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"Pode perder-se tudo de repente". Migrações e reinvenção no Queer Lisboa

O festival Queer Lisboa regressa para a sua 22.ª edição, que acontecerá de 14 a 22 de setembro. São 100 filmes de 32 nacionalidades a ser exibidos no Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa. Este ano, para além do compromisso social com um ciclo de filmes sobre sida, o festival de cinema LGBT também coloca no grande ecrã o tema das migrações e das suas consequências ao nível do repensar de identidade pessoal e coletiva.

"Pode perder-se tudo de repente". Migrações e reinvenção no Queer Lisboa
Notícias ao Minuto

08:40 - 05/09/18 por Anabela de Sousa Dantas

Cultura Festival

A cultura queer não é um espaço hermético, é também um quadro de impressões da realidade pela mão da atualidade política e social. Através da arte, o extrato das vivências dos seus intervenientes permite testemunhar a multiplicidade das realidades periféricas e, ao mesmo tempo, medir a temperatura à sociedade envolvente. Esta é a premissa da 22.ª edição do Queer Lisboa – Festival Internacional de Cinema Queer, que se realiza de 14 a 22 de setembro.

O grande tema da programação planeada para esta edição do festival são as problemáticas associadas ao VIH/sida, através do ciclo ‘O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida’, do lançamento de um livro de ensaios e de uma exposição, mas também são abordadas questões ligadas às migrações, na sua ampla complexidade.

No total, estarão 100 filmes em exibição, de 32 países diferentes. Os Estados Unidos são o país com mais expressão, com 27 filmes, seguido pelo Brasil, com 15. Portugal tem uma representação total de oito filmes. Pode consultar o guia de filmes aqui, assim como as respetivas salas de exibição, no cinema São Jorge ou Cinemateca Portuguesa.

O filme que abre esta edição do Queer Lisboa é ‘Diamantino (2018)’, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, filme vencedor do Grande Prémio da Semana da Crítica do Festival de Cinema de Cannes, sobre uma superestrela do futebol mundial cuja carreira cai em desgraça. “É um prazer para nós [porque] temos acompanhado o trabalho do Gabriel e ter um filme português na abertura do festival é difícil acontecer”, indica ao Notícias ao Minuto o diretor do festival, João Ferreira.

"É preciso alertar as novas gerações para o VIH/sida"

O programa multidisciplinar dedicado ao tema da sida - ‘O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida’ - inclui um ciclo de retrospeção sobre a forma como a sétima arte foi representando a doença, desde os anos 80. João Ferreira diz que é uma revisitação há muito planeada e que ganhou força com uma estreia do ano passado, ‘120 Batimentos por Minuto’, do realizador Robin Campillo.

“Achamos pertinente por dois motivos, primeiro porque há uma extensa cinematografia sobre esse tema que é bastante desconhecida, principalmente por novas gerações. Por outro lado, por uma questão também social. É um tema que parece que é cada vez menos falado e ainda persiste, é preciso alertar as pessoas, principalmente as novas gerações para o VIH/sida. São dois fatores que importam muito ao nosso festival, juntar a parte social à parte cultural e política”, sublinha.

Serão mostrados filmes como ‘Buddies’ (1985), de Arthur J. Bressan, Jr., a primeira ficção sobre o VIH/sida, que será apresentada em versão restaurada, ‘Kids’ (1995), de Larry Clark, um obra polémica e alucinante sobre juventude e amadurecimento no auge da epidemia da sida em Nova Iorque, ou o documentário confessional de Joaquim Pinto, ‘E Agora? Lembra-me’ (2013), onde o realizador leva ao ecrã a sua luta contra o HIV e o vírus da hepatite C.

O programa ‘O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida’, com 17 curtas e oito longas-metragens, inclui também o lançamento de um livro homónimo, com ensaios de vários autores sobre o tema, e uma exposição de arte.

As migrações e as fronteiras culturais no repensar de identidades

Sendo o cinema um espelho da atualidade, as mudanças e os desafios que se impuseram às sociedades a reboque das migrações têm o seu espaço na sétima arte. A comunidade queer não é impermeável a essa mudança. “Foi uma tema que surgiu pela própria programação, não fomos nós que o forçámos. Havia uma forte presença, por exemplo, de filmes vindo do Médio Oriente e uma série deles que tratam da questão do movimento demográfico e o que é que isso implica, também, em termos da construção das nossas identidades”, aponta João Ferreira.

O diretor do Queer Lisboa destaca os vários filmes que abordam questões relacionadas com as migrações e diz “ser um tema interessante para explorar numa perspetiva queer”, uma vez que, assim como a cultura queer, acaba por se tratar de reinvenção, de renovação, de um repensar de identidade.

Entre o leque de obras encontra-se ‘And Breathe Normally’ (2018), longa-metragem de estreia da realizadora Ísold Uggadóttir, que está a competição, sobre o encontro entre uma mãe islandesa e uma refugiada da Guiné-Bissau, ou ‘Burka Songs 2.0’ (2017), curta-metragem da realizadora sueca Hanna Högstedt, sobre as leis francesas de restrição do uso de burka, que faz parte do ciclo Panorama Special Focus.

Linn da Quebrada e o ativismo trans e feminista no contexto atual

A encerrar o festival está ‘Bixa Travesty’ (2018), documentário realizado por Claudia Priscilla e Kiko Goifman sobre Linn da Quebrada, cantora, ativista e uma das principais vozes do movimento trans, queer e feminista do Brasil. O filme venceu o prémio de Melhor Documentário do Teddy Award da Berlinale – Festival Internacional de Cinema de Berlim.

“A nova força dos movimentos de extrema-direita, que estão a chegar ao poder um pouco por toda a Europa e também no Brasil, tem feito com que o cinema reaja. E que procure compreender, procure reagir, procure lutar”, enfatiza João Ferreira.

Definindo a escolha de ‘Bixa Travesty’ como “quase óbvia”, João Ferreira refere que Linn da Quebrada, que esteve este ano em Portugal, para um concerto, “representa uma nova geração e uma voz importantíssima, que está além das fronteiras do Brasil”. A luta de Linn contra o machismo, o preconceito e os padrões heteronormativos é, também, sinal de uma mudança mais abrangente.

“Nós podemos adquirir direitos como o casamento mas estes movimentos políticos recentes mostram-nos que tudo isto pode ser temporário. Pode perder-se tudo de repente. Lutas que duraram anos, conquistas que foram difíceis, podem perder-se de um dia para o outro. Aqui cruza muito com a questão das migrações, esta ideia de que, de repente, poder perder-se tudo e ter de se começar de novo”, reflete João Ferreira.

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