Meteorologia

  • 28 MARçO 2024
Tempo
12º
MIN 11º MÁX 18º

"Música e letra têm de acasalar. É uma espécie de Kama Sutra"

No dia em que Eugénio Lopes, mais conhecido por Gimba, lança o seu álbum 'Ponto G', o Notícias ao Minuto aproveitou a oportunidade para falar com o músico sobre os 40 anos que já tem a sua carreira e para 'vasculhar' o seu recheado álbum de memórias.

"Música e letra têm de acasalar. É uma espécie de Kama Sutra"
Notícias ao Minuto

12:00 - 12/10/18 por Filipa Matias Pereira

Cultura Gimba

Chama-se Eugénio Lopes, mas é por Gimba que é conhecido. Dizem tratar-se de “um alfacinha sorridente” - adjetivos que lhe assetam na perfeição. Está há 40 anos na música, mas tem ainda muito caminho por percorrer, e fá-lo-á "com a cabeça erguida e com o olhar no horizonte".

Canta naquilo a que chama de um ‘português bem escorrido’ e regressa aos discos com o lançamento, esta sexta-feira, do seu álbum ‘Ponto G’. Entre letras e notas musicais estão 40 anos de um percurso dedicado à música. Mas não só. Está também uma homenagem a Zé Pedro, dos Xutos. O guitarrista da formação de Tim era muito mais do que um amigo. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Gimba recorda os tempos, num café, em que os Xutos davam os primeiros passos e escreviam rimas em guardanapos. Guarda Zé Pedro no coração, onde se guardam os verdadeiros amigos, e não lhe cabem em palavras 'as saudades que já tem' de o ouvir tocar. 

Fundou os Afonsinhos do Condado, integrou os Irmãos Catita e lançou o primeiro disco em nome próprio em 1997. Deu a cara pelo programa da RTP ‘Pop Off’. Enquanto produtor, trabalhou com artistas tão variados como Tim, Deolinda, Boss AC ou José Cid. Assinou também bandas sonoras de programas de humor (‘O Programa da Maria’; ‘Paraíso Filmes’, ‘Boa Noite, Alvim’), cinema (‘O Crime do Padre Amaro’; ‘Um Passeio de Barco’), e produziu ainda repertório infantil (‘As Canções da Maria’; ‘Contos de Salarissarim’), além de vários trabalhos em rádio, teatro e publicidade.

Na bagagem traz quilómetros de estrada e a sua Guidinha, uma guitarra de viagem. Inseparáveis, não perdem oportunidade de fazer uma rima, uma melodia, uma canção. Após quatro décadas de palcos, mantém-se fiel ao seu formato preferido – guitarra acústica e voz – e neste novo disco traz um leque de 11 canções que vão da simples balada até ao rock de ‘barba dura’. Canta o amor, canta a cidade que o viu nascer, Lisboa, e canta o que os seus olhos veem, 'num português bem escorrido'. E será de guitarra acústica em punho que subirá aos palcos nacionais e internacionais para levar ao mundo o álbum 'Ponto G'.

‘Ponto G’ marca não só o seu regresso aos discos, mas também 40 anos de música. Como surge a ideia de editar o 'Ponto G'?

Apesar de as tecnologias estarem muito avançadas e de o mercado musical estar em grande mudança, há coisas que demoram o seu tempo. E ainda continua a ser preciso fazer um disco; é um marco na história do músico. E, além disso, tenho saudades. Por isso, juntei um apanhado de canções, descobri-me e assumi-me como um cantautor acústico de guitarra em punho e que posso atuar sozinho, algo que nunca tinha feito na vida. Durante muitos anos não fazia parte do meu horizonte ir sozinho para o palco.

E como é subir sozinho ao palco?

Comecei em espaços pequeninos. Abrimos um espaço na Rua Poço dos Negros, o Clube Royale, e eu era o homem da casa. Trata-se de um espaço pequeno, com 30 lugares sentados, mas foi onde tive oportunidade de testar o público português e estrangeiro. E a música que está a servir de single, ‘Vá lá’, foi aprovada por unanimidade por várias audiências.

Somos uma espécie de antenas em modo de receção e depois entramos em processamentoAssume-se como um ‘trovadeiro que canta a língua portuguesa’. As letras que escreve ‘bebem’ que inspiração?

As músicas são reflexo do que a pessoa pensa e sente numa certa altura. Nos anos 90 sentia de uma certa maneira, agora sinto de outra. Vivo num permanente modo de caça refrão, de tentar uma rima. E de vez em quando consegue-se canalizar uma música. Quando as músicas aparecem é algo mágico. Por vezes, estamos a conversar e surge uma ideia e isso é bonito… arrepiamo-nos. Aliás, a respeito disso, o João Gil dizia uma coisa muito bonita. Uma vez tive uma dessas visões, alguém me distraiu e acabei por perdê-la. E ele disse: 'Agora foi parar a outro'. É isso mesmo, somos uma espécie de antenas em modo de receção e depois entramos em processamento.

Gimba canta num português bem escorrido. Em que é que isto se traduz, na prática?

Significa que tudo é dito de forma líquida; as palavras não têm entrave. Na música há muitas disfunções e a música e a letra têm de acasalar. É uma espécie de Kama Sutra, tem muito de sexual. E às vezes também acontecem disfunções. Por exemplo, no ‘Malhão’ canta-se “que vida é a tua”, mas não dizemos assim. Há aqui uma altura em que a música não acasala na perfeição com a pulsação da letra. A música tem tempos fortes, tal como as palavras e, se não estão certas, há disfunções. E sempre evitei essas esquinas. A música portuguesa tem as suas armadilhas, mas se nós soubermos identificá-las, podemos desviarmos.

O single ‘Vá lá’ é cantado também por 12 ilustres convidados. Quem são eles?

De “A” – Ana Bacalhau, a “Z” – António Zambujo, passando ainda pelo Tim, dos Xutos & Pontapés. Aliás, o Tim estava a ouvir e dizia que tinha pouca música entre as estrofes [risos].

Notícias ao MinutoGimba edita o álbum 'Ponto G'© Rita Carmo

A respeito dos Xutos, o Zé Pedro era um grande amigo...

Conheci-o pouco depois do 25 de abril de 1974 e éramos uns ‘freaks’. E o Zé Pedro, na primavera/verão de 1977, fez um interrail e assistiu ao festival de Mont-de-Marsan. Era um festival punk onde estiveram, por exemplo, os The Clash, os Police, basicamente a ‘nata’ do punk esteve nesse festival. E o punk foi uma revolução, um corte com o passado. A própria música foi uma resposta ao que se fazia na altura. O Zé Pedro veio tocado com essa nova energia e quando chegou a Lisboa quis fazer uma banda punk. Começámos a criá-la no café. O Rui Reininho tinha, aliás, uma expressão engraçada. Costumava perguntar qual era a diferença entre as bandas do Porto e as de Lisboa. E respondia: As do Porto passam a tarde na garagem a ensaiar, as de Lisboa passam a tarde no café a dizer que têm uma banda. No caso dos Xutos era à noite.

Surgiu ali o nome da banda, que inicialmente começou por se chamar ‘Beijinhos & Parabéns’, e tentávamos escrever umas rimas nuns guardanapos. Havia imensas pessoas à volta da novidade e um dia uma delas, a que tinha inventado o nome, disse que queria formar uma banda com essa designação. Era preciso um nome novo. E no meio de umas cervejas surgiu ‘Xutos & Pontapés’.

E como passaram das noites no café a pôr, efetivamente, as ‘mãos na massa’?

Ninguém tinha instrumentos e fomos para a garagem do Zé Pedro com umas guitarras e garrafões. Bebíamos mais do que tocávamos. E não passou dali, de umas rimas em calão vernáculo. Mas o Zé Pedro não desistiu e um dia pôs um anúncio para encontrar elementos para a banda. Só o Zé Leonel é que era amigo dele. O Kalú e o Tim não se conheciam. Aliás, o Kalú vinha de um grupo de baile e à segunda vez que foi e não teve resposta mandou uma mensagem ao Zé porque não estava para perder tempo.

'Ponto G' é uma prenda para o meu querido amigoO que sentiu quando perdeu o Zé Pedro, o seu amigo?

Foi um grande choque. Perdi também o Phil Mendrix. Ambos amantes do rock, ótimas pessoas e foram levados pela doença. E é de certa forma irónico porque os Xutos têm, no primeiro álbum, uma música que se chama ‘Quando eu morrer’. E a letra diz: “Quando eu morrer, não levarei flores pro meu buraco, porque eu vou morrer, de cancro”.

Este disco é uma homenagem a ele, ao Zé Pedro?

Sim. É uma prenda para o meu querido amigo.

Ao longo destes 40 anos, passaste por vários projetos, entre eles os ‘Afonsinhos do Condado’…

Entrei no mundo artístico quando dei o primeiro espetáculo em 1978. Na altura tocava com um colega de escola, o Jorge Galvão, e fizemos um duo: Os Tiroliro e Vladimir. Passados uns anos admitimos mais um membro e passamos a ser um trio, os Afonsinhos do Condado. Na altura, a indústria funcionava através do envio de cassetes para as editoras, mas neste caso a editora é que veio ter connosco e quis renovar o seu catálogo, assinando com quatro bandas novas, os Afonsinhos do Condado, os Xutos e Pontapés, os Radar Kadafi e os Mler Ife Dada.

Como retrata a música da época?

A nossa música na altura era um bocado contra a corrente do pop rock cinzento. Éramos mais coloridos. E a primeira ida à televisão foi logo uma ‘bomba’. Desenhámos uns fatos, com ananases e tudo. E nós, além desse rock todo porque éramos, e somos, Beatlemaníacos, misturámos também América Latina e África. Saiu dali um cocktail.

Mas a certa altura acabou por deixar os Afonsinhos do Condado.

Os Afonsinhos entraram um pouco em desgaste. Tivemos quatro anos de disco e estrada e estávamos saturados. Para além disso, o ano de 1990 foi de crise. Nesse hiato decidimos fazer uma pausa para férias e cada um meteu-se no seu projeto. Eu transitei logo para o 'Pop Off'– programa sobre a música moderna portuguesa – e depois surgiu o convite para fazer parte dos Irmãos Catita. Era muito fã do Manuel João Vieira e nem pestanejei. Mas era baixista e vozes de apoio por isso foi como reviver o tempo de tocar nos bares do qual eu tinha saudades. Depois de muitas horas com Irmãos Catita fartei-me daquelas touradas e decidi pôr férias. Nunca houve zangas, aliás já toquei com eles várias vezes depois disso a substituir o meu substituto.

É em 1997 que se estreia a lançar o seu primeiro álbum a solo?

O Funky Punky Trunky foi o primeiro disco a solo e praticamente o único oficial. Fiz depois o Pornogal, em meados de 2004, mas com apenas 20 exemplares. Uma edição super exclusiva e limitada. Mas não guardo grande recordação deste álbum. A indústria discográfica sempre teve muitos medos, pelo menos em Portugal. Por exemplo, La Salsa de Amoreiras, o grande êxito dos Afonsinhos, entrou no disco quase a ferros por ser espanhol e foi a música mais tocada na rádio em 1987.

Na altura da escolha das músicas para o meu disco, também houve uma seleção e o grupo de músicas que acabou por ir para o disco ficou desgarrado e as favoritas ficaram de fora. Confesso que fiquei maduro muito tarde e na altura ainda andava a procurar o meu caminho. Quando ouço aquele disco percebo que não há nele uma identidade e, de facto, não acabou por vingar.

Acabou por fazer também televisão.

Sim, a certa altura surge o Cabaret da Coxa. Mas passei também por outros domínios, como a escrita das letras. Como parei de tocar, pelo menos ao vivo, comecei a aprofundar a escrita das letras e percebi que não havia nada do género em Portugal. Fui convidado para fazer uma palestra sobre o assunto e não podia ir só com o que tinha ‘nos bolsos’. Pesquisei e comecei a elaborar uma espinha dorsal, a descobrir coisas interessantes. A nossa língua é como se fosse o nosso umbigo, interessa a todos. Comecei então a preparar esta obra pioneira sobre escrever letras para música. Depois passei do livro para os cursos e comecei a fazer umas oficinas. A aceitação foi enorme e recebi críticas muito positivas.

E onde entra a produção no seu percurso profissional?

Quando começámos a gravar discos não nos sabíamos exprimir em linguagem técnica dentro do estúdio. Não estava a soar como gostávamos, mas não sabíamos explicar. Comprei uns aparelhos para aprender os parâmetros. E, aliás, quando saí dos Afonsinhos do Condado, colaborei num trabalho infantil, com a cantora Kika. Acabei então por produzir o álbum dela aos comandos do estúdio.

Há algum sonho na música por concretizar?

Gostava imenso de escrever um musical. Mas é uma trabalheira e depois está em cena pouco tempo.

40 anos a fazer música. Muita coisa mudou?

Fecha-se um ciclo e abre-se outro. Já tenho planos de fazer coisas novas e mais um disco na calha, mas não posso revelar já.

E quanto ao setor artístico em Portugal. Somos um país que reconhece e valoriza o que tem dentro de portas?

O meio musical está vivo e bem vivo e há criadores de todas as tendências com público. A música está de boa saúde. E as pessoas consomem o que lhes põem na frente. Os músicos têm de andar na luta e continuar a olhar para cima e para a frente, como eu.

Notícias ao MinutoGimba© Rita Carmo

Recomendados para si

;
Campo obrigatório