Miguel Thiré coloca de novo o Rio em cena para pensar sobre o Brasil

‘Cidade Maravilhosa’, um solo de humor do ator Miguel Thiré, vai regressar ao palco do Chapitô no início de novembro. Thiré, que os portugueses recordam de ‘Malhação’ ou, mais recentemente, ‘A Impostora’, está a viver em Lisboa e decidiu voltar a colocar em palco “a dor e a delícia de ser carioca”, agora com o devido distanciamento: tanto geográfico como eleitoral.

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Anabela Sousa Dantas
25/10/2019 08:40 ‧ 25/10/2019 por Anabela Sousa Dantas

Cultura

Miguel Thiré

A peça ‘Cidade Maravilhosa’, escrita e interpretada por Miguel Thiré, foi um sucesso quando estreou em Lisboa, em 2017. Agora, o ator brasileiro reinterpreta as mesmas quatro personagens por si criadas, mas à luz de dois anos de mudanças, tanto pessoais como sociais. O espetáculo, que sobe ao palco do Chapitô a partir de novembro, é o mesmo, o texto é que poderá apresentar algumas diferenças.

Miguel Thiré escreveu ‘Cidade Maravilhosa’ ainda no Rio de Janeiro e defende-a como “muito simbólica”, por tratar “a dor e a delícia de ser carioca”. “A cidade não sai da minha cabeça. Primeiro porque é a minha cidade, segundo porque a saudade vai aumentando e também porque, em 2015, quando construí a peça eu queria falar da falta de compromisso do carioca, queria falar desse jeito malandro de ser, muito típico da estrutura social do Rio de Janeiro. Hoje, o Rio está a passar por um inferno astral”, diz o ator em entrevista ao Notícias ao Minuto.

O espetáculo é dinâmico, feito em estreita ligação com o público e, portanto, não há duas noites iguais. Nesta nova temporada, a ideia será refletir sobre as mudanças que ocorreram nos últimos dois anos. “Acrescentei um ponto de vista, de como as coisas mudaram, do quanto elas mudaram e o quão rápido. Não só na estrutura do Rio de Janeiro, caótico, muito violento, com atitudes políticas muito particulares, como na esfera nacional. Não quero ser partidário, essa peça não é para defender posicionamentos políticos, mas não há como não comentar que, de 2015 para 2019, o panorama e as relações mudaram muito”, explica.

O tom, porém, é de comédia. “A peça é uma comédia, mas através da comédia eu vou tocando em todos esses pontos”, esclarece, sublinhando que é esse o apanágio do humor.

Chegar a um assunto que você não pode ou não quer falar, mas de uma maneira divertida, para um momento de reflexãoAs mudanças sociais mais sérias em causa estão, em grande parte, ligadas às convulsões políticas que se vivem no Brasil nos últimos anos, embora Miguel Thiré deixe claro que não pretende uma tomada de posição, antes uma reflexão. Oriundo de uma família de artistas (neto de Tônia Carrero, filho de Cecil Thiré), o ator fala sobre o impacto das mudanças políticas na arte. “A arte está a ser censurada pela esfera municipal, estadual e federal. Dentro do próprio comportamento do Brasil, o que se podia falar e o que se pode falar hoje mudou muito”

Um exemplo disso é a questão que envolve a assinatura do diploma de vencedor do Prémio Camões, que foi atribuído a Chico Buarque. “É uma censura aberta e declarada por uma extrema-direita que teve como um dos principais rivais, durante o processo eleitoral, a classe dos artistas”, indica, explicando que existe uma tentativa de desmantelamento das artes.

O impacto é, porém, mais alargado. “Não fica só por aí, desmantelam a ciência, investimento, ciência, educação, é assustador. É o desmantelamento de um país, mesmo”, critica.

Notícias ao MinutoAtor carioca mudou-se para Lisboa em 2016© Reprodução

Miguel Thiré admite que existe uma grande polarização política no Brasil, que impede uma conversa construtiva sobre o tema. O ator fala num “Brasil que se recusava a pensar em política” e que agora o faz “de forma passional”, criando uma intolerância que afetou as esferas sociais. “Essa separação no país e nas famílias aconteceu em todas as famílias e na minha também. Não no núcleo central, mas aquele grupo da família mais afastado, a meio das eleições passadas, afastou-se. Intolerância de um lado e intolerância do outro”, afirma.

Deixando a conversa sobre divisão, para entrar no debate sobre construção de pontes, o carioca não deixa de falar sobre Jorge Jesus. O treinador do Flamengo, clube do Rio de Janeiro, é nesta altura um tema “simbólico”. “Neste momento, o que eu sinto é a transposição de uma cidade na outra. Tenho tantos amigos cariocas aqui e é muito curioso. Este Flamengo, com um técnico português, neste auge”, explica, falando em “dois países apaixonados por futebol”. “A maior equipa da minha cidade, que por acaso é a minha equipa, tem um treinador português e tem milhões de cariocas a viver aqui. É simbólico”, concluiu, admitindo-se um fã de Jorge Jesus.

Miguel Thiré irá continuar por Lisboa, fazendo já parte do elenco da comédia inglesa 'A Peça Que Dá Para o Torto', com estreia marcada para fevereiro de 2020, no Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa. A peça, que chegará a Portugal com apresentação idêntica à original, conta com nomes como Inês Castel-Branco e Joana Pais de Brito.

'Cidade Maravilhosa' está em cena no Chapitô a partir de 1 de novembro até 1 de dezembro, às sextas, sábados e domingos, às 22h. O preço do bilhete é 12 euros e as reservas podem ser feitas através deste número: 218 855 550.

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