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Dulce tem vários "amigos imaginários" e um deles chama-se 'Eliete'

Dulce Maria Cardoso tem várias pessoas na cabeça, "amigos imaginários", e são estas que a procuram e se afirmam enquanto personagens, como é o caso da Eliete, protagonista do seu novo romance, que é também uma brincadeira consigo mesma.

Dulce tem vários "amigos imaginários" e um deles chama-se 'Eliete'
Notícias ao Minuto

15:00 - 11/12/18 por Lusa

Cultura Literatura

'Eliete', romance sobre a "vida normal" na contemporaneidade, que abarca as relações humanas, a mudança imprimida pela Internet e a identidade do país, tem como protagonista uma mulher normal, caracterizada pela mediania, e que o menos normal que tem, aparentemente, é o nome.

"A Eliete nasceu primeiro, porque para mim as personagens nascem sempre primeiro, começa sempre por eu avistar, como se visse uma sombra ao longe, a ideia de uma personagem, depois vou à procura, tal e qual como se conhecesse uma pessoa", explicou a autora, em entrevista à Lusa.

"Dito assim parece uma conversa de maluca, mas sou extremamente cerebral em tudo o que faço e tudo o que é publicado é revisto e montado e cortado, tenho controlo absoluto no meu trabalho, só não tenho controlo nas personagens, portanto o único mistério na criação está nessa existência de personagens, que por vezes não se deixam ficar".

Mas Eliete foi ficando, primeiro teve outro nome, outra família, até que Dulce Maria Cardoso percebeu que era a Eliete, com aquela família -- marido e duas filhas -- que tinha de ficar.

"É, na verdade, [um processo com] vários amigos imaginários estruturados, habituei-me a ter pessoas na cabeça, tenho sempre, e algumas ficam tempo suficiente para que eu possa trabalhar sobre elas", disse à Lusa.

A escolha do nome para a personagem tem a ver com o facto de o romance ser sobre a identidade, na medida em que Eliete era um dos nomes possíveis para a autora, antes de nascer.

"Achei que fazia sentido, era uma maneira de recuperar esta outra que toda a vida me acompanhou", disse, contando a história que a mãe toda a vida lhe contou, de como o pai -- que estavam em Angola quando Dulce Maria Cardoso nasceu -- estava convencido de que iria ter um filho rapaz, e mandou à mãe uma lista com dois nomes masculinos "normais", Manuel e Francisco, e dois de rapariga "disparatados", Eliete e Dulce.

A mãe não gostou de nenhum, mas na altura não lhe passou pela cabeça desobedecer e escolheu o menos mau, tendo passado toda a vida a contar esta história à filha e a dizer "Eliete era bem pior, não achas?".

"E eu toda a vida sempre vivi com esta dúvida: se eu me chamasse Eliete quem é que eu teria sido?"

Para Dulce Maria Cardoso, escrever é a possibilidade de ter várias vidas, e, nesse sentido, "é muito infantil": "Posso ser tudo o que me apetecer, e em várias vozes, e em certos comportamentos que em termos fisiológicos não posso ser".

Sobre os métodos de pesquisa para o seu romance, a autora afirma-se muito atenta ao que a rodeia e, para explorar as relações e as formas de comunicação através da Internet, bastou-lhe andar três dias no Facebook para perceber toda a dinâmica, porque a Internet e as redes sociais "são muito intuitivas".

A pesquisa mais aprofundada que fez foi para a personagem de Salazar, que aparece como uma referência no início do romance, e assina uma carta, no final.

"Li os discursos todos dele. Não procurei os trabalhos de outros sobre Salazar, tive como matéria só a própria produção de Salazar, li os discursos todos, e a própria carta é montada só com palavras dele. Fui pegar nas palavras que ele costumava usar e a carta é feita de forma a que possa surgir com o vocabulário dele e com a maneira dele construir as frases, tive esse cuidado para tornar a carta mais credível", explicou.

Sobre o seu processo de escrita, diz ser "o mais anormal possível" e conta que chegou lá "por acidente", mas depois adotou o método como permanente.

"Reescrevo muito, faço uma versão, depois outra, depois outra até achar que a versão está bem, depois apago tudo e escrevo de memória, é uma coisa horrível que não recomendo a ninguém", afirmou à Lusa.

Tudo começou no seu segundo romance, 'Os meus sentimentos', quando um vírus apagou todo o romance do computador. Nessa altura, Dulce Maria Cardoso fechou-se e escreveu tudo "numa corrida contra o tempo", para se esquecer o menos possível.

Quando releu, achou que estava muito melhor do que o romance inicial: "Vou muitas vezes por caminhos desnecessários, quando reescrevo, o cansaço fala mais alto e vou ao essencial".

Este processo é para a autora "muito difícil" e, em termos físicos, muito exaustivo, porque demora anos na primeira fase, mas breves meses na reescrita de memória, em maratonas de 12 a 14 horas diárias.

"Mas é compensado pelo enorme prazer que me dá", sublinha.

Assume que ao escrever este romance, sentiu a pressão de não desiludir, depois do enorme sucesso de 'O retorno', mas "não foi paralisante", foi como uma "dívida de gratidão para com os leitores", de "não querer desiludir quem tanto gostou".

Sobre o próximo volume, que dá continuação à história de Eliete, adianta que tem mil páginas escritas, ainda por individualizar, e que sabe muita coisa do que acontece à Eliete, mas não tudo.

"No princípio do ano vou começar a trabalhar no segundo volume, mas ainda não sei quantos vão ser. Sei que gosto muito de estar a trabalhar nisto".

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