Numa conversa com o escritor Juan José Armas Marcelo no teatro Juan Bravo, em Segóvia, sobre o romance que acaba de ser publicado em Portugal pela Quetzal, o escritor peruano insistiu nas diferenças ocorridas no seu país, quando comparado com o que era há 20 ou 30 anos, "num continente cheio de ditaduras militares".
Para Vargas Llosa, os consensos políticos e crescimento económico da atualidade opõem-se àquela sociedade marcada pela desigualdade, "onde as bases da democracia eram tão ténues e débeis que duravam o que dura um suspiro".
Com o teatro a abarrotar de público, o escritor de 77 anos, autor de obras como "Conversa na Catedral", "A Tia Júlia e o Escrevedor" e "Pantaleão e as Visitadoras", reconheceu que, na altura de escrever, talvez tenha agora mais respeito pelos mais velhos.
"Agora, que me tornei velho, sou menos crítico e severo com os velhos do que era nos meus romances de juventude", observou.
Em tom de piada, Armas Marcelo perguntou-lhe se há, em "O Herói Discreto", uma homenagem ao folhetim latino-americano, o que Vargas Llosa negou sem pensar duas vezes, acrescentando que concebeu este romance com a ideia de "descrever, mostrar o heroísmo dos seres anónimos, que é a reserva moral de uma sociedade, homens ou mulheres que tentam ser coerentes com os seus valores".
É esse o caso de Felicito Yanaqué, o protagonista do livro, que não cede a uma chantagem da máfia, embora coloque em perigo a sua vida.
Falando sobre a técnica da escrita, considerou muito importante que se mantenha a curiosidade do leitor e confessou que procura sempre que haja um elemento que mantenha viva a expectativa, aquilo a que chamou "narrar por omissão", "dar certos dados ou ocultá-los mas de tal maneira que se insinuem".
Depois de brincar com o facto de lhe restar menos tempo de vida do que projetos na cabeça, aos 77 anos, Mario Vargas Llosa falou ainda do trabalho que está agora a fazer, em torno da adaptação ao teatro do "Decameron", de Bocaccio.
Sobre isso, disse sentir-se impressionado com a ideia de um grupo de pessoas que "decide escapar para o imaginário" e se fecha numa 'villa', quando se confronta com uma peste em Florença, no século XIV, cercado de morte.
Essa situação fê-lo concluir que "quando tudo parece impossível, há sempre um recurso à fantasia e à imaginação -- por isso, há literatura, para nos fazer viver aquilo que não podemos na vida real".
Exercitando a imaginação, sustentou, "não só nos divertimos, como mantemos vivo o mecanismo que impede que a sociedade se congele e se transforme num mundo de seres resignados".