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"Tal como nós, Almada tinha uma forma fatalista de olhar para as coisas"

Os Capitão Fausto lançaram mais um disco, mas desta vez com alguns discretos toques tropicais. A essência está lá, mas a viagem ao Brasil trouxe algumas "felizes coincidências" que, 100 anos depois de Almada Negreiros, voltam a dar a Portugal uma 'Invenção do Dia Claro'. Hoje, a banda revela como construiu mais um álbum em português.

"Tal como nós, Almada tinha uma forma fatalista de olhar para as coisas"
Notícias ao Minuto

09:30 - 29/03/19 por Natacha Nunes Costa

Cultura Capitão

Que Alvalade chama por eles, já nós sabíamos. Mas quando o Notícias ao Minuto chegou à porta do estúdio dos Capitão Fausto, em pleno coração deste bairro lisboeta, estava longe de imaginar que iria fazer uma entrevista ao som de notas de violão atiradas para o ar pelo baixista da banda, Domingos Coimbra. E que mais tarde à conversa se iriam juntar mais dois membros da banda que continua “a fazer música, exclusivamente, a pensar na música”, sem deslumbramentos.

No estúdio, vários sofás velhos convivem com instrumentos e papéis. Quiçá letras acabadas de chegar com o álbum ‘A Invenção do Dia Claro’, lançado no dia 15 de março e que nos transporta para uma viagem transatlântica por oito novas canções que vão muito além do pop rock português a que os Capitão Fausto já nos habituaram.

Apesar de discreta, a influência tropical de 15 dias de gravação no Brasil fez com que este álbum navegasse por novos mares. Há sons e ritmos que um ouvido mais atento vai buscar ao outro lado do oceano e, mais do que tudo, uma energia diferente. É que neste disco canta-se coisas tristes de uma forma alegre, tal como os nossos irmãos das Terras de Vera Cruz, o quinteto lisboeta deu-nos um alegre álbum melancólico.

Mas fatalismos à parte, tal como ‘Os Dias Contados’, ‘A Invenção de um Dia Claro’ promete ser um êxito. Os Capitão Fausto vão dar dois concertos de apresentação do novo álbum no dia 4 de abril, na Casa da Música, no Porto, e no dia 6 de abril, no Capitólio, em Lisboa. O segundo já está esgotado.

Como é que surgiu o nome deste novo álbum? Tem alguma coisa a ver com a 'Invenção do Dia Claro' de Almada Negreiros?

Domingos Coimbra – Temos chamado de uma feliz coincidência. Já tínhamos as canções e as letras e estávamos à procura, como aliás nos acontece sempre, do título do álbum. Queríamos algo que unisse, que fosse quase uma cola e o Tomás deparou-se com o livro do Almada Negreiros, ‘A Invenção do Dia Claro’. Aliás ele já tinha lido poemas desse livro com a irmã, uma vez no Paredes de Coura, e tinha gostado muito da expressão ‘A Invenção do Dia Claro’ e, quando fizemos o disco achou que fazia sentido com aquilo que estava a escrever. Depois e lá está, por feliz coincidência, ao analisarmos aquilo sobre o qual fala Almada, embora seja diferente, porque a época é diferente, são quase 100 anos de diferença, conseguimos estabelecer um paralelismo connosco porque além de falar de relações humanas, tal como nós, ele tinha uma forma um bocadinho fatalista de olhar para as coisas. Houve algumas coincidências e de certa forma também foi uma homenagem. Contudo, não foi o livro do Almada que influenciou a escrita foi depois, lá está, por mero acaso.

Podemos dizer que este trabalho tem dupla nacionalidade? É que passaram quase duas semanas no Brasil a produzi-lo… mas com certeza também foi feito em Portugal…

Domingos Coimbra – Não diria que é uma dupla nacionalidade. Pede uma emprestada durante um tempinho. Surgiu-nos a oportunidade de gravar em São Paulo porque temos uma parceria, há alguns anos, com a Red Bull e temos feito várias coisas com eles. Aliás, é sempre um bocado uma ideia da Red Bull desafiar a coisas fora da caixa. E, neste caso, desafiaram-nos a gravar o álbum fora de Portugal. Eles têm vários estúdios espalhados pelo mundo e para nós fez todo o sentido gravar em São Paulo, tanto pela proximidade linguística e cultural como também pelo nosso gosto pela música brasileira. Quando lá fomos gravar, e nós já sabíamos que íamos lá gravar, já tínhamos parte dos esqueletos das canções feitos, mas, ao mesmo tempo, sabíamos que íamos gravar ao Brasil e, por isso, de certa forma, deixámos contagiar um bocadinho, influenciar por algumas características da música mais brasileira, seja pelos instrumentos de uma roda de choro, um cavaquinho, um pandeiro ou uma flauta.

Pedimos um bocadinho emprestadas algumas referências que aparecem neste disco de forma não super evidenciada, mas de uma forma tranquila. Não queríamos deixar que o facto de estarmos a gravar fora de Portugal moldasse ou condicionasse completamente a música que íamos fazer. São músicas que faríamos, mas estávamos um bocadinho abertos a estímulos. Se calhar, antigamente, não estávamos tanto.

Acho que tínhamos tanto medo de nos deslumbrar com tudo aquilo que, em seis sete dias, tínhamos tudo gravadoE como é que foi essa passagem pelo Brasil? Foram… 15 dias?

Domingos Coimbra – Tivemos 15 dias em São Paulo, dos quais 12 a gravar, e depois tivemos cinco dias no Rio de Janeiro só a descansar e correu muito bem. Foi trabalhar o dia inteiro e depois festa quase todas as noites, mas com rigor no trabalho. Não deixámos que aquele deslumbramento com uma cidade gigante, com caras novas e coisas a acontecer em todo o lado nos tirassem o foco. O foco era gravar os instrumentais, por isso trabalhamos muito nos primeiros seis, sete dias. Acho que tínhamos tanto medo de nos deslumbrar com tudo aquilo que, em seis sete dias, tínhamos tudo gravado.

Os outros dias foram tirados para apontamentos, para gravar umas coisas que estavam em falta, para ir a um bairro de lojas de música e comprar uma data de instrumentos que depois usamos. A viagem teve esse lado também, de ir à procura e de viver a cidade. Depois aproveitamos para estar com amigos que temos lá, bandas que conhecemos brasileiras, ver concertos, ir a festas. Foi uma experiência inacreditável e deu-nos muita alegria. Acho que o resultado que tiro dessa experiência foi uma coisa muito alegre e que animou o espírito.

Há pouco, contava-me que a influência tropical neste disco é discreta. Onde é que se sente mais esse toque, essa viagem? Em que músicas se nota mais essa influência musical?

Domingos Coimbra – Há uma coisa que só nos percebemos quando começamos a falar com pessoas que nos estavam a entrevistar. No início não era óbvio para nós, mas agora é um bocadinho mais óbvia, que é cantar coisas tristes de forma alegre. Não foi algo propositado, foi algo que aconteceu mas que é semelhante ao que eles [músicos brasileiros] fazem. Eles cantam com o mesmo entusiasmo coisas tristes, como cantam coisas alegres e isso é uma boa maneira de ultrapassar as coisas menos boas e de ter esperança noutras. E, apesar de ter sido inconsciente, foi algo que aconteceu neste trabalho. O outro exemplo onde se nota a influência tropical é na música ‘Certeza’, a primeira do álbum. Neste tema demos um bocado carta branca aos músicos que tocaram connosco, no final. Há sopros e tem o pandeiro a tocar o cavaquinho e está ali uma coisa se calhar mais evidenciada. Na ‘Faço as Vontades’, também se nota um bocadinho e, por exemplo na ‘Amor, a Nossa Vida’, a música tem sempre um pandeiro e um cavaquinho apesar de quase nem se notar. Apesar destes sons fazerem parte da base rítmica, nós não quisemos evidenciá-los. Evidenciamos se calhar um teclado ou uma linha de voz, mas ficaram ali, ou seja, não é chapado, mas está lá e ficou parte um bocadinho do nosso arranjo ter aquilo sempre ali por trás e nós gostámos disso. Há pessoas que só à terceira ou quarta vez que ouviram o disco é que repararam que de facto havia ali um suporte que estava a acontecer e que, se calhar, é menos característico em músicas nossas. E esse também era nosso objetivo também.

Apesar de só terem estado duas semanas no Brasil e de, muito provavelmente, terem estado rodeados de música e momentos que, normalmente, são polvilhados de alegria e construção. A verdade é que o Brasil não vive um dos seus melhores momentos, quer a nível político, quer a nível de segurança. Sentiram isso? Onde e como? Sentiram as diferenças entre Portugal e Brasil?

Domingos Coimbra –Sim, sentimos. Sou suspeito nessas coisas porque, na verdade, estudei Ciência Política e Relações Internacionais e por isso é sempre uma atenção minha perceber esse lado dos países e nesta viagem reparei em várias coisas. Reparei numa cidade gigante, quase uma Nova Iorque tropical que, por um lado, tem prédios gigantes por todo o lado, e é inacreditável o betão que tem por todo o lado, mas depois alguns desses prédios estão inacabados. Há uma clivagem gigante entre pessoas que têm muito dinheiro e pessoas que não têm dinheiro nenhum.

São Paulo é capaz de ser das cidades com mais helicópteros a toda a hora e ao mesmo tempo foi a cidade, o sítio do mundo onde eu estive, com mais pessoas a viver na rua. Atenção nós também temos muitos sem-abrigo em Lisboa e é um problema, mas ali era 20 sem-abrigos numa rua e às vezes quase, o que para mim é triste de se dizer, tinha de ter atenção onde é que estavam os pés porque estavam pessoas no meio da rua estendidas. Foi um choque, porque é quase uma normalidade, ou seja, por um lado, São Paulo está a crescer imenso culturalmente e está cheia de coisas a acontecer, mas depois tem esta pobreza.

A nível da falta de segurança, senti mais no Rio de Janeiro do que em São Paulo. Vimos alguns episódios que provaram que a realidade sul-americana é bastante diferente da realidade europeia. Aliás, é completamente diferente em várias coisas. Há muita mais pobreza, há, de facto, fome. E há outra diferença que eu notei. Apesar disto tudo, senti que eles têm uma voz política muito mais forte do que nós e por muitos mais assuntos. Toda a gente com quem conversei tem ideias muito vincadas e pensa muito politicamente no seu país. Isso pode ser uma consequência de um país que já foi alvo de muitas injustiças e de muitas dificuldades e que tem muitos problemas de raiz. Eles têm um lado mais ativista, quererem saber o que é que se passa com o país. Não estou a dizer que conheci pessoas com a resposta certa, porque na política não há uma resposta certa, há tentativas e pessoas que acreditam que sabem que uma coisa tem de ser de x ou y forma, mas é interessante ver que as pessoas têm uma opinião formada sobre muitas coisas. Isso também acontece em Portugal, mas diria que não de uma forma tão generalizada. E isso é quase um contrassenso.

Alguns problemas que o Brasil tem, e se calhar politicamente estão muito ligados ao distanciamento que existe entre a classe política e a população e os níveis altíssimos de corrupção, há um interesse muito grande das pessoas pelo seu país. Nessas duas semanas, tivemos oportunidade de conhecer muito músicos, e os músicos no Brasil têm um lado muito ativista desde sempre, mas também tivemos esse contacto com outras pessoas que não são artistas, em festas e praças. É claro que seria redutor da nossa parte dizermos que conhecemos um país por lá termos estado duas semanas, em duas cidades. É impossível! Mas ficamos com algumas ideias e achei isso interessante. Eles têm uma perceção política muito interessante das coisas, interessam-se muito apesar de haver uma diferença muito maior que em Portugal entre as pessoas ricas e pobres. No Brasil as pessoas pobres são muito mais pobres e as pessoas ricas muito mais ricas. Há uma clivagem enorme e acho que é um choque em relação a Portugal e a Lisboa.

As relações humanas e o que nos acontece dia a dia são a forma mais fácil de ir buscar inspiração. Claro que muda o ângulo, muda o prisma,  Voltando a Portugal… este disco fala, sobretudo, sobre relações humanas. Porquê? Onde vão buscar inspiração para as letras? Falam de momentos vossos? São reflexo das vossas experiências?

Domingos Coimbra – As relações humanas e o que nos acontece dia a dia são a forma mais fácil de ir buscar inspiração. Claro que muda o ângulo, muda o prisma, muda a forma como escrevemos, muda o tom com que escrevemos as coisas, mas acho que é uma fonte de riqueza muito grande tentarmos encontrar mensagens no caminho que estamos a percorrer e nas diversidades que encontrarmos ou nas alegrias. De uma forma geral, as pessoas identificam-se, por isso o tema das relações humanas e das relações pessoais são um tema fascinante ao longo dos séculos que, de facto, as pessoas tentam, vezes e vezes e vezes, encontrar respostas ou falar de problemas. E nós, aos poucos e poucos, vamos nos apoiando em coisas que lemos, que vemos e que ouvimos. É como que uma forma circular de falar sobre os mesmos temas, acho que é isso.

E porque é que a última música do álbum se chama ‘Final’?

Domingos Coimbra – Porque acho que para o Tomás, na história em que se propôs a contar e que na cabeça dele há ali um princípio, meio e fim, fazia mais sentido essa música estar no final. Talvez a sétima música, ‘Lentamente’, seja o final do disco e a música ‘Final’ seja quase um respirar novo. Assim uma forma final de lidar com o problema recorrente no disco. Eu sou suspeito, porque aqui sou um mero interprete, porque as letras são do Tomás e só do Tomás. Só posso falar da minha experiência a ler as canções, se calhar o Tomás tem outra forma de ver, mas acho que ele não se iria sentir injustiçado com esta forma de ver as coisas.

O vosso crescimento enquanto banda tem sido gradual desde que lançaram o primeiro álbum, contudo, com o disco ‘Capitão Fausto Tem os Dias Contados’ notou-se um crescimento mais acentuado a nível de conhecimento do grande público. Mais concertos, palcos maiores, mais popularidade. Sentiram pressão ao produzir este novo álbum?

Domingos Coimbra – Não! Percebo que as pessoas possam pensar isso, porque o último disco trouxe-nos imensa alegrias e levou-nos a muita mais gente e a muitos mais sítios, mas acho que seria péssimo sinal se deixássemos que esse facto afetasse as músicas deste novo trabalho. Se assim fosse, os temas não estariam a ter um percurso genuíno, nós estaríamos a fazê-las em contenção, ou com medo e, aquilo que eu mais gosto na nossa banda é a capacidade que temos, e acho mesmo que esse é o nosso ponto mais forte, de fazermos música, exclusivamente, a pensar na música que estamos a fazer. Às vezes, até a um ponto tão exaustivo que, adormeço a pensar nas coisas que tenho que fazer no dia a seguir. Não estou a pensar se vai ser bom ou se é mau, só quero que ela fique resolvida e que a música fique do agrado de toda a gente.

Acho que esse é o nosso mecanismo de defesa, se calhar um bocado egoísta, de não estarmos a pensar nas consequências das coisas que vamos fazer. Ficamos muito fechados sobre nós próprios e acho que essa é a melhor defesa que temos. No fim, depois do disco estar pronto, se calhar pensamos ‘ok, agora temos este disco e tivemos este álbum antes, o que é que será que é diferente e será que as pessoas estão à espera’. Mas só aí mesmo, já depois de estar tudo feito. Mas na verdade, nessa altura, também já há um conformismo. O que está feito, está feito e nós estamos confortáveis com isso. Aliás nós estamos satisfeitos e realizados com aquilo que fizemos, ou seja, quero dizer com isso que não sentimos a pressão.

Se algum dia quiserem saber muito sobre a minha vida, não sei se vou contar assim tanto porque aquilo que nós fazemos é música e isso para nós é o mais importante

Contudo, apesar de serem uma das bandas mais conhecidas na nova geração musical portuguesa, mantêm um perfil bastante discreto. Como é que conseguem não se deslumbrar com a fama?

Domingos Coimbra –Para já isso não está ao nosso alcance, há outros artistas que tiveram um caminho se calhar de estrelato muito maior. Pela personalidade, pela forma de estar, ou até pelas mensagens que eles transmitem, as pessoas querem saber mais sobre esses artistas do que apenas as músicas que fazem. Isso também acontece connosco às vezes. Há pessoas que não estão interessadas apenas na música, têm aquele lado se calhar mais de fã, mas como nós somos um bocadinho ‘nerds’ da coisa [risos], nunca foi o nosso foco querer aparecer ou querer ser mencionados sem ser pela música que fazemos. Se calhar, um dia destes, um qualquer jornalista pode fazer perguntas sobre a nossa vida pessoal, mas eu não tenho muito interesse nisso. E, aliás, acho que muitos dos artistas a quem isso acontece não têm interesse nenhum nisso.

Há dois exemplos óbvios disso. Um é o Salvador Sobral e outro é o Conan Osíris. Eles são, e eu sei disso por observação, pessoas muito dedicadas no seu trabalho, na música que fazem e chegaram a uma altura em que, por terem chegado onde chegaram, por terem tido um alcance generalista pela música que fizeram, os fãs quiseram mesmo saber tudo sobre a vida deles, onde é que trabalharam, onde é que estudaram, o que é que fizeram, todas as relações. Um lado Jet7 que nós sempre tivemos um bocado à margem. Eles devem estar muito agradecidos por este salto, mas acredito que por vezes seja difícil lidar com essa exposição mediática gigante e nem sei se alguns artistas gostam dela. isso nunca nos aconteceu e eu acho que ainda bem, sinceramente.

As pessoas que gostam da nossa música não foram a esse nível, se calhar porque também nunca tivemos um salto desses e sinto-me perfeitamente em paz com isso. Se algum dia quiserem saber muito sobre a minha vida, não sei se vou contar assim tanto porque aquilo que nós fazemos é música e isso para nós é o mais importante. Se calhar há histórias pessoais que temos, coisas que influenciam as coisas que fazemos, uns pequenos detalhes, por exemplo, das poucas coisas que falamos da nossa vida pessoal foi o facto de o Salvador, o Tomás e eu vivermos juntos, mas isso é interessante musicalmente porque chegamos a casa e temos um piano e estamos a tocar, ou seja, tem um propósito.

Quando e como é que se juntaram?

Domingos Coimbra – O Francisco e eu somos amigos desde os 10 anos, o Francisco, o Manuel, o Salvador e eu somos somos amigos desde os 12 e nós somos amigos do Tomás desde que temos 15. Já na altura gostávamos todos de música, gostávamos todos de tocar e por isso fez todo o sentido começarmos uma banda entre nós.

E quando é que isso aconteceu? Quando é que formaram os Capitão Fausto?

Domingos Coimbra – Foi lá para os nossos 16, 17 anos, quando estávamos no liceu. É meio dúbio quando é que formamos os Capitão Fausto, mas foi lá para 2009, 2010, num verão qualquer. Foi em 2009, mas só começamos a trabalhar verdadeiramente para a banda ali para o verão de 2010 e depois, no verão a seguir, foi quando gravámos o ‘Gazela’, por isso 2009/2010 são as alturas em que nós começamos a levar um bocadinho mais a sério…

Nem de propósito, nesta altura da entrevista, chega Salvador Seabra e Tomás Wallenstein, que se juntam à conversa, enquanto Domingos continua a dar umas notas no violão. 

Mas houve um momento, ou foi acontecendo?

Salvador Seabra - Acho que a primeira vez que nos juntamos os cinco foi para o casamento do tio do Tomás. Tocamos umas versões, uns covers. Acho que foi aí que nos juntamos pela primeira vez. Não foi Tomás?

Tomás Wallenstein - É verdade! Foi sim...[risos]

E antes disso, já tinham alguma experiência?

Domingos Coimbra – O Salvador, o Manuel, o Francisco e eu tínhamos uma banda e o Tomás tinha outra e, na altura, essas duas bandas até deram alguns concertos juntas. Ambas as bandas eram em inglês e, na altura, lembro-me que foi um bocado isso que nos fez pensar em criar uma banda nossa. Mais do que a música que queríamos fazer, sabíamos que queríamos fazer música em português. E depois, a partir daí, partilhamos músicas, fomos conhecendo músicas novas, deixamos-nos contagiar um bocado uns pelos outros e, aos poucos e poucos, definindo aquilo que é a música que nós fazemos hoje.

E é fácil fazer música em português?

Domingos Coimbra – Fazer música em português, ao princípio, foi um bocadinho mais complicado. Estávamos habituados a ouvir música em inglês, mas é como tudo, é uma questão de hábito. E isso foi completamente gradual e natural. Aos poucos e poucos, quanto mais se escreve em português, na nossa opinião, melhor ficam as coisas. Chega a uma altura que já não é tão estranho aos ouvidos e depois passa. Também coincidiu com uma altura em que todos nós começamos a ouvir mais música em português, começou a haver muita mais música cantada em português de bandas da nossa idade. Isso foi uma feliz coincidência e nós decidimos também entrar um bocadinho nesse barco.

Para bandas do nosso género fazia falta um circuito um bocadinho mais pequeno onde as bandas que estão a começar pudessem ir tocar. Não culpo ninguém por isso, mas há alguns circuitos que ainda não existem E ser músico em Portugal?

Domingos Coimbra – Eu diria que, pelo tamanho de Portugal, conseguir viver só da música não é um dado tão adquirido como se calhar possa ser no Brasil, ou nos EUA, ou em Inglaterra. Não quero com isto dizer que não é possível e nós somos exemplo disso. Durante muito tempo, nos nossos primeiros álbuns, tivemos a sorte de ter tido muita ajuda da nossa família. Tínhamos a segurança de ter uma casa onde estar, não tínhamos rendas para pagar, vivíamos em casa dos nossos pais. Tivemos uma data de comodismos pelos quais estamos muito gratos.

Não é a coisa mais fácil do mundo, para uma pessoa, de 18 anos, em Portugal decidir que quer ser músico, sair de casa e lançar álbuns, dar concertos pelo país. No entanto, hoje em dia, há cada vez mais abertura para as pessoas poderem, cada vez mais cedo lançar as suas músicas e há editoras que estão interessadas em bandas novas para todo o tipo de música. Além disso, há cada vez mais público para a música. Diria que é mais difícil pelo tamanho do mercado e pelos nichos que existem, mas acho que é possível e é cada vez mais possível. Para bandas do nosso género fazia falta um circuito um bocadinho mais pequeno onde as bandas que estão a começar pudessem ir tocar, fora da sua cidade natal, sem que tivessem de pagar para tocar, como acontece às vezes. Eu não culpo ninguém por isso, não culpo as salas por isso, mas há alguns circuitos que ainda não existem.

Por exemplo, agora quando tivemos no Brasil e falamos com bandas de lá, ficamos a saber que há uns circuitos mais pequeninos e que são bem maiores devido ao tamanho do país e da quantidade de pessoas que consomem música brasileira. Nos EUA, por exemplo, num estado, ou numa cidade, há bandas que conseguem tocar todos os dias e isso em Portugal não acontece. No entanto,também acho que, hoje em dia, em Portugal, as condições são melhores e há mais abertura.

Nos últimos concertos que deram, mostraram um pouco do álbum 'Invenção do Dia Claro', como é que o público o recebeu?

Tomás Wallenstein - Acho que correu bem, é sempre um bom teste para as coisas que andamos a trabalhar fazermos concertos, percebermos como é que as músicas se encaixam nos concertos e como é que nós conjugamos as coisas antigas com as novas. Além disso, também aprendemos a tocar as músicas que tivemos tanto tempo a gravar. Acho que correu bem…

Domingos Coimbra – E as pessoas ficam mais atentas quando estão a ouvir coisas que não conhecem e isso é muito interessante. Quando tocamos músicas que as pessoas já conhecem elas manifestam o seu entusiasmo, começam a saltar ou a cantar. Quando tocamos músicas que não conhecem não podem saltar tanto e não podem cantar porque não sabem as letras, mas ficam atentas e acho que isso é mesmo interessante. É se calhar a altura que uma pessoa está mais atenta a um concerto. Cria-se uma ligação gira. É por isso que gostámos de fazer estes concertos.

E os concertos mesmo de apresentação do novo disco, onde e quando são?

Tomás Wallenstein – No dia 4 de abril na Casa da Música, no Porto, 6 de abril no Capitólio. E o Capitólio já esgotou.

Salvador Seabra – Estes são de apresentação do disco, depois temos uma data de outras datas…

Tomás Wallenstein – Temos vários teatros durante o mês de maio e depois festivais de verão, etc.

E já estão a pensar num próximo álbum?

Tomás Wallenstein – Estamos a começar a pensar que devíamos começar a pensar mais.

Salvador Seabra – Exato. [risos]

Domingos Coimbra – Ainda temos outros desafios pela frente e outras coisas para fazer, mas gosto da ideia que o Tomás está a dizer, de começar a pensar num disco. A mim fascina-me, interessa-me, dá-me pica! É voltar a um processo que vai ser diferente em várias coisas e tentar perceber o que é que ele vai ser, meses antes de ele começar. É uma coisa que me interessa muito.

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