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Pieter Hugo expõe em Lisboa e considera David Golblatt um ícone

O fotógrafo sul-africano Pieter Hugo considerou hoje que a morte do seu compatriota David Goldblatt, fotógrafo da luta anti-apartheid, constitui "a perda de um ícone".

Pieter Hugo expõe em Lisboa e considera David Golblatt um ícone
Notícias ao Minuto

20:16 - 29/06/18 por Lusa

Cultura Fotografia

Pieter Hugo falava à agência Lusa à margem da apresentação da exposição de sua autoria 'Between the devil and the deep blue sea - Entre a Espada e a palavra', que, a partir de 5 de julho, está patente ao público no Museu Coleção Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

"David Goldblatt foi um vulto gigante da fotografia na África do Sul", disse Pieter Hugo a propósito do fotógrafo sul-africano que denunciou o sistema de 'apartheid' no país, e que morreu na passada segunda-feira, em Joanesburgo, aos 87 anos.

"O trabalho de Goldblatt foi o primeiro que vi que me fez perceber o que era ser fotógrafo e que me levou a sê-lo", referiu, considerando, porém, não estar à altura daquele "gigante" da fotografia.

"Eu sou mais um fotógrafo de palavras suaves", acrescentou.

O trabalho de David Goldblatt "fez-me ainda perceber que a fotografia não tem de ser uma marca extremada da palavra, nem apenas a essência do fotojornalismo", observou.

"A fotografia pode ser um 'hífen' ou umas 'aspas', na medida em que não precisa de estar no evento para o captar", sublinhou, porque a fotografia "não deixa de o ser mesmo que olha para a periferia do acontecimento, ou para o lado [do que está a acontecer], ainda que, se o fizer, esteja a assumir um tempo mais lento", ressalvou.

Para Pieter Hugo, nesse contexto, David Goldblatt foi também "um exemplo".

Goldblatt ficou conhecido pelas imagens que captou e que documentaram as atrocidades da política de segregação racial, seguida pelo governo da minoria branca da África do Sul, desde 1948, até ao início da década de 1990.

Reconhecendo que o trabalho de Goldblatt lhe causou "grande impacto", Pieter Hugo sublinhou o "compromisso exemplar" que aquele profissional da fotografia manteve com a profissão que escolheu.

"Foi exemplar o seu compromisso e a sua vontade em fazer o que queria fazer, e da forma como o queria fazer. E isso é um exemplo de vida para todos", frisou.

Goldblatt foi o primeiro fotógrafo sul-africano a expor individualmente no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Esteve em Portugal em 2008, para a inauguração da sua exposição "Intersecções Intersectadas", no Museu de Serralves, no Porto, realizada seis anos depois da retrospetiva de cinco décadas de trabalho, que o Centro Cultural de Belém expôs, em 2002.

Nascido em 1930, na África do Sul, começou a trabalhar como fotógrafo em 1961, tendo o seu trabalho sido desde o início influenciado pelo 'apartheid'.

Em extensas séries de fotografias (inicialmente publicadas em livros e revistas), Goldblatt deu rosto às estruturas sociais estabelecidas por aquele regime opressivo, criando "uma imagem complexa e contraditória da fraturada sociedade sul-africana", como destacou Serralves, que publicou o catálogo "Intersecções Intersectadas".

Através da fotografia a preto e branco, capturou imagens das minas de ouro em decadência e dos seus operários, dos negros pobres do Soweto, da classe média branca em Boksburg, perto da Cidade do Cabo e da vida dos Afrikaners, parte da população branca, que Goldblatt invejava pelas suas fortes raízes sul-africanas, mas que, ao mesmo tempo, culpava pelo 'apartheid'.

As pessoas e objetos que Goldblatt fotografava nas suas séries a preto e branco são colocados no centro das imagens e moldados pela luz e pela sombra, por vezes de forma dramática.

O fotógrafo posicionava-se a meia distância e concedia domínio de campo aos seus protagonistas, dentro da imagem, mesmo quando as fotos apresentavam condições de vida terríveis.

Apesar de opositor do 'apartheid', David Goldblatt não retratou diretamente os brutais acontecimentos dos anos negros do regime separatista sul-africano, optando por capturar imagens reveladoras das estruturas que levaram a esses acontecimentos.

Com o fim do 'apartheid', a realidade que tinha estado na origem do trabalho de Goldblatt, ao longo de 30 anos, deixou de existir.

Passou então a utilizar a fotografia a cores, a fotografar paisagens (o que antes considerava inapropriado) e a imprimir os seus trabalhos em grandes dimensões.

A exposição das obras de David Goldblatt em Serralves foi composta sobretudo por pares de fotografias que confrontavam imagens a preto e branco (tiradas durante o 'apartheid') com imagens a cores (do 'pós-apartheid'), permitindo, por vezes, observar o mesmo local com 20 anos de diferença.

A mostra no CCB, que reuniu 51 anos de trabalho do fotógrafo, era sobretudo dominada pelo testemunho político de Goldblatt, dos anos do 'apartheid'.

O fotógrafo era filho de emigrantes judeus lituanos fugidos às perseguições do final do século XIX.

Pieter Hugo, nascido em Joanesburgo, em 1976, é um fotógrafo do período pós-colonial, que assistiu ao fim do ´apartheid`, em 1994.

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