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Expostas memórias do Rossio de Palma, uma 'aldeia' que resiste em Lisboa

Entre o eixo Norte-Sul e a estrada da Luz, o Rossio de Palma é uma 'aldeia' que resiste em Lisboa, teve obras, e agora as suas memórias ocupam a praça, nas intervenções artísticas do coletivo Warehouse e Camilla Watson.

Expostas memórias do Rossio de Palma, uma 'aldeia' que resiste em Lisboa
Notícias ao Minuto

12:00 - 23/03/19 por Lusa

Cultura Fotografia

A instalação do coletivo de arquitetura e arte Warehouse fica hoje totalmente montada, um "portal da memória" com um arco com 2,5 metros de altura composto por 160 bancos montados pelos moradores, com as fotografias das suas memórias impressas nos tampos.

Além desta intervenção efémera, que será desmontada ao fim de três semanas, algumas dessas imagens da memória da comunidade foram impressas pela fotógrafa Camilla Watson em pedras, colocadas no chão, e essas foram concebidas para permanecer no espaço público, com acabamentos em verniz naval para que durem.

No âmbito de um programa piloto de ligação entre o pelouro da Cultura e o do Urbanismo da Câmara de Lisboa, depois de o Rossio de Palma ter sido contemplado com obras de reabilitação do projeto da autarquia para "uma praça em cada bairro", tenta-se, desta forma, que a comunidade local se reaproprie do espaço.

O Rossio de Palma cumpria os requisitos para ser o pioneiro nesta intervenção, como bairro periférico, com poucos equipamentos, onde as pessoas tinham deixado de frequentar a praça, e com "riqueza, material e imaterial, histórias para contar", expôs à Lusa fonte do gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto (PS).

As memórias dos moradores, nas suas próprias fotografias familiares, foram o início de tudo e o fio condutor da intervenção, desde que Sofia Tempero, técnica do departamento de Património Cultural, começou a construir "uma rede" de confiança com os moradores em setembro.

A D. Carmelita, 67 anos, foi uma das primeiras interlocutoras de Sofia Tempero. Há 50 anos, veio da aldeia da Misericórdia, no concelho da Lourinhã, viver para o Rossio de Palma: "Quando cheguei aqui parecia que tinha aterrado numa outra aldeia", recordou.

Contribuiu para o projeto com uma fotografia do seu irmão, já falecido, no campo do Palmense, a coletividade fundada em 1910 num local rodeado de indústria desde o século XIX até à saída da última unidade fabril na década de 1990, a fábrica de cerâmica viúva Lamego, de que subsiste ainda um portão.

Numa das balizas do Palmense, em setembro, foi colocada uma tela para exibir "Ruth", o filme de António Pinhão Botelho, sobre a ida de Eusébio para o Benfica, e em fevereiro o restaurante do clube recebeu uma noite de fados.

"A nossa intenção é que depois desta programação regular que estamos a criar, sempre com interlocutores daqui - o Palmense, a Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, as pessoas - a certa altura nos possamos retirar e uma associação de moradores ou o Palmense possa fazer esse papel, dinamizar, concorrer aos arraiais", explicou Alexandra Sabino.

O senhor Augusto, 50 anos, nascido no Rossio de Palma, não gostou da intervenção que a autarquia fez na praça: "Parece um solário, faltam sombras. Foi uma lavagem de cara", opina.

Apesar de a intervenção estar concluída, do contacto com os moradores neste processo já resultou uma mudança pedida pela população: o chafariz recomeçou a funcionar.

A crítica do senhor Augusto à intervenção na praça contrasta com o entusiasmo pelos "bancos da memória" que enchem a praça.

"Está muito giro", afirma, explicando à Lusa que ele também consta de uma fotografia que foi partilhada para o projeto, a do casamento da D. Olga.

"Onde é que anda essa?", perguntava antes a protagonista da imagem, uma noiva feliz com o vestido feito pela modista do bairro, a D. Cidalina, que vivia num pátio que era um verdadeiro centro de "corte e costura" que as mulheres, então meninas, frequentavam.

Essa fotografia do casamento da D. Olga faz parte da intervenção artística que é "surpresa" para os moradores, a de Camilla Watson.

A fotógrafa, popularizada pelas imagens da população de Alfama, impressas em paredes, desceu a atenção para os pés: "A ideia é que as pessoas deixam a sua pegada e um pouco da sua alma e espírito".

Camilla Watson só selecionou fotografias com pessoas dentro, que serão colocadas na calçada, muitas junto ao local onde foram tiradas, como a do casamento da D. Olga, com o senhor Augusto, então com dois anos, a olhar para a noiva, num canto da imagem.

As pedras no chão, pela primeira vez usadas pela fotógrafa inglesa a residir em Portugal, levaram um tratamento especial, que envolveu lavagens de quatro horas e um acabamento em verniz naval para que durem, "pelo menos 10 anos".

A instalação do coletivo Warehouse ficará só umas semanas, pelo menos inteira e exposta na praça: "No meio do processo começou a ficar um pouco desconfortável para nós que a instalação artística ao fim de um tempo fosse desmontada e não tivesse uma vida a seguir", contou à Lusa Rúben Teodoro, do coletivo.

Assim, "surgiu a ideia de fazer os bancos memória, que não são mais do que fragmentos dessa memória do bairro, e que sendo bancos, simples e funcionais de montar, também respondiam ao pós-instalação artística: as pessoas depois poderiam levar os bancos", explicou.

Daqui a três semanas, a instalação será desmontada, e os moradores vão sentar-se nos bancos, antes de os levarem para casa, enquanto assistem a um documentário sobre o projeto, produzido pela videoteca municipal.

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