Exposição de franco-argelino propõe reflexão sobre herança colonial
Uma exposição inédita do artista francês de origem argelina Kader Attia, patente a partir de sábado na Culturgest, em Lisboa, propõe uma reflexão sobre o peso da herança colonial, individual e coletiva, através de escultura, instalação, colagem, vídeo e fotografia.
© Global Imagens
Cultura Culturgest
A exposição 'As raízes também se criam no betão' vai buscar o nome a uma frase que o artista ouviu da boca de um emigrante, e estabelece a relação entre o corpo e a arquitetura, explicou aos jornalistas o curador Delfim Sardo, acrescentando que a mostra convida a "um passeio dentro desse pensamento e da ideia pós-colonial".
Logo no foyer, ergue-se uma grade metálica, como as usadas para conter manifestações e motins, amolgada e cravada de pedras, como se tivessem sido arremessadas.
À entrada da exposição encontra-se a obra que dá título à mostra e que consiste num conjunto de barrotes de casas de Berlim, que o artista foi recolhendo de demolições, restaurados com agrafos, em representação das cicatrizes da história do século XX berlinense, desde as duas guerras mundiais até à reunificação, explicou.
A primeira e a segunda sala são contíguas e apresentam uma instalação que começa com dois segmentos de filmes em confronto -- 'Pépé le Moko' (1937) e 'Mélodie en sou-sol' (1963) -- intermediadas por uma escultura em metal que evoca a arquitetura de subúrbio.
A dar continuidade a esta instalação surgem várias imagens fotográficas e colagens que explicitam a influência que a arquitetura do Magrebe teve na formação do modernismo de arquitetos como Le Corbusier.
Na sala seguinte é apresentado um filme documental -- 'As heranças do corpo: o corpo pós-colonial' -- que, a partir de entrevistas e depoimentos de filósofos, psicólogos, antropólogos e ativistas, problematiza a relação do emigrante com o espaço urbano.
Na sala seguinte, o visitante é convidado a caminhar sobre os telhados de um Casbá (que pode ser também qualquer bairro precário em qualquer parte do mundo).
Todo o chão da sala é coberto por telhados de zinco, metal ou telhas, antenas e parabólicas, pneus de automóveis, enquanto na parede da sala é projetado o filme 'A torre Robespierre', filmado com um drone sobre o edifício de habitação mais alto de Vitry-sur-Sine.
Com as peças expostas no corredor seguinte, o artista procurou uma outra abordagem à noção de reparação, desta vez aplicada ao corpo transgénero, corpo reparado e corrigido, através de imagens de transexuais argelinas apresentadas à escala real.
Ao longo desse corredor intensifica-se um cheiro a especiarias e um ruído intenso, que ficam explicados ao desembocar num espaço ocupado por uma betoneira cor de laranja a rodar "com 30 quilos de cravinho lá dentro" - como especificou Delfim Sardo -, simbolizando a expansão da construção em betão e toda a história das migrações e da nostalgia da memória (sintetizada no cheiro a especiarias), aqui associada às memórias pessoais do artista.
A título de curiosidade, Delfim Sardo contou que o artista, quando acabou de montar esta peça - intitulada 'Perfume de exílio' -, se lembrou de uma frase proferida certa vez pelo antigo primeiro-ministro francês Jacques Chirac: "O cheiro e o barulho que não podemos aguentar".
Na penúltima sala, sobre um chão preto, ergue-se uma duna de couscous, na qual se recortam as plantas de hipotéticas habitações, numa alusão também ao Sahara argelino.
A exposição, que estará patente até dia 6 de janeiro, termina com o filme documental 'Refletir a memória', que associa a noção de "membro fantasma", as sensações e dores que pessoas amputadas sentem nos membros que não possuem, à noção de trauma social e histórico, através de entrevistas a terapeutas, médicos, psicanalistas, artistas e antropólogos.
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