'Macbeths' de Luísa Costa Gomes estreia-se nas ruínas do Carmo
Uma "patrícia romana", "uma mulher extremamente nobre" é como a escritora Luísa Costa Gomes define a protagonista da peça que escreveu, "Macbeths", e que se estreia na quarta-feira, no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa.
© Global Imagens
Cultura Teatro
Concebida a partir da tragédia "Macbeth", de Shakespeare, e de outros textos do poeta conhecido como o "bardo" de Stratford-upon-Avon, "Macbeths" é uma leitura de Luísa Costa Gomes sobre a personagem Lady Macbeth, à qual a autora de "Olhos Verdes" e "Vida de Rámon" não reconhece qualquer responsabilidade em crimes, como disse à agência Lusa.
Lady Macbeth é uma mulher "numa situação muito dilacerante, e que vive esse dilema de uma forma estratégica", defendeu.
Para Luísa Costa Gomes, a personagem central da peça encenada por António Pires é antes uma personagem com "muito mais protagonismo" do que a original do texto de Shakespeare.
"Aquilo que se desenha é uma mulher dividida entre o amor e a lealdade, que sente pelo marido, e a necessidade absoluta de parar a mortandade", sublinhou a autora da dramaturgia.
Não é, pois, de estranhar que nesta peça -- a interpretar por 16 atores, entre os quais 13 finalistas do curso de teatro da escola ACT -- Lady Macbeth não seja a personagem ausente da tragédia shakespeariana, mas antes uma protagonista de outra história que se dá "nos bastidores da tragédia de Shakespeare", sublinhou Luísa Costa Gomes.
Porque, para a escritora, há, de facto, uma "leitura cultural" de Lady Macbeth que lhe pareceu "sempre extraordinariamente parcial".
"Há esta ideia de que ela instiga, incita, praticamente força e manipula o marido a fazer uma coisa como se ele não a quisesse fazer e, de facto, a minha leitura é completamente diferente", frisou Luísa Costa Gomes.
Para a escritora que este ano publicou de "Florinhas de soror nada -- A vida de uma não-santa", Lady Macbeth é, antes pelo contrário, uma mulher que não mata.
"Ela não mata -- quem mata é ele -- e há uma diferença abissal entre imaginar o mal e perpetrar o crime", sustenta a escritora, frisando essa "diferença abissal" entre a "fantasia do poder" e "todos os passos que não são muito palatáveis para retirar [como diz Macbeth] os obstáculos que estão no caminho para a coroa".
Já para o encenador António Pires, "Macbeths" é uma peça de teatro completamente nova.
Urdida a partir da tragédia original -- e de outras obras do autor inglês como "Ricardo II", "Rei João", "Dois cavaleiros de Verona", "Otelo", "Como queiram", "Hamlet", "Cimbelino", "Henrique V", "Henrique VI", "O mercador de Veneza" -- trata-se de uma peça que vai suscitar opiniões diferentes.
"O que acontece é que quem conhece o Macbeth é possível que esteja a assistir e comece a dizer: 'Bem, isto não é bem assim'; e quem não conhece vai acreditar que aquilo é o Macbeth", referiu.
Porque "Macbeths" não apresenta Lady Macbeth como uma vilã que é culpada de tudo.
"Para a Luísa [Costa Gomes], há uma diferença entre quem comete o crime e quem só o idealiza", acrescentou António Pires, sublinhando que nesta peça o autor do crime é Macbeth.
"Nesta peça, a Luísa cria as cenas que não são vistas e, portanto, temos uma lady Macbeth que, apesar de amar o marido e querer continuar a estar ao lado dele, começa a tentar impedir que ele continue aquela vertigem que tem para o crime", argumentou.
Contudo, ela nunca chega a tempo de o impedir, daí que, nesta peça, acabe também por fazer "um percurso de redenção", frisou o encenador.
Sobre o facto de regressar aos textos clássicos, António Pires disse ter sido uma ideia que partiu de si e da atriz Margarida Vila-Nova, protagonista da peça.
"Tínhamos vontade de trabalhar juntos, já que a Margarida sempre trabalhou no Teatro do Bairro, mas tem estado em Macau. Depois falámos com a Luísa, que já tinha esta leitura muito própria da personagem lady Macbeth, e assim surgiu esta peça", referiu.
No que respeita à cenografia -- uma meia lua em torno das ruínas do Carmo com 15 tronos para 16 atores, nos quais figuram vários fragmentos de imagens de guerra -, António Pires explicou ter sido uma escolha que reflete "a atração que quase todo o ser humano tem por ver sangue e mortes".
O cenário resulta num conjunto "muito pictórico", a que não é alheio o trabalho do encenador com Nuno Faria, diretor artístico do Centro Internacional das Artes José de Guimarães.
Com figurino de Dino Alves, baseada numa coleção sobre a realeza concebida há uns anos pelo estilista, "Macbeths" é uma peça onde imperam os tons rosa-velho, os amarelos vivos e os "verdes rainha de Inglaterra", disse António Pires.
"Macbeths" vai estar em cena de quarta-feira a 18 de agosto, com espetáculos de segunda-feira a sábado, às 21:30.
Interpretam Margarida Vila-Nova, Cláudio da Silva e João Cabral e 13 finalistas da ACT -- Escola de Atores: Andreia Galamba, Beatriz Andrez, Catarina Berkemeier, Clarisse Ricardo, Constança Brandling, David Medeiros, Filipe de Castro, Francisco Beatriz, Margarida Leão, Mariana de Almeida Fernandes, Ruben Brandão, Salvador Nery e Vanessa Varela.
Com dramaturgia e tradução de Luísa Costa Gomes, a peça tem cenografia de Nuno Esteves, movimento de Paula Careto, música de Paulo Abelha e iluminação de Cláudio Marto.
Dramaturga, contista, romancista, cronista, Luísa Costa Gomes é autora de textos para teatro como "Nunca nada de Ninguém", "Clamor", "Vanessa Vai à Luta", "E Agora, Outra Coisa", de "Corvo Branco", libreto da ópera de Philip Glass.
Publicou o primeiro livro, "13 Contos de Sobressalto", em 1982, a que se seguiu a narrativa "Arnheim & Désirrée", no mesmo ano. Ganhou o Prémio Dom Dinis da Casa de Mateus com "O Pequeno Mundo", o Grande Prémio de Conto da Associação Portuguesa de Escritores com "Contos Outra Vez", os prémios PEN Club e Fernando Namora com "Ilusão (ou o que quiserem)".
"O Gémeo Diferente", "O Defunto Elegante" (com Abel Barros Baptista), "Educação para a Tristeza", "Império do Amor" são outras obras de Luísa Costa Gomes, a que este ano também juntou "Da Costa", uma viagem por diferentes tempos e testemunhos de "praias e montes da Caparica".
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com