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Magalhães. O acaso que fez de uma viagem a primeira volta ao mundo

O acaso quis que a viagem organizada pelo navegador português Fernão de Magalhães às ilhas Molucas, no Pacífico, fosse a primeira a dar a volta ao mundo, cujo quinto centenário se assinala em Portugal e Espanha até 2022.

Magalhães. O acaso que fez de uma viagem a primeira volta ao mundo
Notícias ao Minuto

10:50 - 12/09/19 por Lusa

Cultura Magalhães

"Magalhães propunha-se simplesmente demonstrar que as ilhas Molucas [Indonésia] estavam na demarcação de Castela", afirmou o historiador Luís Filipe Thomaz, em entrevista à agência Lusa, a propósito dos 500 anos da primeira viagem de circum-navegação da Terra, realizada por Fernão de Magalhães e pelo navegador espanhol Juan Sebastián Elcano entre 1519 e 1522.

Segundo o autor do livro 'O drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer', o rei de Castela (Espanha) Carlos I (também conhecido por Carlos V, imperador do Sacro Império Romano-Germânico) deu ao comandante português "ordens escritas" para "não dar a volta ao mundo, para não se imiscuir no hemisfério português", delimitado em 1494 pelo Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo (descoberto ou a descobrir) entre Portugal e Espanha.

O regresso das Molucas a Espanha, de onde saiu a armada liderada por Magalhães, era para ser feito novamente pelo oceano Pacífico, mas possivelmente pela costa do Panamá e não contornando o sul da América do Sul subindo depois o oceano Atlântico, como fora feito, no sentido descendente, na partida para as Molucas.

Na realidade, a viagem de ida e volta pelo Pacífico acabou por não suceder, tendo o retorno sido concretizado pela Rota do Cabo, dominada pelos portugueses e que ligava o Ocidente ao Oriente pelo Cabo da Boa Esperança, no Atlântico.

A expedição ao serviço da Coroa espanhola partiu do porto de Sanlúcar de Barrameda em 20 de setembro de 1519, com uma frota de cinco navios e 237 tripulantes de várias nacionalidades, a maioria espanhóis.

Fernão de Magalhães morreu em 27 de abril de 1521, numa luta tribal nas Filipinas, sem chegar ao seu destino, mas conseguindo a proeza de atravessar à primeira tentativa o Pacífico, assim designado pelo navegador português devido à calmaria das suas águas.

Foi um outro navegador da expedição, Juan Sebastián Elcano, basco, que, ao chegar às Molucas, empreendeu o regresso a Espanha na nau "Victoria", a que restava, percorrendo o sul do oceano Índico e o Atlântico e, assim, perfez a circum-navegação do mundo. O navio aportou em Sevilha com 18 homens europeus e três molucanos, a 08 de setembro de 1522.

Com "medo de ser apanhado pelos portugueses", Elcano (1476-1526) fez o caminho de volta por "uma rota pouco frequentada", saindo das Molucas em direção a Timor, que à época, segundo o historiador Luís Filipe Thomaz, era uma região visitada por mercadores portugueses, mas só mais tarde, em 1642, se tornou um protetorado de Portugal.

Depois, descreve o especialista em estudos orientais, o navegador espanhol, que se rebelou contra Magalhães na Patagónia, mas foi poupado, "pôs-se à latitude do Cabo da Boa Esperança e fez a viagem contra o vento". Subiu o Atlântico, fazendo escala na ilha de Santiago, em Cabo Verde, para se abastecer de água, que escasseava a bordo.

Em "desespero de causa", Juan Sebastián Elcano "foi contra as instruções" do rei de Castela e entrou em território português. Em Cabo Verde, 13 tripulantes foram presos quando desembarcaram.

"Disseram que vinham das Antilhas, que se tinham perdido com os ventos para não levantar suspeitas. Mas queriam comprar mantimentos e não tinham dinheiro. Resolveram vender umas sacas de cravinho e as pessoas perceberam que vinham de Maluco [Molucas] porque o cravinho vinha de Maluco", relata Luís Filipe Thomaz.

O cravinho, hoje comparado ao café, que, depois do petróleo, é a segunda "mercadoria do comércio internacional", era das especiarias "mais caras" no século XVI, sendo consumido na Pérsia, China e Índia, que ficavam na divisória portuguesa.

"Era mais caro do que a pimenta e o gengibre", assinala o historiador. O cravinho cultivava-se nas Molucas, também chamadas de Ilhas das Especiarias, que Portugal e Castela reclamavam como seu território.

Acontece que, de acordo com Luís Filipe Thomaz, o Tratado de Tordesilhas, no qual os dois reinos se baseavam na questão das Molucas, continha imprecisões, inclusive não tinha em conta que as léguas portuguesas eram maiores do que as castelhanas para medir as distâncias.

Na verdade, as Molucas estavam no "hemisfério português", e esse foi "o erro de Magalhães", que as supunha no "hemisfério espanhol", com o diferendo de Portugal e Castela em relação à soberania das ilhas a ser sanado, a troco de "uma compensação monetária" de Portugal, com a assinatura do Tratado de Saragoça, em 1529.

A viagem Magalhães-Elcano, marcada por fome, sede, doenças como o escorbuto, deserções, confrontos tribais, um motim e um naufrágio, que reduziram o contingente de navios e tripulantes, "abriu perspetivas económicas" a Castela.

"Os espanhóis viram que tinham acesso ao Extremo-Oriente pelo Pacífico", salienta o autor de "O drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer".

Contudo, Castela só atinou com o caminho de regresso do Oriente para o México, que era uma colónia espanhola banhada pelo Pacífico, ao fim de 31 anos, em 1553.

Nessa altura, Espanha já tinha desistido das Molucas, por força do Tratado de Saragoça e por não dispor de mercado para vender o cravinho, e começou "a explorar o comércio" das Filipinas, que, segundo Luís Filipe Thomaz, funcionou até ao século XVIII como entreposto para Espanha "obter produtos da China".

"Passou a vir um galeão de Manila a trazer produtos da China para o México, que passou a ter acesso às especiarias, porcelanas e sedas", enumera o historiador, acrescentando que uma parte dessas mercadorias chegava a Espanha sem que esse comércio tivesse peso mundial.

Para Luís Filipe Thomaz, a expedição Magalhães-Elcano "não mudou nada no imediato" em termos económicos. A venda do cravinho que aportou em Espanha terá permitido apenas cobrir os "gastos correntes" da viagem.

Fernão de Magalhães (1480-1521) "aborreceu-se com o rei D. Manuel" I de Portugal, por o monarca lhe ter recusado um aumento da sua pensão, e "o rei D. Manuel aborreceu-se com ele", aparentemente por se ter ausentado do seu posto de serviço sem autorização, adianta o historiador.

Magalhães oferece então os seus préstimos a Castela, que paga uma viagem que se tornou, fora dos seus intentos, na primeira a completar a volta ao mundo. Uma volta que foi proibida, por acaso e em desespero de causa.

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