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Porto tem "bons fazedores" e "muita vibração" na cultura

O encenador Nuno Carinhas, que no final do ano deixa a direção artística do Teatro Nacional São João (TNSJ), disse hoje à Lusa que a cidade do Porto tem muitos “bons fazedores” e “muita vibração” em torno da cultura

Porto tem "bons fazedores" e "muita vibração" na cultura
Notícias ao Minuto

09:30 - 11/10/18 por Lusa

Cultura TNSJ

�Há aqui muito bons fazedores, que inclusivamente têm agora extensões internacionais interessantes. Enquanto há uns anos se procurava parceiros nacionais, agora imediatamente se procuram parceiros internacionais, com quem acabam por ter mais relações”, analisou o encenador, cenógrafo, figurinista e pintor, de saída da direção artística do TNSJ, após ter assumido o cargo em 2009.

Em 2019, o cargo será ocupado por Nuno Cardoso, anunciado como novo diretor artístico em 02 de outubro, encenador nascido em 1970, até aqui diretor artístico da Ao Cabo Teatro, e responsável por encenações de alguns dos maiores nomes da dramaturgia mundial, de Ésquilo a Molière, Henrik Ibsen, Federico García Lorca, William Shakespeare, Lars Norén ou Eugene O’Neill, entre muitos outros.

Questionado sobre a dinâmica cultural no Porto durante o seu trabalho no TNSJ, e comparando-a com a verificada há dez anos, Carinhas elogiou a “muita vibração” nos campos culturais da cidade, que vivem “um fervilhar de fazer muito grande”.

O nascimento do projeto do TNSJ, em 1992, levou ao aparecimento de várias companhias e estruturas culturais, a juntar-se às que já existiam, e “o teatro independente revigorou-se” a partir daí, também por encontrarem no São João “uma espécie de âncora, até só como um exemplo, e é isso também que um teatro nacional deve fazer”.

Assim, o edifício na praça da Batalha, bem como o Teatro Carlos Alberto, foi também “uma escola para dezenas de pessoas”, criando um padrão “de qualidade e exigência” que foi transposto para o resto da cidade.

A crise financeira que o país atravessou em anos recentes afetou “os tecidos mais frágeis, os que sofrem mais rapidamente”, o que inclui essas pequenas companhias, e por isso o TNSJ deu a mão a muitas estruturas, com coproduções e parcerias.

“Não podia assistir ao esfarelamento e à diluição dessa massa artística que se tinha gerado, e achei que era dever de quem tinha uma casa maior, e um teto que não deixasse entrar água. (...) O teatro nacional português é feito pelo trabalho dos grupos independentes, isso é um dado histórico incontestável”, justificou o ainda diretor artístico, que destacou o papel, como “parceiro regular e forte”, do tecido independente.

Nesse tempo, há ainda assim várias “perdas difíceis”, como “o desaparecimento de As Boas Raparigas [companhia de teatro]”, mesmo que hoje se viva “um fervilhar e intensidade de fazer na cidade muito grande, não só ao nível do teatro mas no resto das artes performativas”.

O diretor artístico destacou “o bom relacionamento com as instituições fortes da cidade, a Casa da Música e Serralves”, com várias iniciativas partilhadas, e a reabertura do Teatro Rivoli, sob a alçada do Teatro Municipal do Porto, que também originou a reabilitação do Teatro Campo Alegre.

“Foi positivo para todas as instituições, não só para o Rivoli. (...) Foi muito importante, porque criou dinâmica pública. Há uma dinâmica de discussão de espetáculos, de expetativa em relação ao que aí vem, colecionam-se programações”, referiu.

Segundo Nuno Carinhas, que tem atualmente em cena “Otelo”, de William Shakespeare, a cidade tem “muita vibração”, com circulação entre as instituições culturais, o que reflete também uma alteração na própria cidade com a gentrificação.

Pesando “o lado positivo e o negativo”, há “muitas coisas boas que podem advir” de uma cidade diferente e com mais turistas, mas também para estudantes e trabalhadores estrangeiros, e por isso o TNSJ tem todas as suas peças legendadas.

“Tem de haver a possibilidade de alguém que esteja a aprender português venha ouvir Shakespeare ao Teatro Nacional. Essa janela é absolutamente importante”, reforçou, apontando ainda o número “de línguas a vaguear e a cruzar-se na cidade”.

O São João, afirmou, “não se pode fechar e tem de estar atento a esse pulsar coletivo”, olhando para o que aconteceu durante os anos da crise, em que “as pessoas começaram a vir muito ao teatro para falar, ouvir falar e discutir”.

“Foi um momento bonito da manifestação do teatro como um pólo agregador de assuntos e especulações, no fundo um lugar de cidadãos”, reiterou.

A ligação às escolas, que visitam frequentemente as produções e acolhimentos da casa, e são por seu turno visitados por oficinas para alunos e professores por profissionais do teatro, é também um ponto importante do tempo de Nuno Carinhas à frente da instituição, pela formação de novo público, mas também pelo peso que “presenciar um espetáculo como ‘Antígona’” pode deixar nos jovens, que “não podem ficar indiferentes perante aquela personagem”.

“Qualquer bom espetáculo pode ser visto por qualquer geração, desde que depois seja especulado, visto e comparado e interligado com o quotidiano de cada um, do mundo, e isso é um trabalho absolutamente notável que o teatro pode fazer”, apontou.

A crise “desgastou esses grupos” de jovens nas escolas, que passaram a ter menos dinheiro para vir mais vezes ao teatro, um “ótimo aferidor da condição social”, mas a situação tem sido recuperada com o tempo e trabalho, e com coproduções como “Montanha Russa”, de Miguel Fragata e Inês Barahona, dedicada à adolescência.

De saída do cargo de diretor artístico, Carinhas deixou ainda uma palavra às “pessoas que trabalham na casa”, qualificando-as de “absolutamente únicas na motivação e na vontade”, também porque muitos dos que lá trabalham “ainda são os mesmos da sua fundação”.

Para o criador, “é muito importante que estejam aqui pessoas extremamente curiosas de novas experiências, novos materiais, e que não se acomodem a nenhuma maneira de estar funcionária, que não existe, e por enquanto, essa é a 'seiva' da casa”.

“Às vezes penso: ‘agora vai acabar este serviço público, esta missão’. O que é facto é que essa missão nunca acaba. Enquanto artistas estamos sempre no serviço público”, considerou.

Nascido em Lisboa, em 1954, o pintor, cenógrafo, figurinista e encenador, chegou ao TNSJ em março de 2009, depois de ter estudado pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e de ter trabalhado em produções do próprio teatro nacional, bem como em outras companhias.

No São João, encenou, ainda antes de chegar à direção artística, “O Grande Teatro do Mundo”, de Calderón de la Barca, em 1996, “O Tio Vânia”, de Tchékhov, em 2005, “Beiras”, três textos de Gil Vicente, em 2007, ou “Tambores na Noite”, de Bertolt Brecht, no momento em que assumiu a direção artística.

Antes, colaborou com companhias como a Cão Solteiro, a ASSéDIO ou o Ensemble, assim como com instituições como o Teatro Nacional de São Carlos e o Teatro Nacional D. Maria II, o Chapitô ou a Fundação Calouste Gulbenkian.

Em 1976, foi um dos sócios fundadores de A Barraca.

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