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"Não é possível ser homem hoje como há 20 anos"

A escritora franco-marroquina Leila Slimani, vencedora do Prémio Gouncort em 2016, considerou que o feminismo deve ser "mais global" e que está a mudar o comportamento masculino, não sendo possível "ser homem hoje como há 20 anos".

"Não é possível ser homem hoje como há 20 anos"
Notícias ao Minuto

10:45 - 22/09/18 por Lusa

Cultura Leila Slimani

Presente na Feira do Livro do Porto, a autora de 'Canção Doce', livro que lhe valeu o Gouncourt há dois anos, e de "No Jardim do Ogre", ambos editados pela Alfaguara em Portugal, disse à Lusa que o feminismo e a luta pelos direitos individuais tem levado a mudanças não só nas mulheres, mas também nos homens.

Em 'No Jardim do Ogre' ou 'Canção Doce', duas das personagens principais, Adèle, no primeiro, e Myriam, no segundo, cresceram numa geração de mulheres que foram educadas pelas mães para poderem ser o que quisessem quando crescessem, numa reflexão sobre "a complexidade da vida da mulher moderna".

"É extraordinário, mas muito difícil, porque nunca ninguém nos disse como o fazer. Podemos ter tudo, mas isso significa que temos de fazer muitos sacrifícios, e abrir o caminho para as nossas filhas, mostrar que é possível", atirou.

A partilha "com os parceiros, com os homens" é uma parte "muito importante" também para a afirmação das mulheres, até porque "há homens que estão a tentar entender o espaço deles no mundo hoje em dia", no qual querem "admirar mulheres" e poder lutar pela igualdade de género.

"O feminismo é muito mais global, não diz respeito só a mulheres. Não é possível ser homem hoje da mesma forma que era há 20 anos. Acredito que a próxima revolução será a do homem, porque hoje em dia os homens querem ser pais, parceiros, iguais às mulheres. (...) Será o próximo passo, encontrar os dois", explicou a autora, em entrevista à Lusa.

Se "seria difícil ser uma mulher muçulmana há 50 anos", hoje "é quase uma vantagem", e é "melhor do que ser um homem branco de 50 anos", porque a visão do mundo "é provavelmente mais relevante e correta", e Slimani afasta a "vitimização" em detrimento do "privilégio de ser ouvida" por nascer neste tempo.

Enquanto natural de Marrocos, Leila Slimani sente a pressão de escrever ou abordar o país de origem, e vê o mesmo acontecer com amigos, mas pretende antes provar "que, como qualquer pessoa ou artista, no mundo podemos falar dele, e com universalidade".

"Podemos escrever, sem que tenha de ser sobre religião, o que passam as mulheres ou o nosso país. Queremos poder dizer que o mundo também nos pertence, e se quisermos escrever um romance com uma personagem chinesa, podemos fazê-lo", acrescentou à Lusa.

Ainda assim, isso não afasta "melancolia e alguma mágoa sobre a situação dos direitos individuais" em muitos países, "da homossexualidade ao feminismo", e esse engajamento com os temas é "inevitável, mas algo que tem de partir de uma decisão e não porque as pessoas esperam isso".

Questionada sobre o efeito da Primavera Árabe em países como a Tunísia ou o Egito, Slimani confessou que a situação egípcia é "muito complexa e muito triste", mas que tenta ser "otimista, mesmo sendo difícil", enquanto a Tunísia é um povo que "não desiste" e onde há lutas importantes "pelos direitos individuais, secularismo e direitos das mulheres", dentro e fora do sistema.

"Apesar da luta, o quotidiano é muito difícil, por causa da economia e do terrorismo. É um país que amo e vou sempre apoiar o povo tunisino, que é muito corajoso. Podiam ceder na face do terrorismo e da violência, mas continuam a lutar, é extraordinário", referiu.

A autora, que escreveu ainda um livro de não ficção a partir de dezenas de entrevistas com mulheres marroquinas sobre as suas vidas sexuais ('Paroles d'honneur'), acredita no poder da literatura, "a coisa mais bonita do mundo" e que "vai sobreviver a tudo, desde guerras à estupidez, está muito acima e é mais forte do que nós".

A franco-marroquina, filha do antigo ministro da Economia de Marrocos Othman Slimani, vive em Paris com o marido e os filhos, e passou pelo Porto, na Feira do Livro, antes de ir a Helsínquia, na Finlândia, mas confessou conhecer "muito bem" Portugal e, em particular, a cidade de Lisboa.

"Venho a Portugal muitas vezes. Muitos dos meus amigos saíram de Paris e vieram para Lisboa depois da crise, em 2008. Eu e o meu marido estamos quase sozinhos em Paris. Amo este país. Nasci em Rabat, perto do Atlântico, e aqui lembro-me muito do que sentia na infância", contou à Lusa.

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