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"A falta que nos move" fecha bienal Artista na Cidade

Cinco amigos à espera de outro, durante a noite de Natal, fazem 'A falta que nos move', projeção da encenadora, cineasta e dramaturga Christiane Jatahy, que encerra no sábado, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, a bienal Artista na Cidade.

"A falta que nos move" fecha bienal Artista na Cidade
Notícias ao Minuto

12:03 - 23/11/18 por Lusa

Cultura Teatro

A instalação-vídeo começa a ser projetada exatamente à mesma hora a que começou a ser filmada, às 17h30 da noite de Natal de 2008, conta a história de cinco amigos que aguardam a chegada de alguém que tarda em chegar - e que nunca chega mesmo -, e prolonga-se pelas 13 horas do tempo real dessa espera, de modo a revelar a história de cada uma das personagens, como quem conta a história ou as história do Brasil durante a ditadura militar (1964-1985), explicou à Lusa Christiane Jatahy.

São histórias que a dramaturga resolveu pôr em cena e em filme, porque são histórias que lhe são próximas assim como de amigos, acrescentou, sublinhando tratarem-se de histórias "de algo que falta sempre". "Assim como quando nos falta a liberdade", frisou.

Instada a fazer um balanço dos trabalhos realizados no âmbito do ciclo Artista na Cidade, desde o passado mês de março, quando o seu nome foi anunciado e se apresentou pela primeira vez, a dramaturga considerou tratar-se de uma experiência "muito especial, importante e única".

Apesar de já ter levado o seu trabalho a muitos palcos, em muitas cidades, em muitos lugares, sobretudo na Europa e no continente americano, esta foi a primeira vez que o mostrou com uma lógica e na sequência que organizou em termos dramatúrgicos, disse Christiane Jatahy à Lusa.

"Então, foi uma experiência incrível para mim", frisou, acrescentando que o público de Lisboa também acolheu os seus trabalhos sempre "de braços abertos e com a maior das empatias". Um marco muito importante para a realizadora.

"Considero [o meu trabalho] praticamente como uma escrita única, no sentido em que o trabalho se desdobra em perguntas e em questões que vão levar ao próximo", disse, sublinhando que as suas diferentes peças, as suas instalações e intervenções devem ser vistas "como quem lê um livro".

E se no primeiro semestre deste ano, Christiane Jatahy apresentou, sobretudo, trabalhos não inéditos, que fazem parte do seu repertório desde 2011, no segundo semestre direcionou-se, de preferência, para os trabalhos de pesquisa a que se tem vindo a dedicar nos últimos sete anos.

Trabalhos que, segundo a encenadora, têm todos uma relação muito direta com o audiovisual, e que foram mutas vezes "a base e a semente" para pesquisas dos trabalhos apresentados no primeiro semestre.

Mostrando-se muito feliz por ter sido a Artista na Cidade 2018, Christiane Jatahy sublinhou que os trabalhos apresentados em Lisboa não saem da sua linha de atuação, "que é marcada pela relação entre o ficcional e o real".

Uma linha que, assegurou, está bem presente em 'A falta que nos move' e com o que foi captado pelas três câmaras que filmaram a ação - a espera - durante 13 horas.

Depois de editado, esse trabalho 'virou' um filme de uma hora e cinquenta minutos, que circulou por festivais internacionais e que é exibido na sexta-feira, no Cinema S. Jorge, em Lisboa.

Foi depois de ter feito este filme que a dramaturga e encenadora decidiu fazer uma vídeo-instalação com todo o material filmado, durante as treze horas.

O trabalho traduz-se assim em três telas de cinema nas quais são exibidas as imagens captadas em simultâneo pelas três câmaras, sem quaisquer cortes.

Amizade, romance e histórias são as palavras que Christiane Jatahy associa a "A falta que nos move" a qual traz "sempre à tona memórias de questões políticas".

"São filhos de pessoas afetadas pela ditadura militar brasileira, em tudo o que isso significa, desde o desaparecimento dos pais, dos avós... E então essas faltas estão sempre presentes", sublinhou.

São ausências, resultantes de desaparecimentos ocorridos durante a ditadura, que a realizadora espera não voltar a acontecer no Brasil, na sequência dos resultados das recentes eleições, com a vitória do candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro.

Resultados que Christiane Jatahy teme "que façam o país regredir para tempos que não estão assim tão distantes".

"Só espero que não", acentuou como quem se esforça para que tal não aconteça.

Christiane Jatahy sublinha que "a falta que nos move" não é apenas a "falta no sentido abstrato".

"É a falta que está em cada um de nós, mas é também a falta política, a falta social, a falta de afetos e a falta de liberdade", concluiu.

'Ítaca - Nossa odisseia I', 'O agora que demora', 'E se elas fossem para Moscou' e 'As três irmãs' contam-se entre os trabalhos apresentados em Lisboa por Jatahy, no âmbito do ciclo Artista na cidade, que levou aos palcos do Teatro S. Luiz, do Teatro Nacional D. Maria II, ao Museu de Lisboa e, desde quinta-feira, à Cinemateca Portuguesa, com a programação de um ciclo, que vai de 'A Regra do Jogo', de Jean Renoir, a 'A Festa', de Thomas Vinterberg, 'O Pântano', de Lucrécia Martel, 'Inland Empire', de David Lynch, 'Rostos', de John Cassavetes, 'Código Desconhecido', de Michael Haneke, 'Isto Não É um Filme', de Jafar Panahi, e o seu próprio 'A Falta que Nos Move'.

Todo o seu trabalho, afirma Jatahy, é "sobre o contemporâneo", sobre a atualidade, sobre o tempo que passa, mesmo que se baseie em obras passadas, como a 'Odisseia', para 'Ítaca', a 'Menina Júlia', de Strindberg, para 'Júlia', 'As Três Irmãs', de Tchekhov, para 'E se elas fossem para Moscou?', ou 'Macbeth', de Shakespeare, para 'A Floresta Que Anda', peças que apresentou em Lisboa.

"Não há como fugir ao contemporâneo", concluiu a criadora.

Christiane Jatahy protagonizou a quarta edição da bienal Artista na Cidade, depois do bailarino e coreógrafo congolês Faustin Linyekula (2016), do dramaturgo britânico Tim Etchells (2014) e da coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker (2012).

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