Reeditadas as peças 'Pranto de Maria Parda' e 'Auto da Barca do Inferno'
O teatro de Gil Vicente demonstra uma "ampliação da duração da ação e da origem social das personagens", defende a editora Guerra & Paz, que publicou, num só volume, dois títulos do dramaturgo.
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Cultura Gil Vicente
De Gil Vicente, autor que terá vivido entre 1465 e 1546, a editora publicou, com um vasto preâmbulo, as peças 'Pranto de Maria Parda' (1522) e 'Auto da Barca do Inferno' (1517).
O teatro de Gil Vicente, escrevem os editores, "provém de tradições dramáticas presentes no fim da Idade Média", mas "afasta-se totalmente dos princípios do teatro clássico", e há nele "uma ampliação da duração da ação e da origem das social das personagens".
"As personagens de Gil Vicente falam português vulgar, médio e erudito, com muitos arcaísmos, que eram correntes na linguagem da época", marcando também, o espanhol, presença em várias peças.
Segundo os editores, "as peças vicentinas também se caracterizam pela mescla de elementos sérios e cómicos, como, por exemplo, misturando um registo elevado com um baixo de termos de linguagem, aplicando a máxima, a rir corrigem-se os costumes".
Sendo relativamente desconhecida a biografia de Gil Vicente, que terá nascido em Guimarães, sabe-se que apresentou a primeira peça, 'Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação', em 1502, e, a última, 'Floresta de Enganos', em 1536, tendo produzido sempre no ambiente cortesão, primeiro ao serviço de D.Leonor, viúva de D.João II, e, posteriormente, dos reis D. Manuel I e D. João III.
Os editores realçam que o autor viveu "durante o apogeu do império português", tendo assistido às lutas políticas do reinado de D. João II, à descoberta da costa africana e do caminho marítimo para a Índia, assim como à chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500, e a grandes obras, como a edificação do Mosteiro dos Jerónimos, e ao engrandecimento do Convento de Cristo, ambos ligados à expansão marítima.
O 'Pranto de Maria Parda' é uma sátira à carestia do vinho, devido à seca assinalada em 1521. Maria Parda é a porta-voz de um conjunto de bêbados que mendigam nas ruas de Lisboa, por o vinho estar tão caro.
"Maria Parda faz-nos rir com a sua a linguagem, o seu desespero, o seu testamento burlesco, mas a sede do vinho não é mais do que a sede do espírito, o vazio do ser", escrevem os editores, havendo também ensaístas, como Paul Teyssier, que a vêm como uma "imagem dos desgraçados que morriam à fome" na então capital do império.
A outra peça incluída nesta edição, 'Auto da Barca do Inferno', é a primeira da denominada 'Trilogia das barcas', que inclui o 'Auto da Barca do Purgatório' e o 'Auto da Barca da Glória', enquadrada "no género da moralidade".
Do 'Auto da barca do Inferno' conhecem-se três versões, uma de uma folha volante, feita em vida do autor, em 1518, outra incluída na 'Compilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente', de 1562, organizada postumamente pelos filhos, e ainda uma de 1586, que o seu filho Luís editou, e à qual modernizou a linguagem, "sem critérios rigorosos", alterando e suprimindo versos.
A Guerra & Paz optou por dar à estampa a edição de 1518, feita em vida do autor.
A atual edição atualiza a ortografia, sempre que não compromete o estilo original, regularizado o emprego de maiúsculas, e "a pontuação foi sempre aplicada com parcimónia".
Segundo os editores, "cientes de quão delicada é a fixação de textos medievais", o objetivo desta publicação foi "apresentar um texto o mais compreensível" e, por isso, mais passível de leitura.
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