'Dungeons & Dragons', um reino de fantasia com mais de 45 anos
João Gregório tem 27 anos e é guia turístico, mas sempre que começa um jogo de 'Dungeons & Dragons' torna-se Addero de Velcas, o filho de um mercador que estava entediado com a vida e decidiu lançar-se à aventura.
© Dungeons & Dragons/Facebook
Cultura Dungeons & Dragons
Um está no planeta Terra, outro num mundo da imaginação, mas no momento em que João Gregório lança o dado, tanto para o seu coração como o da sua personagem, Addero de Velcas.
Em 'Dungeons & Dragons', que em 2019 celebra 45 anos, cada jogador cria uma personagem, que participa numa campanha de grupo num mundo imaginário, com o objetivo de cumprir uma missão.
Segundo a Wizards of the Coast, empresa norte-americana que em 1997 adquiriu o jogo também apelidado de 'D&D', atualmente existem mais de 40 milhões de jogadores espalhados pelo mundo.
Em resposta à agência Lusa, por correio eletrónico, a companhia afirmou que 'Dungeons & Dragons' é "mais popular agora do que alguma vez foi", e o ano passado representou "o melhor de sempre, marcando cinco anos consecutivos de crescimento".
Foi exatamente em 2014 que, com a publicação da 5.ª edição de 'D&D' -- uma versão que João Gregório considera ser "mais simples e fácil" --, este entrou no reino das masmorras e dragões.
"É uma forma de escape, podemos ter um dia aborrecido no trabalho, mas no jogo existe o mundo -- os dragões, a magia -- e, durante aquelas três ou quatro horas, é isso que temos", confessou à Lusa o jogador.
Contas feitas, 'Dungeons & Dragons' acaba por ocupar cerca de oito horas da semana do guia turístico, que, além de jogar, também é mestre de jogo, cargo igualmente conhecido como DM (do inglês 'Dungeon Master'), uma espécie de narrador que cria e descreve a aventura para os jogadores.
Dany Rangel, gerente da Arena Porto, um ponto de encontro para jogadores de 'Dungeons & Dragons' na cidade, também é mestre de jogo há 19 anos e confessou à Lusa que sempre preferiu "'mestrar'" a jogar.
"É uma maneira de expandir as minhas ideias, quase como escrever um livro ao vivo, porque as personagens estão vivas à minha frente e estão a tomar decisões que nunca esperaria", afirmou.
Segundo o gerente de 36 anos, por vezes a aventura torna-se tão intensa que se atinge o "expoente" dos jogos de representação, quando se quebra a "divisão entre o que está a acontecer e o jogador está a sentir", como "algumas pessoas chorarem com a morte de uma personagem".
Para Dany Rangel, nos últimos anos "perdeu-se a vergonha" de pertencer à comunidade de 'Dungeons & Dragons', e as referências em séries e bandas desenhadas despertaram a curiosidade sobre o jogo.
Quando um grupo de curiosos chega à Arena, António Freitas é "um dos primeiros a se voluntariar para mestrar o seu primeiro jogo".
O explicador de 30 anos afirmou que 'D&D' ajuda a "resolver problemas e a pensar 'fora da caixa'", bem como a "conseguir desenvolver laços".
"Tenho duas jogadoras que têm ansiedade social, mas neste momento ninguém diria, porque elas estão tão à vontade que às vezes são das pessoas mais extrovertidas da mesa", contou à Lusa.
Muitas vezes, a história acaba por sair do mundo da fantasia para a própria vida dos jogadores.
"Na última sessão de 'D&D', uma das personagens fez uma coisa desrespeitosa contra a minha e agora estou a pensar como o vou apanhar", afirmou André Silva, de 25 anos.
O jovem, que "nunca tinha visto jogos sem as limitações que um jogo digital tem" antes de 'Dungeons & Dragons', considera que este o faz "pensar de maneira diferente" e é "um ambiente seguro em que se pode experimentar".
"A minha personagem gosta de falar e odeia quando é interrompida, uma coisa que eu próprio fazia e, através destes jogos, percebi que não é uma atitude correta e deixei de fazer isso", afirmou.
Para André Silva, uma das situações mais marcantes de 'D&D' aconteceu quando a sua equipa estava a tentar abandonar um navio que estava a ser atacado e a sua personagem se transformou numa orca, conseguindo levar o grupo para segurança.
"É aquele momento em que dizes uma coisa e ficam todos a olhar para ti, mas consegues, e malta passa-se", explicou.
Segundo João Gregório, 'D&D', que começou limitado a masmorras, "corredores apertados, muito quadrados e retos", evoluiu ao longo da sua existência e "agora existe todo o tipo de situações".
"O clássico é combater um monstro, mas existem géneros de detetive. Nem sempre o objetivo é salvar o mundo", disse.
Dado o vasto leque de opções, Dany Rangel e António Oliveira, juntamente com outros mestres de jogo, Rui Araújo e Daniel Andrade, criaram um 'podcast' para "colmatar algumas das dúvidas", disse à Lusa o gerente da Arena Porto.
Ainda que o podcast tenha sido criado em 2015, os criadores consideram que atualmente ainda existe "um vazio de conteúdo" sobre "Dungeons & Dragons" em Portugal, mas que a presença do jogo no país é proporcional ao seu tamanho.
João Gregório tem a opinião de que o jogo era "muito de 'nerds', quase de exclusão social para quem participava", mas que o panorama mudou.
"Vêm, perguntam, jogam uma vez e acabou: ficam para o resto da vida", rematou.
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