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"País campeão dos direitos do homem não vê a discriminação do seu povo"

Olivier Truc é um jornalista natural de França mas que vive há mais de 25 anos na Suécia. Os seus livros centram-se no povo sami, da Lapónia, e têm como objetivo denunciar a discriminação de que este povo é alvo, seja cultural, religiosa e até económica, devido à exploração de minérios. Esse é o mote para o primeiro de três livros que catapultaram o autor para a fama, e lhe valeram o reconhecimento e dezenas de prémios literários.

"País campeão dos direitos do homem não vê a discriminação do seu povo"
Notícias ao Minuto

08:39 - 06/10/18 por Patrícia Martins Carvalho

Cultura Olivier Truc

'Quarenta Dias Sem Sombra' é o primeiro de três livros policiais da autoria de Olivier Truc cuja história se centra no norte da Lapónia. Embora tenha sido publicado em 2012, só chegou a Portugal no passado mês de setembro, altura em que o Notícias ao Minuto teve oportunidade de trocar algumas ideias com o autor.

E Portugal é mesmo um dos cenários do seu próximo livro que vai ser editado em França em março de 2019. Lisboa e Sagres vão ser, a par da Lapónia, dois dos cenários protagonistas de uma história que se vai passar no século XVII e que traz um dos personagens a Portugal para aprender cartografia na Casa da Índia e na histórica Escola de Sagres.

Mas regressando ao passado, ‘Quarenta Dias Sem Sombra’ centra-se na descoberta da cultura e do próprio povo sami, um dos últimos povos indígenas na Europa que enfrenta sérias dificuldades para sobreviver.

Os polícias da patrulha das renas, Klemet e Nina, vão ter de desvendar um crime que ocorre no primeiro dia em que o sol regressa àquela região de um frio extremo e vão perceber que não se trata apenas do roubo de um tambor de xamã, nem tão pouco do homicídio de um pastor de renas. Há mais história por detrás destes crimes.

Quanto à Suécia, Olivier Truc garante que há uma “dupla moral” no país, pois se por um lado se vê como o “campeão” da defesa dos direitos humanos, por outro lado fecha os olhos à “discriminação” de que o seu povo sami é vítima.

Existem muitas diferenças entre o jornalismo que se pratica na Suécia e o que se pratica em França?

A prática do jornalismo é a mesma, o que é diferente é o acesso aos documentos públicos que na Suécia é mais fácil. A sociedade sueca não aceita tão bem a prática do segredo, ao contrário da sociedade francesa. No entanto, os responsáveis suecos sabem bem como guardar determinadas informações para que alguns documentos não venham a público.

Então não é muito diferente do que acontece em França...

É diferente porque na Suécia os jornalistas são, em geral, muito teimosos e conseguem obter as respostas que procuram, além de que são apoiados por uma opinião pública que exige que seja dado o exemplo por parte dos responsáveis políticos e económicos, mais do que acontece em França.

Onde é mais fácil ser jornalista: em França ou na Suécia?

Pode parecer mais fácil na Suécia porque os responsáveis são mais acessíveis e os documentos também estão mais acessíveis aos jornalistas, mas em determinados assuntos é tão difícil na Suécia como é em França.

Como descreve o jornalismo que é feito hoje em dia?

Há diferentes formas de jornalismo que se desenvolvem em paralelo. Por um lado temos o jornalismo mais industrial destinado a alimentar o fluxo informativo. Por outro, temos o jornalismo artesanal que privilegia a perspetiva e a análise.

Sinto que não posso parar este trabalhoApesar de ser escritor ainda continua a trabalhar como jornalista?

Sim, continuo a trabalhar um pouco para o Le Monde, mas principalmente como correspondente e em outros projetos e vou continuar a fazer reportagens para o papel. Sinto que não posso parar este trabalho.

Não tem saudades de viver em França?

Senti mais saudades nos primeiros anos, mas agora que estou emigrado na Suécia há mais de 25 já me habituei. A verdade é que depois de o meu primeiro romance ter sido publicado em França, em 2012, fui lá mais vezes para falar dos meus livros e tenho também outros projetos que me permitem passar mais tempo em França. O que eu aprecio bastante, por isso não sinto assim tantas saudades. Vou lá várias vezes.

Quais são, na sua opinião, as características essenciais que um bom escritor deve ter?

Eu não sei o que é ser um bom escritor. Um bom escritor é alguém que sabe contar uma história? É alguém que denuncia? Que se respeita e que respeita o leitor com o seu trabalho? Eu acho que um bom escritor deve ser alguém que dá tudo o que pode pelo seu livro, que vai atrás das suas ideias e que questiona sempre cada novo trabalho que faz.

Notícias ao MinutoLivro com 437 páginas está à venda em Portugal por 19,95 euros© Editora Planeta

Um escritor deve ser mais do que um contador de histórias?

Um escritor deve ser mais do que um contador de histórias, por isso é que escolhi escrever histórias sobre a Lapónia para abordar questões da vida do grande norte e da luta dos samis para sobreviver enquanto povo. Mas há muitos escritores que não escrevem pelas causas e isso não me incomoda. Eu apenas acho que a literatura é um meio fantástico para tocar as pessoas, porque se pode usar todo o tipos de emoções para esclarecer os leitores.

Por que decidiu escrever sobre a Lapónia?

Eu fiz muitas reportagens sobre a Lapónia e até um documentário para a televisão francesa. E muitos dos artigos que li sobre a Lapónia tiraram-me do sério.

Fui atingido pela lacuna que separa a imagem que os nórdicos têm deles mesmos, como o país campeão dos direitos do homem (...) e a sua incapacidade a ver a discriminação de que é vítima a sua própria população aborígenePorquê?

Porque é apresentada uma visão muito maniqueísta da situação: os simpáticos lapões contra os malvados escandinavos. A realidade é muito complexa e eu quis apresentar a minha visão. Outra razão pela qual me debrucei sobre este tema prende-se com o facto de a maior parte dos meus amigos suecos não saberem nada sobre a Lapónia. Nunca lá estiveram, nem conhecem nada da cultura sami. E isso intrigou-me. Fui atingido pela lacuna que separa a imagem que os nórdicos têm deles mesmos, como o país campeão dos direitos do homem e da defesas das minorias, e a sua incapacidade a ver a discriminação de que é vítima a sua própria população aborígene.

A Suécia trata os lapões da forma mais correta?

Infelizmente, as autoridades suecas não tratam muito bem os sami. Os seus direitos não são corretamente respeitados e muitas vezes as autoridades dão razão às empresas industriais em detrimento dos pastores de renas.

Esta posição faz da Suécia um país com dupla face?

Completamente, há uma moral dupla por parte da Suécia. Existem alguns lobbies muito poderosos representados no parlamento que bloqueiam todos as melhorias possíveis à vida do povo da Lapónia.

O livro foi bem recebido pelos leitores suecos?

Foi sim, teve críticas muito boas na Suécia e foi finalista do Grande Prémio do romance policial. A verdade é que os suecos ficaram surpresos com o facto de um francês conhecer tão bem a vida no grande norte e a cultura sami.

Existe mesmo uma patrulha de renas?

Sim, a polícia das renas existe mesmo e eu passei dois meses a acompanhar as suas patrulhas na Lapónia durante o inverno, a primavera e o outono. Mas menti um pouco porque esta brigada, que consiste em um chefe e sete patrulhas de dois policias, existe apenas na Lapónia norueguesa e não na sueca ou na finlandesa.

Vivo numa pequena nuvem e a cada festival literário a que vou encontro novos leitores que me vêm dizer como os meus livros os tocaram. Isso é mágicoEsperava alcançar tamanho sucesso com os seus livros sobre o povo sami?

Honestamente não. Foi uma surpresa total. Seis anos depois vivo numa pequena nuvem e a cada festival literário a que vou encontro novos leitores que me vêm dizer como os meus livros os tocaram. Isso é mágico.

Que significado têm para si os prémios que conquistou?

Mais importante do que o número de prémios é que eles são tanto de leitores como de profissionais, o que significa que o livro tocou toda a gente. E isso é que é realmente importante para mim. Este livro - que me disseram que era bizarro e que tem uma história complexa com numerosas personagens muito detalhadas - correspondia a um impulso que eu não conseguia parar. Foi uma revelação para mim perceber que se formos atrás da nossa paixão, se formos atrás das nossas ideias por mais exageradas que sejam, com todo o trabalho que as acompanha, as pessoas vão estar prontas a seguir-nos.

Como descreve o estado atual da literatura?

Atualmente há muitos bons livros, há muitos livros a serem publicados e há um sistema que não promove a boa apreciação dos livros que são publicados.

Do seu ponto de vista é bom haver tantos escritores?

O facto de haver tantos escritores mostra que há também muitas pessoas com histórias para contar ou que acreditam ter histórias para contar. A população mundial aumenta, o número de escritores também, não há nada de bizarro nisto.

Alguns jornalistas querem contar histórias longas, querem aprofundar um tema, e não tratá-lo em tweets de 140 caracteres e um livro permite-lhes issoPor que razão há tantos jornalistas que são também escritores?

Uma das explicações é que há muitos jornalistas que não têm espaço nas suas redações para contarem as suas histórias. Os jornalistas são também confrontados com a interferência das redes sociais. Alguns jornalistas querem contar histórias longas, querem aprofundar um tema, e não tratá-lo em tweets de 140 caracteres e um livro permite-lhes isso.

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