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RE.AL chega hoje ao fim com atuação de João Fiadeiro e Joana Gama

O projeto de dança contemporânea RE.AL, em Lisboa, do coreógrafo João Fiadeiro, fica sem casa, e a performance de despedida está marcada para hoje, com a pianista Joana Gama, no local que acolheu o ateliê, nos últimos 15 anos.

RE.AL chega hoje ao fim com atuação de João Fiadeiro e Joana Gama
Notícias ao Minuto

08:30 - 28/07/19 por Lusa

Cultura Dança contemporânea

"É claro na minha cabeça que é o fim de um ciclo", afirmou João Fiadeiro à agência Lusa, numa altura em que se prepara para abandonar o edifício em Lisboa onde a companhia e ateliê RE.AL estavam instalados, porque o senhorio não quis renovar contrato.

O derradeiro espetáculo da programação de despedida realiza-se hoje, já com o edifício vazio, depois de vendido o recheio, com João Fiadeiro e a pianista Joana Gama a interpretarem a peça "Vexations", de Erik Satie, durante sete horas, entre as 15:00 e as 22:00.

"Tinha o desejo de fazer uma performance final, mais solitária, da relação entre mim e a própria casa", explicou Fiadeiro, à agência Lusa.

Nascido em 1965, João Fiadeiro é um dos nomes da renovação da dança contemporânea portuguesa. Fundou a companhia RE.AL em 1990, projeto que, em quase 30 anos de trabalho na investigação e interpretação, teve várias casas.

Os últimos 15 anos foram passados num edifício onde João Fiadeiro desenvolveu um ateliê que servia de plataforma para a criação artística, investigação e programação transdisciplinar.

O Atelier RE.AL era um espaço de 'coworking' e acolhimento de estruturas e projetos de produção contemporânea, ligados à dança, performance, música, literatura, design, fotografia e artes visuais, disponível para académicos ou artistas em residência.

"Já mudámos quatro, cinco vezes e agora é claramente um momento em que se vai mudar o paradigma. Não há em vista nenhum outro espaço", disse.

Neste mês de julho, a casa do RE.AL viveu "um projeto muitíssimo intenso de ocupação constante", intitulado "Des|Ocupação", com performances, conversas e participação de cerca de 30 artistas, que fizeram a história da companhia e ateliê.

João Fiadeiro, que se prepara para uma pausa, destinada a finalizar um doutoramento, identifica um momento decisivo na vida do RE.AL quando, em 2015, foi excluído dos apoios da Direção-Geral das Artes e só foi informado da decisão seis meses depois, já com programação delineada.

"Quando perdemos subsídio ficámos com vinte e tal anos de atividade e de criação de rede de cumplicidade e de afetos completamente destruídos. E agora, sem o espaço, mesmo que a gente queira continuar, é muito difícil. O que estou a fazer é aceitar o fim. Estou a fazer os possíveis para que seja uma celebração e não um lamento, isso para mim é muito importante", afirmou o coreógrafo.

O bailarino fala de um "problema estrutural" na relação do poder público com os artistas: "Parece que é uma espécie de estética de precariedade, algo que impossibilita que o Estado se sinta ligado, mesmo que afetivamente, com os seus artistas".

"Nós somos um produto de investimento do Estado que, num determinado momento, não somos contemplados com financiamento, há toda uma atividade que colapsa do dia para a noite e não há ninguém que se preocupe com isso", lamentou.

No entender de João Fiadeiro, fica ainda por resolver que destino dar ao arquivo construído nestas três décadas. A Câmara de Lisboa cedeu um espaço temporário, no Polo das Gaivotas, para colocar o espólio do RE.AL.

"Não há nenhum lugar apropriado, mesmo que eu queira doar, esse espólio para que possa ser tratado e disponibilizado para investigadores. É uma falha do sistema de inscrição e de atenção, que não existe", explicou.

Coreógrafo e bailarino, João Fiadeiro nasceu em Paris, filho de pais exilados da ditadura, tendo vivido em Argel, El Salvador e Brasil, antes de se fixar em Portugal.

No começo da carreira, trabalhou com o coreógrafo e bailarino Rui Horta e frequentou os cursos do Ballet Gulbenkian, antes da formação em técnicas de dança clássica e contemporânea, feita entre Nova Iorque, nos ateliers de Trisha Brown e Steve Paxton, e Berlim, onde trabalhou técnicas de Wim Vanderkeybus, Dieter Heitkamp e Howard Sonnenkar, na base do seu trabalho de composição em tempo real.

Fez parte da Companhia de Danc¸a de Lisboa, do Ballet Gulbenkian, do programa da primeira edição do festival Danças na Cidade. Trabalhou com os Artistas Unidos, em "movimento de atores", em encenações de dramaturgos como Samuel Beckett, Jon Fosse e Sarah Kane.

"Retrato da Memória Enquanto Peso Morto" (1990), "Vidas Silenciosas" (1997) e "I Am Here" (2003), a partir da obra da artista Helena Almeida, são algumas das suas criações.

De 2011 a 2014 codirigiu, com a antropo´loga Fernanda Euge´nio, o centro de investigac¸a~o AND_Lab, em Lisboa, "plataforma de formac¸ão e pesquisa na interface entre criatividade, sustentabilidade e quotidiano".

Há um ano estreou "From afar it was an island", no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no âmbito do Festival Alkantara, espetáculo que abordou de novo em "From afar it was an island. De perto, uma pedra", com que abriu o festival Citemor, em Coimbra, na passada quinta-feira.

Com Romain Bigé, coreógrafo e ensaísta francês, fez a curadoria de "Esboços de Técnicas Interiores", primeira retrospetiva sobre o legado do norte-americano Steve Paxton, "uma das referências fundamentais" das práticas contemporâneas do movimento e da dança, que esteva patente na Culturgest, desde março até ao passado dia 21.

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