet, que apesar de ter trazido muitas vantagens (na divulgação do trabalho dos artistas e no acesso que é dado às pessoas da música que é feita), também trouxe alguns problemas, nomeadamente naquilo que é a compensação financeira para quem cria a música. O artista acaba por ficar sempre no final da cadeia alimentar e o público habituou-se, sem praticamente ter de pagar, a receber esse produto, por isso, é muito difícil voltar para trás. Há legislação que está a ser considerada neste momento, mas é muito difícil.

Depois estamos numa pandemia, as pessoas estão em casa, estão a ver filmes, estão a ler livros e a ouvir música, mas quem fez essas obras não está a ser compensado devidamente. Além disso, a falta de concertos e as medidas tomadas - que obviamente são para a segurança de todos - têm um impacto económico muito grande na viabilidade da realização de espetáculos. O setor adaptou-se para conseguir cumprir essas normas, ainda assim, comparativamente a outras situações, setores, o da Cultura continua a ser muito prejudicado.

Houve eventos teste, por exemplo, mas depois não se deu seguimento à avaliação. Não há surtos identificados por espetáculos culturais, mas continuam as restrições e agora as restrições de horários. Ainda hoje li um texto da Capicua a falar sobre isso, sobre como é tão difícil para este setor sobreviver. É muito difícil.

A Cultura ainda é o parente pobre?

Sim, sem dúvida. Acho que as pessoas começam a aperceber-se que a Cultura é mesmo essencial e que precisam dela, mas às vezes não dão pela sua presença e por isso não é prioritária.

Mas por outro lado, a pandemia serviu também para que os artistas criassem soluções e novas formas de levar a cultura às pessoas durante esse período e reforçassem, assim, a sua importância. Concorda?

Confesso que não consigo ter uma opinião segura sobre esse assunto. Foi positivo que tivessem existido mais meios de divulgação mas, era o que dizia anteriormente, foram raros os casos em que houve de facto uma compensação justa para o artista que estava novamente a trabalhar à borla para dar ao público o melhor de si. Isso foi um bocadinho perigoso, porque se banalizou. Estamos a prolongar um problema e eu acho que um concerto sem o retorno do público é uma coisa muito individual. Recebemos os comentários e as mensagens e isso é ótimo, mas não tem a magia de um espetáculo ao vivo.

Temos muito bons músicos, muito bons compositores. O problema não é a qualidade do produto, mas sim o facto de para uma pessoa viver e ter algum retorno financeiro para exercer esta profissão é preciso que haja um investimento e um apoio do Estado

O José Cid procurou o apoio do Ministério da Cultura para gravar um novo disco e terá recebido 50 mil euros do Estado para investir. Como é que encara esta situação?

É muito difícil falar nessas situações porque obviamente o José Cid é um músico incrível, uma pessoa com uma carreira inigualável e não gosto de criticar colegas por sistema, porque acho que é, de alguma forma, desleal. Compreendo que as pessoas quando estão a passar dificuldades ou quando estão com menos concertos seja muito difícil não aceitarem essa compensação. Digo a mesma coisa em relação, por exemplo, àquela primeira iniciativa que depois foi cancelada [TV Fest - Festival organizado pelo Ministério da Cultura e que seria transmitido pela RTP] em que os artistas depois tinham de escolher o próximo artista, porque é uma coisa um bocadinho viciada, todos nós nos queremos ajudar mas é preciso que haja alguma justiça na distribuição dessas compensações. 

Portanto, não vou falar desse caso em particular, mas acho que é preciso que haja medidas estruturais e que mostrem que este Governo valoriza o papel dos artistas e da Cultura. Ainda para mais porque é uma fonte de riqueza. É um setor que é muito produtivo e passível de ser exportado. Tem de continuar a haver esse investimento porque faz todo o sentido que exista e não só em casos isolados.

O panorama musical português está bom e recomenda-se?

Para mim, sim! Todos os dias oiço coisas novas, há artistas já firmados e com trabalhos muito interessantes, portanto a qualidade do produto artístico nacional não está em causa, temos muito bons músicos, muito bons compositores. O problema não é a qualidade do produto, mas sim o facto de para uma pessoa viver e ter algum retorno financeiro para exercer esta profissão é preciso que haja um investimento e um apoio do Estado. As pessoas só vão gostar daquilo que conhecem e daquilo que ouvem e se a música não chega até elas, podemos ter os melhores artistas, mas se calhar não vão poder exercer a profissão muito mais tempo, porque têm de se voltar para outras coisas.

Tem trabalhado várias vezes com Benjamim - no álbum ‘O Material Tem Sempre Razão’, na participação do Festival da Canção em 2018 - que papel tem tido essa colaboração para a sua carreira?

Tem tido um papel importantíssimo. Escrevi um primeiro disco, o ‘Avesso’ e foi um disco que não teve produtor oficial, fui eu e os músicos que trabalhavam comigo que o produzimos. Era um disco que vinha ainda muito do jazz e de que gosto muito, mas que não tem esse refinar da produção, não tem o cuidado estético que depois os meus álbuns seguintes tiveram. 

Estava a querer gravar um segundo disco e andava à procura de um produtor e o que me chamou à atenção no Benjamim foi o facto de ele ser muito eclético e ter produzido artistas diferentes - o primeiro disco da Márcia, o disco das Golden Slumbers, que é mais folk, o dos Tape Junk, mais para o indie-rock - portanto pensei que ia conseguir perceber aquilo que a minha música precisava. Claro que é um bocadinho assustador, às vezes, chamar um produtor, porque se tem algum receio que se perca a essência da música, é uma coisa muito pessoal.

A maior parte das pessoas só depois de eu ter ido ao Festival da Canção é que ouviu as minhas canções. Mas, a verdade é que caí ali completamente de paraquedas

Como é que surgiu esse trabalho em conjunto?

Desafiei-o e na altura o Benjamim disse-me que queria trabalhar só pessoas que escrevessem em português... eu tinha um disco quase todo escrito em inglês e fiquei um bocado deprimida [risos]. Mas fui para casa porque tinha uma canção, que era o ‘Vai Ser Melhor’, em português, da qual gostava muito e pensei: "já tenho uma, deixa ver o que sai daqui". Escrevi uma série de canções em português, voltei a chamá-lo e ele disse: "então bora". Estivemos a trabalhar, a fazer pré-produção das canções, escolher as que faziam sentido, algumas escrevi mais letra, outras alterei e nunca tinha tido um produtor a fazer esse trabalho comigo. Depois, a nível estético, acho que o Benjamim conseguiu dar às canções uma roupagem pop, retro-pop - até costumamos dizer que é um disco de 79, porque é do final dos anos 70, ainda com essa onda, quase hippie - e acho que que essa roupagem única teve muito a ver com a mestria dele e para mim fez todo o sentido voltar a chamá-lo para este meu próximo disco.

Como foi a passagem pelo Festival da Canção? Era um desejo?

Tínhamos acabado de lançar a primeira canção e o Benjamim convidou-me para ir defender a canção dele. Foi uma experiência super intensa. No fundo, foi o início de tudo, porque a maior parte das pessoas só depois de eu ter ido ao Festival da Canção é que ouviu as minhas canções. Mas, a verdade é que caí ali completamente de paraquedas. Não tinha muita experiência televisiva, não estava muito habituada a esse tipo de exposição mediática. Quando ele me convidou, engoli em seco [risos], porque pensei ‘vais ter de aceitar’, mas tive algum receio e acabou por ser uma prova de fogo, porque é muita responsabilidade, defendermos uma canção escrita por outra pessoa, ainda por cima um músico e um amigo que respeitamos tanto.

Depois também foi um desafio por causa das redes sociais e do mediatismo que o Festival voltou a ganhar, há ali aspetos muito difíceis de se lidar, nomeadamente a falta de empatia das pessoas que estão a assistir - dizem-se coisas mesmo horríveis e é preciso ter nervos de aço. Para mim que era a primeira vez foi um bocadinho difícil aprender essa lição, mas aprendi-a e não me arrependo nada. No final cantei a canção, fiz imensos amigos, divulguei o meu trabalho como intérprete, a música do Benjamim e saímos de lá super felizes.

A vida nunca é totalmente feliz, nem totalmente dramática, felizmente. As coisas mais difíceis fazem-nos apreciar melhor as coisas boas e tentei que as canções refletissem isso

O álbum ‘Ninguém nos Vai Tirar o Sol’ chega às lojas a 24 de setembro e já está em pré-venda, que tipo de som poderão encontrar os fãs?

Este disco não é totalmente distante do anterior em termos técnicos. Algumas das canções são ainda mais pop e mais orelhudas, porque queria criar algumas canções para nos puxar para cima (e para me puxar para cima), nestes tempos tão difíceis. Por outro lado, obviamente há canções que são mais melancólicas. Gosto muito disso, dessa mistura agridoce na arte em geral e na música em particular, porque a vida nunca é totalmente feliz, nem totalmente dramática, felizmente. As coisas mais difíceis fazem-nos apreciar melhor as coisas boas e tentei que as canções refletissem isso. Mas sempre com um tom bastante esperançoso e quase romântico, quase a querer criar uma realidade paralela para sobrevivermos a estes tempos.

Em termos de influências, ouvi muito a Angel Olsen, que já era uma grande influência, Wise Blood, Marika Hackman, uma miúda nova de quem sou absolutamente fã que é a Madison Cunningham, Tame Impala, Lena d’Água, Luísa Sobral, a Márcia... a Capicua, o disco da Capicua, por exemplo, foi um disco que ouvi imenso no confinamento, sei que tinha acabado de ser mãe, também, quando lançou o disco, por isso foi ainda mais especial para mim. São influências super dispersas.

Quando é que se pode esperar o próximo single e os próximos concertos?

Agora vamos libertar duas canções antes de sair o álbum. Vão ficando disponíveis digitalmente e, não vou estragar a surpresa, mas diria que é novamente uma canção assim mais animada e depois outra um bocadinho mais calma, uma em julho e uma em agosto. Depois outro single a rodar quando o disco sair.

Em relação aos concertos, estamos neste momento a marcar e temos algumas perspetivas. Vamos obviamente fazer dois concertos de lançamento, pelo menos, depois do disco sair. Espero que sejam um máximo de concertos possíveis, mas nesta situação estamos todos a tentar perceber o que vai acontecer.

Pode ouvir o novo single de Joana Espadinha abaixo:

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