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'Entre a espada e a palavra' e fotografia de Pieter Hugo no Museu Berardo

Um fotógrafo "de palavras suaves" é como Pieter Hugo se define, na apresentação de 'Entre a espada e a palavra', exposição que apresenta em Lisboa e que vai ser inaugurada na quarta-feira, no Museu Coleção Berardo.

'Entre a espada e a palavra' e fotografia de Pieter Hugo no Museu Berardo
Notícias ao Minuto

13:08 - 01/07/18 por Lusa

Cultura Exposição

'Between the devil and the deep blue sea - Entre a espada e a palavra' é o título da mostra, por extenso, composta por quinze séries, produzidas entre 2003 e 2016, que são testemunhos de "uma terra imperfeita", "derrotada", de universos ("entre a espada e a palavra"), sem grande hipótese de escolha.

Nascido em Joanesburgo, na África do Sul, em 1976, Pieter Hugo cresceu nos últimos anos do apartheid, acompanhou o final da política de segregação, a vitória de Nelson Mandela, nas primeiras eleições democráticas, em 1994, e expõe imagens captadas no seu país natal, mas também no Ruanda, Gana, Botsuana, nos Estados Unidos e na China.

Em todas, privilegia as dissonâncias sociais, o que se impõe incoerente, perturbador, seja nas pessoas que retrata, nas paisagens, ou nas naturezas-mortas, como explicou, numa visita guiada, durante a montagem da exposição, no Museu Berardo, em Lisboa.

O fotógrafo interessa-se "pelo fosso entre o ideal e a realidade", pelo que "nos divide e o que nos une", pelo modo como "pessoas de todas as raças vivem com a sombra das suas culturas", do seu passado, da repressão ou do domínio político. E procura todos esses sinais, em cenas do quotidiano e nas paisagens.

Por isso, há uma constante nas fotografias deste antigo repórter fotográfico, vencedor do World Press Photo, em 2006, na categoria Retratos (com a imagem de um homem com uma hiena): a dignidade de todos os retratados.

É assim nas imagens de crianças que fez no Ruanda, em 2014, 20 anos depois do genocídio, e nas que captou, em 2009 e 2010, nas lixeiras da tecnologia, no Gana, em Agbogbloshie, a segunda maior zona de processamento de resíduos eletrónicos da África Ocidental.

O mesmo é evidente em 'A viagem' (2014), com os passageiros adormecidos de um voo para os EUA, ou em 'Os domadores de hienas', série feita na Nigéria, de 2005 a 2007, e nas 'Flores Silvestres da Califórnia', com os sem-abrigo fotografados em 2014 e 2015, em S. Francisco e Los Angeles.

"A exposição fala sobre uma terra derrotada, imperfeita", disse Pieter Hugo à agência Lusa.

Uma terra imperfeita vista "por um homem branco, africano, que, com frequência, retrata pessoas de sociedades a que não pertence, mas em que todas têm os mesmos direitos", perante a captação de imagem, mas não no meio em que se encontram.

"E, obviamente, isso levanta interrogações". São questões que têm de ser pensadas, sustentou, assim como a própria fotografia "e a crise que está a passar".

Uma das possibilidades da fotografia, e pelo qual é responsável, é a capacidade de representação, mas tem de o fazer "com veracidade", argumentou.

"Neste momento, tenho uma relação diferente com a fotografia", em comparação com o tempo em que fazia fotojornalismo. "Apesar de manter uma curiosidade do repórter, sinto-me melhor a olhar para um corpo de trabalho" e ter capacidade de poder regressar a ele, "após uns anos, como fiz na série de fotografias no Ruanda".

É uma série quase toda feita com crianças, porque, quando regressou ao Ruanda, em 2014, tinha sido pai, tinha dois filhos, e a paternidade alterou-lhe a forma de ver, confessou.

As crianças do Ruanda acabaram por lhe impor as mesmas questões que os seus filhos. Como, aliás, noutros locais. Questões a ver com a vida, com a morte - há ainda a marca dos massacres, ossos, esqueletos, corpos, a roupa dos mortos -, mas há também a placidez da paisagem e aqueles que a habitam.

Nas fotografias de Pieter Hugo todos são tratados com o mesmo respeito. Não é o fotógrafo que estabelece hierarquias.

No Ruanda, 20 anos depois do genocídio, pôde sentiu que já "não é o tempo de mostrar ao mundo as atrocidades", observou. A memória está lá. "Mas agora é o tempo da família e dos amigos, das pessoas com quem nos relacionamos".

"A fotografia pode ser um 'hífen' ou umas 'aspas', na medida em que não precisa de ter [focar diretamente] o evento para o captar", porque a fotografia "não deixa de o ser, mesmo que olhe para a periferia do acontecimento". Ao fazê-lo, "está a assumir um tempo mais lento", ressalvou, e isso permite pensar.

"Sou mais um fotógrafo de palavras suaves", acrescentou.

Pieter Hugo aponta "Green point common", feita na Cidade do Cabo, em 2013. Mostra um homem recolhido, sob uma árvore, no lado oposto à copa, vergada pelos ventos dominantes. É uma das imagens preferidas" do fotógrafo, porque mostra como, "independentemente de tudo, a história segue o seu rumo".

"Entre a espada e a palavra" vai estar patente no Museu Berardo até 07 de outubro. Montada em parceria com o Museu de Arte de Wofsburg, a exposição tem curadoria de Uta Ruhkamp, e Lisboa é a última etapa da sua itinerância.

A diretora artística do Museu Berardo, Rita Lougares, disse à Lusa que "Pieter Hugo é um fotógrafo com uma enorme sensibilidade", com "uma grande dignidade a fotografar estas situações, que são todas de grande dissonância social".

Sem moralismos, Pieter Hugo tem "um lado de nos fazer pensar no que existe por este mundo fora", com imagens "diferentes da ideia que temos de África", disse a diretora do Museu Berardo, que acompanhou a visita guiada.

"Não há uma única pessoa fotografada [por Pieter Hugo] que se diga 'coitadinhos'", referiu, acrescentando que, mesmo na série dos sem-abrigo, mostra pessoas que estão ali conscientes do seu lugar.

"É um fotógrafo excecional, com um sentido estético fabuloso, e uma pessoa excecional". Esta coprodução, "era a possibilidade de trazermos a mostra aqui, já que repartimos os custos", concluiu Rita Lougares. Uma possibilidade que o Museu Berardo não quis perder.

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