A peça chama-se 'Romance Familiar ou a Realidade Aumentada' e estreia-se a 11, 12 e 13 de abril, na Culturgest, em Lisboa, para suscitar uma reflexão da realidade das pessoas "que já não são ninguém sem as máquinas".
Numa entrevista à agência Lusa, num intervalo dos ensaios do espetáculo, Ana Borralho e João Galante falaram das ideias associadas ao nascimento do projeto, suscitadas simplesmente pelo que rodeia os seres humanos nos dias de hoje: assistentes virtuais, redes sociais, telemóveis cada vez mais sofisticados, e outros equipamentos e serviços digitais em todas as áreas, da saúde ao entretenimento.
"Os nossos trabalhos são sempre sobre as pessoas", disse sobre a nova performance, que considera "talvez um pouco triste, e até meio apocalíptica, porque é um pouco sobre o fim de um determinado tipo de humano, que está a tornar-se cada vez mais máquina", disse à Lusa João Galante.
Para o criador e intérprete, esta evolução humana, "não é necessariamente má", mas está a tornar-se tão rápida que se tornou muito visível "a dependência das máquinas no dia-a-dia" da maioria das pessoas.
"O corpo já não sobrevive sem a máquina", acrescenta Ana Borralho sobre a peça, que aborda o tema através do recurso a dispositivos tecnológicos recentes, e coloca o espetador a interagir, se quiser, com os intérpretes.
A utilização massiva de equipamentos digitais individualizados em todas as áreas está a criar modos de vida que - sublinham - têm impacto na ligação com o corpo e nas relações sociais.
"As nossas capacidades de decisão são afetadas porque já não as tomamos sozinhos, e nas redes sociais temos amigos que não conhecemos efetivamente", exemplificou João Galante sobre este novo paradigma que se tornou real.
Ana Borralho - que em conjunto com João Galante criou performances como "Atlas" (2011) e "Gatilho da Felicidade" (2017) - lembra ainda a recolha cada vez mais intensa de dados pessoais. "As máquinas começam a conhecer melhor os nossos gostos do que nós".
Buscas, ´likes´, tudo o que é revelado é registado, e é depois devolvido "com manipulação", diz a criadora, uma das fundadoras da estrutura de criação e difusão artística CasaBranca.
Porém, na criação do espetáculo - resultado do fascínio da dupla pelas novas tecnologias de comunicação - os dois artistas não quiseram "cair no moralismo" ou ter uma "atitude de Velho do Restelo", como se o passado é que fosse bom e o presente e o futuro desoladores.
"É uma abordagem da realidade que observamos todos os dias", dizem, sobre este trabalho, que, mais uma vez, aborda as pessoas e as suas formas de vida.
"Romance Familiar ou a Realidade Aumentada" inclui também participantes não-profissionais, bem como a participação dos espectadores, prosseguindo o processo de investigação de trabalhos anteriores, para aproximar o espaço artístico ao espaço social.
Ana Borralho explicou à Lusa que, como em performances anteriores, nas quais fazem um "open call" à comunidade para selecionar colaboradores, a peça, em Lisboa, terá a participação de 18 pessoas em palco.
"O número de pessoas que entram pode variar, dependendo depois da digressão" do espetáculo, que deverá começar em janeiro do próximo ano, em França.
A performance tem conceito, direção artística e espaço de Ana Borralho e João Galante, em cocriação com os atores Ana Freitas e Cláudio da Silva, e ainda em cocriação, assistência de ensaio e 'performers' Alface (Cátia Leitão) e Catarina Gonçalves.
O grupo de dez participantes da comunidade local são Alexandre Crespo, André de Campos, Barbara Bruno, Beatriz Garrucho, Eva Fornelos, João Meirinhos, Luara Learth, Maria Lalande, Mariana Santos e Ricardo Vaz Trindade.
A história desta dupla de artistas começou quando estudavam artes plásticas na escola AR.CO, e, enquanto atores e cocriadores, trabalharam regularmente com o grupo de Teatro Olho, e começaram a trabalhar em parceria em 2001.
A produção é da CasaBranca em coprodução com a Fundação Caixa Geral de Depósitos -- Culturgest, e Le fénix, polo europeu de criação descentralizada do Teatro de Denain, em França.