Livro esclarece atuação do comandante da fragata Gago Coutinho em 1974
O comandante da fragata, que no dia 25 de Abril de 1974 navegava em frente à Praça do Comércio, supostamente ameaçando a coluna militar liderada por Salgueiro Maia, nunca deu ordem para disparar, segundo obra publicada esta semana.
© iStock
Cultura 25 de Abril
"A verdade é que o comandante [António Seixas Louçã] nunca deu ordem para que se disparasse sobre as tropas estacionadas no Terreiro do Paço", afirma a sua mulher, Noémia Louçã, autora da obra "Uma Fragata no 25 de Abril", publicada pela Parsifal.
A versão de que a fragata, batizada Gago Coutinho, não disparou contra as tropas comandadas por Salgueiro Maia, porque a sua guarnição se opôs ao comandante, que tinha recebido ordens superiores, "é falsa", atesta a autora, apresentando como prova "os resultados de inquéritos [realizados] a seguir à revolução, que incluem depoimentos feitos e subscritos por intervenientes, designadamente os oficiais da fragata".
Noémia Louçã escreve que a versão segundo a qual a guarnição evitou que abrisse fogo, nomeadamente a intervenção do imediato Caldeira dos Santos, "é criada pela imaginação dum jornalista para causar sensação".
A autora cita testemunhos, segundo os quais, quando recebeu ordem para fazer fogo, o comandante Seixas Louçã "opôs imediatamente objeções a quem lha transmitiu e, alegando existirem cacilheiros no rio e muitos civis no Terreiro do Paço [oficialmente denominado Praça do Comércio], não cumpriu essa ordem".
Por outro lado, argumenta a autora, pesa igualmente o passado antifascista do comandante, desde os tempos da juventude. Noémia Louçã cita as declarações do almirante Ferraz de Carvalho que, no depoimento feito em 1976, afirmou: "Ele sempre se revelou inconformado com o tipo de regime conhecido por Estado Novo".
O almirante revelou ainda, no mesmo depoimento, que contactou Seixas Louçã para tomar parte "num movimento para derrubar o regime" em outubro de 1947, e ele "logo se prontificou, correndo todos os riscos que lhe podiam advir da sua ação".
Para a viúva, "a posição do comandante da fragata era pública e notória, impossível de ignorar pelos que lidavam com ele".
Noémia Louçã é clara nas suas intenções quanto à publicação desta obra: "Além de defender a atuação do meu marido, injustamente posta em causa, outra das motivações (...) foi lembrar o seu caráter de democrata e oposicionista à ditadura, com todo o perigo que isso representava na carreira de um militar antes do 25 de Abril de 1974".
Um aspeto, sublinha, "reconhecido por muitos dos que com ele serviram a Marinha ou com ele privaram", e que foi "completamente ignorado por alguns que o têm atacado".
Na opinião do almirante Rosa Coutinho, um dos militares da revolução, citado pela autora, o comandante Seixas Louçã "era um democrata e republicano da velha guarda, nada afeto ao regime do Estado Novo, e com excelentes relações com os democratas mais velhos".
A obra dá conta de como se viveu "os primeiros dias da revolução", e dedica um capítulo à "reabilitação que nunca chegou a acontecer", apesar de, em 1978, o Chefe do Estado Maior da Armada ter sentenciado, após várias diligências, sobre Seixas Louçã, "não ter a sua atuação no dia 25 de Abril de 1974, no comando do Navio da República Portuguesa Almirante Gago Coutinho posto em causa a sua honra e dignidade de oficial da Armada".
Outros capítulos da obra debatem, com vasto apoio documental, a ordem de fogo sobre as tropas de Salgueiro Maia, como se escusa uma ordem "sem quebra da disciplina", a "reunião com o navio fundeado no mar da Palha", "o Movimento das Forças Armadas (MFA) e a fragata Gago Coutinho, os dilemas colocados a este vaso de guerra", e "porque não houve um entendimento prévio" do MFA com a fragata.
A segunda parte, com 113 páginas, de um total de 190, é composta por vários anexos documentais, desde o "Relatório e conclusões do Auto de Averiguações de 1976", de autoria de Fernando Santos Silva, até textos de António Louçã, filho do comandante Seixas Louçã, nomeadamente "O Veredicto da Marinha sobre a fragata Gago Coutinho relido em 2014", e "Como dez oficiais se conjuraram para deturpar a verdade. Ainda a história da fragata Gago Coutinho".
Noémia Louçã, advogada, foi a primeira mulher a exercer advocacia em Moçambique, sob administração portuguesa, onde nasceu em 1931, tendo-se casado com António Seixas Lousã em 1954. Em 1988 tornou-se a primeira mulher a advogar no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tendo ganhado uma causa contra o Estado português.
Em 1996, foi agraciada pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante D. Henrique.
Consolidação de crédito: Perdido com vários créditos? Organize-os, juntando todos numa só prestação
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com